Arquivo do mês: julho 2022

Sobre o feminicídio e a violência contra a mulher em “Os sofrimentos do jovem Werther”

Contém spoilers

De princípio devo dizer que não gostei muito da história de “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Johann Wolfgang Goethe (publicado originalmente em 1774). Antes de saírem atirando, percebam! Não falei que o livro não presta ou que não é bom, apenas afirmei que não gostei de sua história. Se fosse resumi-lo em uma única sentença, diria que o jovem Werther foi incapaz de sentir a dor de um não, para usar um trecho de uma música que gosto muito do GRAM (antes do fim).

Para irmos direto ao ponto, a trama do livro gira em torno de um amor não correspondido do jovem Werther que, após ser rejeitado por Charlotte, adoece de paixão e passa a persegui-la. Noiva de Albert, Lotte decide ser leal ao seu compromisso e acaba se casando, mas sem romper a amizade que cultivava com o jovem Werther. Cada vez mais obcecado por Lotte, e se aprofundando em uma crise, Werther continua a visitá-la, forçando uma relação que era claramente indesejada pela mulher. Em dado momento, se aproveita de uma situação para roubar alguns beijos de Lotte e, ao ser duramente repelido por esta, Wether se retira, humilhado, e decide suicidar-se. Para tanto, pede uma pistola emprestada ao marido de Lotte, Albert, e envia uma carta à sua amada responsabilizando-a pelo desfecho dessa trágica história.

Revelador de uma mente doentia – e de um ato de profunda covardia em relação a Lotte – o ato final deste livro retrata bem o comportamento abusivo de muitos homens que, inaptos para sentirem a dor de uma rejeição, revelam-se bastante capazes de matar e morrer. Não se pode esquecer que, antes de tirar sua própria vida, Werther se identificou com um homem preso em flagrante após cometer um homicídio passional, tentando livrá-lo da cadeia com toda sua força e às custas de sua reputação.

Por óbvio, denunciar o feminicídio ou a violência contra a mulher não eram preocupações que estavam na mente de Goethe ao escrever sua obra. Tais questões, como se sabe, são mais recentes e não devemos cobrá-las de um autor cujo texto foi concluído ainda no século XVIII. No entanto, nós, seus leitores do século XXI, devemos refleti-la à luz das questões e preocupações do presente. Não para julgar o autor e sua obra, mas para fazer uma leitura crítica desta última, buscando compreender suas implicações na sociedade desde que foi publicada pela primeira vez e como, desde então, ela ajudou a construir um repertório macabro usado para justificar ou reforçar práticas violentas de homens contra as mulheres e contra si mesmos. Esta reflexão, sim, me parece urgente, em um mundo onde a violência contra a mulher se mantém em níveis elevados.

Meu desencanto pela obra, portanto, diz respeito justamente à essa normalização da violência contra a mulher, tão presente em nossos dias. Penso que não pode haver beleza numa história cujo personagem principal é um homem obcecado por uma mulher e que, ao ser rejeitado por esta, decide tirar sua própria vida, responsabilizando-a por sua morte, numa tentativa doentia e covarde de causar-lhe um último sofrimento. Ainda que muito bem escrita, essa leitura me causou muito mais repulsa do que encantamento, se assemelhando mais ao subgênero do “terror psicológico”, pelo pavor em que me vi afligido no correr da leitura.

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