Arquivo do mês: novembro 2020

Eleições 2020: vitória da centro-direita ou derrota do bolsonarismo?

Fonte: Gráfico elaborado pelo UOL com dados do TSE

Um dia após as eleições municipais e muitos analistas já apontam o número de prefeitos eleitos em 2020 por partidos como o MDB, o PSDB, o DEM, o PSD, o PP, o PL e afins como índice da ascensão da centro-direita no país. Eu não vejo dessa forma. Ao contrário. Entendo o resultado dessas eleições como o primeiro passo da recuperação dos partidos de centro-esquerda em grandes centros. Vejo-o muito mais como um sinal de esperança para 2022 do que como uma vitória do conservadorismo.

Não é novidade que as pequenas e médias cidades do interior do país são redutos políticos das elites conservadoras locais que, por sua vez, se viam representadas municipalmente por grandes partidos como os antigos PMDB e PFL, por exemplo. A fragmentação sucessiva desses partidos em outras legendas (PFL => DEM => PSD ou PMDB => PSDB) dividiu os votos que essa elite recebia, mas o cenário geral continuou o mesmo. A penetração dos partidos de centro-esquerda nessas pequenas e médias cidades sempre foi (e ainda é), muito difícil. Tal como nos EUA, são as cidades mais populosas que concentram os votos em representantes de partidos com pautas mais progressistas como o PT, o PSOL, o PSB e o PDT, por exemplo.

As eleições de 2016 e 2018, no entanto, resultaram no avanço dos candidatos da centro-direita justamente sobre os espaços duramente conquistados pela centro-esquerda desde o surgimento do PT, no começo dos anos 1980. O que testemunhamos de ontem para hoje, portanto, parece ser um último movimento daquele avanço assustador de 2016, uma vez que já se percebe, nitidamente, uma recuperação da esquerda nos grandes centros: Boulos (São Paulo), Manu (Porto Alegre), Campos/Arraes (Recife), Edmilson (Belém), Sarto (Fortaleza), Coser (Vitória), Elói Pietá (Guarulhos) e até mesmo o enfraquecimento de Crivela, no Rio de Janeiro. Nesta última cidade, cumpre dizer, a esquerda não colocou seu candidato na disputa do segundo turno muito mais por um erro estratégico do que pela força dos adversários.

Ao contrário de quem se assusta com os números alcançados pelos partidos de centro-direita nessas eleições, portanto, eu me sinto é animado e bastante esperançoso para 2022. O sinal que vejo saindo das urnas é o de uma recuperação da centro-esquerda nos grandes centros, que fica muito evidente diante do número de vereadores eleitos por partidos como o PSOL, o PT, o PDT, o PSB, o PCdoB e a REDE pelo Brasil. Mais ainda frente ao aumento da representatividade das mulheres, dos negros e até mesmo de transgêneros nesses grandes centros. O grande derrotado nas eleições de 2020, pelo que se pode ver, é mesmo Bolsonaro e o bolsonarismo.

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Por que a esquerda deve celebrar a derrota de Trump?

Donald Trump perde eleições nos EUA. (Foto: @evanvucci)
Foto: Divulgação/@evanvucci

A resposta a essa pergunta devia parecer um tanto óbvia, mas tenho percebido uma certa reticência em setores da esquerda em ver a saída de Trump como algo a ser celebrado no cenário político mundial, uma vez que seus sucessores são “mais do mesmo” ou, dito de forma mais direta, deverão tocar uma agenda político-econômica muito similar ao da administração Trump, em especial no que diz respeito às relações internacionais.

Em primeiro lugar, acho importante deixar claro que celebrar a derrota de Donald Trump não significa chancelar a trajetória/agenda política de Biden/Harris. Significa, apenas, que estamos celebrando a derrota da extrema direita no coração do capitalismo. Estamos cientes, no entanto, de que a luta pela expansão dos direitos da classe trabalhadora mundial continuará árdua, como sempre foi, mesmo em um governo do Partido Democrata, pois este se caracteriza por seu cunho liberal. A derrota de Trump, todavia, é um símbolo importante para todo o mundo de que os avanços da extrema-direita encontraram um limite e os movimentos sociais a estão fazendo retroceder. A força de movimentos como o Black Lives Matter e a Marcha das Mulheres falam por si só.

Nesse sentido, um segundo ponto importante tem a ver com a eleição da senadora Kamala Harris como primeira vice-presidenta dos Estados Unidos da América.

A vice-presidente eleita dos EUA, Kamala Harris (07.nov.2020)
Foto: Reprodução/CNN

Independente da agenda política que ela teve como senadora até o momento – assim como do papel que ela irá desempenhar como vice-presidenta tão logo assuma o cargo – o fato de ela ter alcançado esta posição, em si, já é extremamente significativo. Mais ainda se considerarmos que ela poderá ter força o bastante para se tornar a nova comandante-em-chefe dos EUA caso Joe Biden venha a falecer nos próximos 4-8 anos. Vocês conseguem imaginar o que representa, na cabeça de milhões de pessoas ao redor do mundo, ver uma mulher negra ocupando cargo de vice-presidenta dos Estados Unidos? Têm ideia do quanto isso pode motivar milhões e milhões de pessoas a perseguirem novos rumos em suas vidas? A acreditarem que uma mudança em suas vidas é possível? Sim, mulheres em posição de liderança importa!

A esquerda fala muito em “empoderamento”, mas como entender um posicionamento tão reticente diante de um exemplo tão claro como este de Kamala Harris? Há mesmo quem diga que o simbolismo de sua vitória é inócuo, pois sua atuação política, tal como foi a de Barack Obama, reproduziram, em muitos aspectos, pautas liberais que cercearam direitos dos trabalhadores, além de estimularem guerras, mortes e a desestabilização de governos ao redor do globo. De fato, o argumento é bastante válido. Contudo, somos obrigados a lembrar que cada história é uma história e as milhões de pessoas que podem ser tocadas pelo simbolismo das vitórias de Harris e Obama, para ficarmos nesses exemplos, não agirão da mesma forma que estes últimos ao assumirem posições de liderança em seus respectivos países. O que há de mais positivo nos símbolos é que eles servem muito mais como referência do que como um modelo a ser seguido ipsis litteris. Descartar a importância desse simbolismo é jogar fora uma oportunidade de mover milhões de pessoas na luta contra a extrema-direita e o próprio liberalismo. Ou aprendemos a tirar vantagem desses simbolismos para chamar nossos companheiros à luta, ou seguiremos fadados a tê-los como inócuos.

Por fim, a derrota de Trump deve ser celebrada como mais um sinal de mudança nos rumos da política mundial. Se há quatro anos estávamos lamentando o avanço generalizado da extrema-direita ao redor do mundo, hoje testemunhamos uma reversão nesse movimento. Se considerarmos apenas o continente americano, a vitória de Alberto Fernandez/Cristina Kirchner na Argentina foi uma primeira lufada de ar fresco. Em seguida, e mais recentemente, a vitória de Luís Arce na Bolívia – que foi empossado no cargo hoje (08.nov.2020). Agora temos a vitória de Biden/Harris nos EUA e, com ela, não só a queda de Trump, mas da estratégia de Steve Bannon de ganhar eleições mundo afora. Às vésperas de um pleito eleitoral municipal e, mais ainda, da corrida presidencial em 2022, estes são sinais que nos motivam a sair às ruas e militar pela derrota de Bolsonaro. Sim, é possível derrotá-lo, como esses exemplos nos dão a ver. A resposta, como sempre, é a rua. Chamar as pessoas às ruas para fazer valer a voz de uma maioria que não quer mais um representante proto-fascista no Planalto, mas que se deixou insensibilizar com a narrativa antipetista engendrada nacionalmente no começo dessa década que agora chega ao ocaso.

Tal como a derrota de Trump, qualquer vitória à esquerda na semana que vem, e em 2022, deve ser celebrada. Mesmo que a esquerda vencedora seja representada por um nome associado ao setores da esquerda vêm chamando pejorativamente de “esquerda liberal” ou “esquerda cirandeira”. Considerar equivalentes os governos de Barack Obama e Donald Trump, por exemplo, mais do que um erro crasso, revela uma tremenda incapacidade de sentir empatia por milhões de pessoas, em especial afroamericanos e imigrantes, que vivem nos Estados Unidos da América. E a capacidade de sentir empatia é algo que a esquerda jamais deverá perder para se considerar como tal.

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