Arquivo da tag: Folha de S.Paulo

Hebe Mattos convida Demétrio Magnoli a dançar a quadrilha da democracia

Repercutimos neste espaço a resposta que a historiadora Hebe Mattos deu a texto do geógrafo Demétrio Magnoli, publicado no último dia 25 pela Folha de S.Paulo, no qual este acusa Mattos e outros proeminentes historiadores brasileiros, integrantes do movimento Historiadores pela Democracia, de formarem quadrilha, de terem vocação totalitária e de quererem escrever uma versão da história útil para o Partido.

Sem mais delongas, segue a íntegra do texto da professora Hebe Mattos.

CONVIDAMOS MAGNOLI A VIR DANÇAR A QUADRILHA DA DEMOCRACIA
por Hebe Mattos | Publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 27 jun. 2016

Hebe Mattos é professora titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense

Em tempos de festa junina, Demétrio Magnoli acusa o movimento Historiadores Pela Democracia de “formação de quadrilha”, em texto publicado na Folha em 25/6.

O artigo começa com o meu nome, honrando-me com a companhia de renomadíssimos colegas de ofício que, estando no exterior, só puderam participar da iniciativa com depoimentos em vídeo ou por escrito.

Esses e outros depoimentos e vídeos podem ser consultados no tumblr “Historiadores pela Democracia”. Convido todos a fazerem isso.

Como não é historiador, Demétrio Magnoli não consultou tais documentos. Se o fez, omite isso, mas ainda assim afirma que nossa iniciativa “viola os princípios que regem o ofício do historiador”, que temos “vocação totalitária” e que queremos escrever versão da história útil para o “Partido”, com P maiúsculo.

Como já tive oportunidade de escrever no blog “Conversa de historiadoras”, sobre editorial de teor semelhante publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, a utilização desse tipo de lógica maniqueísta por órgãos de imprensa é surpreendente e muito preocupante.

Os depoimentos individuais foram feitos por alguns dos mais importantes historiadores do país, mas também por jovens profissionais e estudantes de história, englobando uma enorme diversidade de orientações políticas, bem como de escolas historiográficas e teóricas.

Juntos, formam uma narrativa polifônica e plural, que vem se somar ao alentado movimento da sociedade civil em defesa da Constituição de 1988 e de resistência ao governo interino, ao programa que tem desenvolvido sem o amparo das urnas e à forma como chegou ao poder.

Em comum, têm a preocupação com os sentidos republicanos e democráticos da ordem política brasileira, ameaçados desde a votação da Câmara dos Deputados de 17 de abril, de triste memória.

“A Força do Passado” é o título do arquivo de textos do tumblr, com exercícios de história imediata publicados ao longo dos últimos meses, que servirão de base para a organização de um livro.

A tese de que há um golpe branco em andamento, como reação conservadora às mudanças da sociedade brasileira produzidas desde a adoção da Constituição de 1988, é hipótese que defendo, junto a outros colegas e, por enquanto, inspirou o título da coletânea.

Para os que discordam que um golpe branco à democracia brasileira está em curso, basta escolher dialogar com alguns dos muitos e diferenciados argumentos dos depoimentos e textos arquivados no tumblr “Historiadores pela Democracia”. As autorias individuais estão bem assinaladas e os autores têm tradição democrática.

Por fim, para não parecer que só tenho discordância com o artigo de Magnoli, gostaria de me solidarizar com a sua defesa dos cinco jornalistas da “Gazeta do Povo” processados por juízes paranaenses.

Quanto ao título do seu artigo, não pretendemos processá-lo, e aqui falo pelos colegas citados. Temos certeza de que eram as festas juninas que Magnoli tinha em mente quando falou em formação de quadrilha.

Nós o convidamos a deixar de lado o maniqueísmo e o discurso de intolerância e a vir dançar conosco a quadrilha da democracia.


Textos de outros historiadores em resposta a Demétrio Magnoli:

Deixe um comentário

Arquivado em Jornais, Política, Sem categoria

40 milhões de estadunidenses recebem benefício similar ao Bolsa Família

publicado no portal Pragmatismo Político | 25.Set.2013

“BOLSA FAMÍLIA” DOS EUA MATA A FOME DE 40 MILHÕES DE AMERICANOS

Pouca gente sabe, mas os EUA também têm o seu “Bolsa Família”.

SNAP Logo

Logotipo do SNAP. Fonte: Wikicommons.

Lá, é o SNAP – Supplemental Nutrition Assistance Program – que ajuda 40 milhões de americanos de baixa renda a se alimentarem, no mesmo esquema de cartão magnético do nosso aqui, com a diferença que o benefício não pode ser sacado, mas utilizado eletronicamente nas lojas cadastradas, o que é fácil frente ao uso de computadores generalizados em todo o comércio do país. Ele, aliás, substitui os antigos “food stamps”, tíquetes de alimentação que existem há décadas nos EUA.

Lá, como cá, o conservadorismo ataca o SNAP, dizendo que ele “ensina a não trabalhar”, acomodando as pessoas.

Contra isso, e para analisar os benefícios do programa estadunidense, o economista Paul Krugman, escreveu o artigo abaixo, publicado no The New York Times de ontem foi republicado pelo site da Folha.

LIVRES PARA PASSAR FOME
por Paul Krugman

Múltiplos estudos econômicos cuidadosamente conduzidos demonstraram que a desaceleração econômica explica a porção principal da alta no programa de assistência alimentar. E embora as notícias econômicas venham sendo em geral ruins, uma das poucas boas notícias é a de que o programa ao menos atenuou as dificuldades, impedindo que milhões de norte-americanos caíssem à pobreza.

E esse tampouco é o único benefício do programa. Há provas esmagadoras de que os cortes de gastos aprofundam a crise, em uma economia em desaceleração, mas os gastos do governo vêm caindo. O SNAP, porém, é um programa que foi expandido, e dessa forma ajudou indiretamente a salvar centenas de milhares de empregos.

Mas, dizem os suspeitos habituais, a recessão terminou em 2009. Por que a recuperação não reduziu o número de beneficiários do SNAP? A resposta é que, embora a recessão tenha de fato acabado oficialmente em 2009, o que tivemos desde então é uma recuperação de e para um pequeno número de pessoas, no topo da pirâmide de distribuição nacional de renda, e nenhum dos ganhos se estendeu aos menos afortunados. Considerada a inflação, a renda do 1% mais rico da população norte-americana subiu em 31% de 2009 a 2012, enquanto a renda real dos 40% mais pobres caiu em 6%. Por que o uso da assistência alimentar se reduziria, assim?

Mas será que o SNAP deve ser considerado uma boa ideia, em termos gerais? Ou, como diz o deputado Paul Ryan, presidente do comitê orçamentário da Câmara, ele serve como exemplo de transformação da rede se segurança social em “rede de varanda que convence pessoas capazes de trabalhar a levarem vidas de dependência e complacência”.

Uma resposta é, bem, não é lá uma rede muito confortável: no ano passado, os benefícios médios da assistência alimentar eram de US$ 4,45 ao dia. E, quanto às pessoas “capazes de trabalhar”, quase dois terços dos beneficiários do SNAP são idosos, crianças ou deficientes, e a maioria dos demais são adultos com filhos.

Mas mesmo desconsiderando tudo isso, seria de imaginar que garantir nutrição adequada para as crianças, que é grande parte do que o SNAP faz, torna menos, e não mais, provável que essas crianças sejam pobres e necessitem de assistência pública ao crescer. E é isso que as provas demonstram. As economistas Hilary Hoynes e Diane Whitmore Schanzenbach estudaram o impacto dos programas de assistência alimentar nos anos 60 e 70, quando eles foram gradualmente adotados em todo o país, e constataram que, em média, as crianças que recebiam assistência desde cedo se tornavam adultos mais produtivos e mais saudáveis do que as crianças que não a recebiam – e que também era menos provável que recorressem a ajuda do governo no futuro.

O SNAP, para resumir, é um exemplo de política pública em sua melhor forma. Não só ajuda os necessitados como os ajuda a se ajudarem. E vem fazendo ótimo trabalho durante a crise econômica, mitigando o sofrimento e protegendo empregos em um momento no qual muitas das autoridades parecem determinadas a fazer o oposto. Assim, é revelador que os conservadores tenham escolhido este programa como alvo de ira especial.

Até mesmo alguns dos sabichões conservadores consideram que a guerra contra a assistência alimentar, especialmente combinada ao voto que aumentou o subsídio agrícola, prejudicará o Partido Republicano, porque faz com que os republicanos pareçam mesquinhos e determinados a promover uma guerra de classes. E é isso exatamente que eles são.

Por Fernando Brito para o Tijolaço

1 comentário

Arquivado em Blogs, Economia, Internet, Jornais, Política

[FOLHA] Brasil marcou um golaço ao financiar Mariel

por Patrícia Campos Mello | para a Folha de S. Paulo | 17.dez.2014

Com o porto de Mariel e outros inúmeros investimentos em Cuba, o Brasil é um dos países que estão mais bem posicionados para se beneficiar da queda do embargo americano à ilha, cuja negociação foi anunciada hoje.

Alvo de críticas ferrenhas, o porto de Mariel, que recebeu cerca de US$ 800 milhões de financiamento do BNDES e foi tocado pela Odebrecht, está a apenas 200 quilômetros da costa da Florida.

Depois da dragagem, poderá receber navios grandes como os Super Post Panamax, que Dilma citou várias vezes durante a cúpula da Celac este ano, e concorrer com o porto do Panamá.

Mesmo sem a dragagem, já será concorrente de portos como o de Kingston, na Jamaica, e das Bahamas, bastante movimentados.

O raciocínio do governo brasileiro sempre foi o de “entrar antes da abertura para já estar lá quando caísse o embargo”.

Essa estratégia se provou acertada.

5 Comentários

Arquivado em Jornais, Opinião, Política

Para economista tucano, estudantes devem pagar mensalidades em universidades públicas ou se endividarem para estudar

Na véspera do segundo turno da eleição presidencial, gostaria de repercutir esta análise crítica feita pelo professor Reginaldo Moraes, da Unicamp, a respeito da proposta insana, defendida por boa parte dos tucanos (se não por todos), de pagamento de mensalidades nas universidades públicas brasileiras.

Publicado originalmente no portal Brasil Debate, o texto faz dura crítica ao posicionamento defendido pelo economista Samuel Pessôa em sua coluna na Folha de S. Paulo, relacionando-o com os projetos privatistas dos tucanos em relação ao ensino superior no país. Projetos que voltaram com mais força e ouriçaram a plumagem tucana após o candidato Aécio Neves ter conseguido passar para o segundo turno e ter figurado, ainda que por algum tempo, em primeiro lugar nas pesquisas iniciais de intenções de votos para o segundo turno.

A proposta de repercutir este texto no Hum Historiador é a de deixar bastante claro, caso ainda não esteja para o leitor deste blog, uma das razões que justificam plenamente o voto em Dilma Rousseff neste segundo turno. Para todos aqueles que defendem que o Brasil tenha cada vez mais universidades públicas, gratuitas e de qualidade, não há dúvidas de que apenas uma candidata o representa.

Abaixo segue a íntegra do texto tal como publicado no portal Brasil Debate.

TUCANOS QUEREM QUE ESTUDANTE PAGUE A ESCOLA SUPERIOR

Na ótica de economista do PSDB, o ensino superior passaria a ser um “investimento privado” do estudante e de sua família, já que ele seria o beneficiário desse ensino, mais tarde. Investe hoje e “lucra” amanhã.

Artigo publicado originalmente no portal Brasil Debate | 14.out.2014
Por Reginaldo Moraes

Está de volta a velha ideia do PSDB de privatizar o ensino superior. Depois que o reitor tucano afundou a USP com suas aventuras, isso se alastrou. E agora a proposta é ressuscitada por alguns gurus da nova direita, reagrupada em torno de Aécio Neves para o segundo turno das eleições presidenciais.

Um deles, Samuel Pessôa, escreveu artigo na Folha de S. Paulo comparando cobrança de educação superior com cobrança de pedágio urbano. Engraçado, porque pedágio é cobrado de proprietário de carro – a mensalidade escolar seria cobrada de pessoas, proprietárias de si mesmas.

A sequência de argumentos utilizados para justificar a proposta merece ser comentada, porque aparentemente expressa um “bom senso” que seria aceito por qualquer pessoa (Samuel ou não). Mas é gato por lebre.

Na verdade, é mais uma tentativa de privatizar o ensino superior. Ainda mais? Pois é, ainda mais. Mas a privatização não vem pelo caminho de “vender a USP” para um empresário. Isso seria provocação demais. É outra coisa: privatizar a sustentação da escola, por meio da cobrança de mensalidades.

O ensino superior passaria a ser um “investimento privado” do estudante e de sua família, já que ele seria o beneficiário desse ensino, mais tarde. Investe hoje e “lucra” amanhã, diz ele.

Diz o articulista: “O ganho para a sociedade de um novo profissional graduado, cujo conhecimento foi adquirido em universidade, é bem medido pelo ganho de renda desse profissional.”

A afirmação parece apenas uma expressão do ‘bom senso’. Pode ser senso comum, mas não é bom senso. Veja, por exemplo, onde pode nos levar esse aparente bom senso: o ganho para a sociedade com a formação de um médico seria “um bem medido pelo ganho de renda desse profissional”? Deus nos livre desse critério! A sociedade ganha mais quando os médicos engordam suas contas bancárias?

Diz mais: “O ensino universitário deve ser pago. Note que esse fato independe de a instituição de ensino superior ser legalmente pública ou privada.

Muito engraçada a frase, porque parece até descuidada, casual. Mas não é. A escola privada já é paga, oras bolas. Se a escola pública cobrar mensalidade ela iria competir com a privada. Quer dizer, a cobrança na escola pública poderia até ampliar o mercado para a escola privada: se ambas forem pagas, tanto faz, afinal de contas…

Nos Estados Unidos, em muitas ocasiões, os dirigentes das escolas privadas lutavam contra as dotações governamentais para escolas públicas. Sabe qual era o argumento? Diziam: isso beneficia as escolas públicas injustamente na “competição” com as privadas. Dá pra entender os nossos privatistas, não é?

AMNÉSIA TUCANA

E continua o sr. Samuel: “Para os alunos que não podem financiar as mensalidades da universidade, há o recurso ao crédito educacional. Para as famílias pobres que teriam dificuldade de ter acesso ao crédito educacional de mercado, há programas públicos, como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), com taxas fortemente subsidiadas.”

Antigamente eles eram mais disfarçados. Diziam que deviam pagar “aqueles que podem”. Até isso já sumiu da estória. E ainda mais curioso: o artigo “esquece” o ProUni. Ora, como ele se refere subliminarmente aos Estados Unidos, deveria lembrar que a massificação do ensino superior naquele país só ocorreu porque massas enormes tiveram acesso a esse ensino sem pagar.

Sim, sem pagar. Quando o sistema dobrou de tamanho, na segunda metade dos anos 1940, isso ocorreu por conta de um programa de bolsas para desmobilizados da guerra.

Em 1949, metade dos estudantes de ensino superior nos EUA era composto de bolsistas do governo federal. Metade! Mas tem mais: esse sistema de bolsas seguiu com outros programas, inclusive aqueles destinados a incorporar estudantes negros, latinos etc.

Foi assim que o sistema cresceu. O programa de empréstimos só adquiriu relevância nos últimos 30 anos, a chamada era de privatização. E é menos bem-sucedido do que nosso Fies.

A dívida estudantil é hoje uma tremenda dor de cabeça para as famílias e para o governo americano. É a segunda dívida privada do país – depois das hipotecas. Ganha da dívida com cartão de crédito. Se não tiver um socorro do governo federal, vai virar uma tragédia.

Mais uma: “Além dos impactos orçamentários positivos, a instituição de cobrança de mensalidade para os cursos universitários públicos teria efeito importante sobre a eficiência das universidades. O tempo médio de graduação seria reduzido e a vinculação do aluno ao curso aumentaria.”

DECLARAÇÃO DE FÉ

Aumenta a eficiência? A afirmação não tem base nos fatos, é pura declaração de fé. O artigo define como “eficiência” o tempo médio de graduação e a “vinculação do aluno ao curso”.

O que quer dizer isso? Que ele não pula fora? Não parece ser esse o caso das escolas americanas. Aliás, nas escolas privadas com fins lucrativos, em especial, esse tipo de “eficiência” é um desastre – tanto no tempo de graduação quanto no indicador de desistência.

A imensa maioria dos estudantes abandona a escola, simplesmente. Bom, seria interessante que o artigo medisse essa “eficiência” nas nossas escolas pagas também. Elas têm taxas de evasão monumentais, hoje só reduzidas, precisamente, por conta de injeção do dinheiro público (bolsas e empréstimos) que têm reduzido ou zerado o pagamento dos estudantes. Ou seja, a escola só melhora quando não é paga pelo estudante!

QUINTAL DOS EUA

Bom, mas vamos aos finalmentes: não se trata de argumento nem de razão. O que nos separa da visão dos tucanos e aliados é o lado da política. Nós achamos que é preciso construir e espalhar escolas e universidades para desenvolver o País e reduzir as desigualdades, sociais e regionais. Eles não.

Vamos dizer claramente: eles não acreditam na gente, eles sonham com Miami, como as peruas e os juízes metidos a besta.

Eles acham que nós devemos ser um quintal dos Estados Unidos. Um apêndice. Um apêndice não precisa ter escolas superiores, pesquisa, inovação. Eles governam sucateando escolas e privatizando tudo o que podem. Foi assim o governo FHC, foi assim o governo Aécio em Minas, é assim o governo tucano em São Paulo.

É o partido do racionamento – racionamento de renda, de emprego, de energia, de escolas – e, agora, até racionamento de água. Não é surpreendente que venham com mais uma ideia privatizadora, toda enfeitadinha num docinho colorido. Tem veneno dentro dessa maçã.


Reginaldo Moraes é professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo

3 Comentários

Arquivado em Blogs, Educação, Opinião, Política, Universidade

Mangabeira Unger explica por que vai votar em Dilma no dia 26/10

Nesta última segunda-feira (13), o professor Roberto Mangabeira Unger escreveu na seção Tendências e Debates da Folha de S. Paulo um texto elencando suas razões para voltar em Dilma Rousseff no próximo dia 26.out.2014, quando se realiza o segundo turno das eleições para presidente do Brasil.

O Hum Historiador repercute abaixo a íntegra do texto do professor Mangabeira Unger.

POR QUE VOTAR EM DILMA
por Roberto Mangabeira Unger | Publicado originalmente em 13.out.2014

Roberto Mangabeira Unger

O povo brasileiro escolherá em 26 de outubro entre dois caminhos.

As duas candidaturas compartilham três compromissos fundamentais, além do compromisso maior com a democracia: estabilidade macroeconômica, inclusão social e combate à corrupção. Diferem na maneira de entender os fins e os meios. Diz-se que a candidatura Aécio privilegia estabilidade macroeconômica sobre inclusão social e que a candidatura Dilma faz o inverso. Esta leitura trivializa a diferença.

Duas circunstâncias definem o quadro em que se dá o embate. A primeira circunstância é o esgotamento do modelo de crescimento econômico no país. Este modelo está baseado em dois pilares: a ampliação de acesso aos bens de consumo em massa e a produção e exportação de bens agropecuários e minerais, pouco transformados. Os dois pilares estão ligados: a popularização do consumo foi facilitada pela apreciação cambial, por sua vez possibilitada pela alta no preço daqueles bens. Tomo por dado que o Brasil não pode mais avançar deste jeito.

A segunda circunstância é a exigência, por milhões que alcançaram padrões mais altos de consumo, de serviços públicos necessários a uma vida decente e fecunda. Quantidade não basta; exige-se qualidade. As duas circunstâncias estão ligadas reciprocamente. Sem crescimento econômico, fica difícil prover serviços públicos de qualidade. Sem capacitar as pessoas, por meio do acesso a bens públicos, fica difícil organizar novo padrão de crescimento.

O país tem de escolher entre duas maneiras de reagir. Descrevo-as sumariamente interpretando as mensagens abafadas pelos ruídos da campanha. Ficará claro onde está o interesse das maiorias. O contraste que traço é complicado demais para servir de arma eleitoral. Não importa: a democracia ensina o cidadão a perceber quem está do lado de quem.

1. Crescimento econômico.

Realismo fiscal e manutenção do sacrifício consequente são pontos compartilhados pelas duas propostas.

Aécio: Ganhar a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros. Restringir subsídios. Encolher o Estado. Só trará o crescimento de volta quando houver nova onda de dinheiro fácil no mundo.

Dilma: Induzir queda dos juros e do câmbio, contra os interesses dos financistas e rentistas, sem, contudo, render-se ao populismo cambial. Usar o investimento público para abrir caminho ao investimento privado em época de desconfiança e endividamento. Apostar mais no efeito do investimento sobre a demanda do que no efeito da demanda sobre o investimento.

Construir canais para levar a poupança de longo prazo ao investimento de longo prazo. Fortalecer o poder estratégico do Estado para ampliar o acesso das pequenas e médias empresas às práticas, às tecnologias e aos conhecimentos avançados. Dar primazia aos interesses da produção e do trabalho. Se há parte do Brasil onde este compromisso deve calar fundo, é São Paulo.

2. Capital e trabalho.

Aécio: Flexibilizar as relações de trabalho para tornar mais fácil demitir e contratar.

Dilma: Criar regime jurídico para proteger a maioria precarizada, cada vez mais em situações de trabalho temporário ou terceirizado. Imprensado entre economias de trabalho barato e economias de produtividade alta, o Brasil precisa sair por escalada de produtividade. Não prosperará como uma China com menos gente.

3. Serviços públicos.

Aécio: Focar o investimento em serviços públicos nos mais pobres e obrigar a classe média, em nome da justiça e da eficiência, a arcar com parte do que ela custa ao Estado.

Dilma: Insistir na universalidade dos serviços, sobretudo de educação e saúde, e fazer com que os trabalhadores e a classe média se juntem na defesa deles. Na saúde, fazer do SUS uma rede de especialistas e de especialidades, não apenas de serviço básico. E impedir que a minoria que está nos planos seja subsidiada pela maioria que está no SUS. Na segurança, unir as polícias entre si e com as comunidades. Crime desaba com presença policial e organização comunitária. A partir daí, encontrar maneiras para engajar a população, junto do Estado, na qualificação dos serviços de saúde, educação e segurança.

4. Educação.

Aécio: Adotar práticas empresariais para melhorar, pouco a pouco, o desempenho das escolas, medido pelas provas internacionais, com o objetivo de formar força de trabalho mais capaz.

Dilma: A onda da universalização do ensino terá de ser seguida pela onda da qualificação. Acesso e qualidade só valem juntos. Prática empresarial, porém, tem horizonte curto e não resolve. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia indicam o caminho: substituir decoreba por ensino analítico. E juntar o ensino geral ao ensino profissionalizante em vez de separá-los. Construir, do fundamental ao superior, escolas de referência. A partir delas, trabalhar com Estados e municípios para mudar a maneira de aprender e ensinar.

5. Política regional.

Aécio: Política para região atrasada é resquício do nacional-desenvolvimentismo. Tudo o que se pode fazer é conceder incentivos às regiões atrasadas.

Dilma: Política regional é onde a nova estratégia nacional de desenvolvimento toca o chão. Não é para compensar o atraso; é para construir vanguardas. Projeto de empreendedorismo emergente para o Nordeste e de desenvolvimento sustentável para a Amazônia representam experimentos com o futuro nacional.

6. Política exterior.

Aécio: Conduzir política exterior de resultados, quer dizer, de vantagem comerciais. E evitar brigar com quem manda.

Dilma: Unir a América do Sul. Lutar para tornar a ordem mundial de segurança e de comércio mais hospitaleira às alternativas de desenvolvimento nacional. E, num movimento em sentido contrário, entender-nos com os EUA, inclusive porque temos interesse comum em nos resguardar contra o poderio crescente da China. Política exterior é ramo da política, não do comércio. Poder conta mais do que dinheiro.

7. Forças Armadas.

Aécio: O Brasil não precisa armar-se porque não tem inimigos. Só precisa deixar os militares contentes e calmos.

Dilma: O Brasil tem de armar-se para abrir seu caminho e poder dizer não. Não queremos viver em um mundo onde os beligerantes estão armados e os meigos, indefesos.

8. O público e o privado.

Aécio: Independência do Banco Central e das agências reguladoras assegura previsibilidade aos investidores e despolitiza a política econômica.

Dilma: A maneira de desprivatizar o Estado não é colocar o poder em mãos de tecnocratas que frequentam os grandes negócios. É construir carreiras de Estado para substituir a maior parte dos cargos de indicação política. E recusar-se a alienar aos comissários do capital o poder democrático para decidir.

Aécio propõe seguir o figurino que os países ricos do Atlântico Norte nos recomendam, porém nunca seguiram. Nenhum grande país se construiu seguindo cartilha semelhante. Certamente não os EUA, o país com que mais nos parecemos. Ainda bem que o candidato tem estilo conciliador para abrandar a aspereza da operação.

Dilma terá, para honrar sua mensagem e cumprir sua tarefa, de renovar sua equipe e sua prática, rompendo a camisa de força do presidencialismo de coalizão. E o Brasil terá de aprender a reorganizar instituições em vez de apenas redirecionar dinheiro. Ainda bem que a candidata tem espírito de luta, para poder aceitar pouco e enfrentar muito.

Estão em jogo nossa magia, nosso sonho e nossa tragédia. Nossa magia é a vitalidade assombrosa e anárquica do país. Nosso sonho é ver a vitalidade casada com a doçura. Nossa tragédia é a negação de instrumentos e oportunidades a milhões de compatriotas, condenados a viver vidas pequenas e humilhantes. Que em 26 de outubro o povo brasileiro, inconformado com nossa tragédia e fiel a nosso sonho, escolha o rumo audacioso da rebeldia nacional e afirme a grandeza do Brasil.


ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 67, professor na Universidade Harvard (EUA), é autor do manifesto de fundação do PMDB e ativista em Rondônia. Foi ministro de Assuntos Estratégicos (governo Lula)

Deixe um comentário

Arquivado em Jornais, Opinião, Política

Contra as milícias marinistas: Rogério Cézar de Cerqueira Leite

O professor emérito da Unicamp, Rogério Cézar de Cerqueira Leite, publicou hoje (9) na sessão Tendências/Debates, da Folha de S. Paulo, uma resposta aos inúmeros textos que o atacaram após ele ter publicado texto na mesma Folha (Desvendando Marina), onde se dizia:

“desconfortável em ter como presidente uma pessoa que acredita concretamente que o Universo foi criado em sete dias há apenas 4.000 anos, aproximadamente”.

Ok, vá lá, se formos justos a gritaria das “milícias marinistas”, como bem as caracterizou hoje o professor, se deu muito mais pelo fato de ele haver qualificado Marina como fundamentalista. Evangélicos e intelectuais se levantaram contra Cerqueira Leite havia quando este disse que “percebia no fundamentalista cristão uma arrogância incomensurável, que apenas pode ser entendida como uma perversão intelectual”. Imagino que pior devem ter se sentido os “milicianos” quando o autor arrematou seu texto afirmando que “o fundamentalismo de Marina Silva não decorre da ignorância, mas de um defeito de percepção”, que os especialistas chamam de desordem do desenvolvimento neural.

Parece que foi um “deus nos acuda” (perdoem o trocadilho). Segundo Cerqueira Leite, mais de 50 blogs reproduziram sue texto, quatro colunistas da Folha o comentaram e houve até um artigo publicado como direito de resposta na mesma seção Tendências/Debates. Ao que parece, o professor botou mesmo o dedo na ferida.

O Hum Historiador repercute abaixo a íntegra da excelente resposta dada por Rogério Cézar de Cerqueira Leite às “milícias marinistas” e chama atenção especial para a maneira como o professor qualifica Demétrio Magnoli, o queridinho da extrema direita brasileira. Para vocês verem como estou em boa companhia quando critico as diatribes de Magnoli, Villa e companhia limitada.

DESVENDANDO AS MILÍCIAS MARINISTAS
por Rogério Cézar de Cerqueira Leite | Folha de S. Paulo em 09.set.2014

Acreditar em Deus é uma coisa. Ser fundamentalista é outra. Equacionar coisas tão distintas ou é profunda ignorância, ou é má-fé

Rogério Cézar de Cerqueira Leite, 83, é professor emérito de física da Unicamp.

Em artigo publicado nesta Folha, revelo minha preocupação em ter como presidente da República Marina Silva, uma missionária de igreja pentecostal que, consequentemente, é fundamentalista (e criacionista) cristã. Um maremoto adveio. Mais de 50 blogs reproduziram o texto. Pelo menos quatro colunistas deste jornal o comentaram, além de um artigo publicado como direito de resposta nesta seção.

Milhares de comentários surgiram na internet. Até um desses partidos de aluguel, caudatário do PSB, me agrediu. Ora, se o que foi dito em meu artigo fosse algum absurdo ou irrelevante, ninguém lhe teria dado atenção. Parece que, como escreveu Hélio Schwartsman, botei o dedo na ferida.

No que segue, respondo aos principais argumentos dos marinistas. Comecemos pela primeira dessas manifestações. Aparentemente falando em nome do comitê de campanha de Marina Silva, Edson Barbosa entrega a candidata. Se a finalidade do artigo era convencer o leitor de que Marina não é criacionista, então falhou. Ele afirma que “Marina não está entre aqueles que acreditam que os seres vivos vieram de uma ameba, de uma gosma, de uma seleção natural”. Pois não é por aí que começa o criacionismo?

Em seguida, vêm aqueles que procuram confundir o leitor com um sofisma elementar equacionando a crença em um Deus com o fundamentalismo. O pedante e ávido candidato a ministro de qualquer coisa e colunista desta Folha Eduardo Giannetti (Ciência e Fé) conclui sua diatribe com um exemplo de três cientistas que acreditavam em Deus.

Mais uma vez, a falácia. Acreditar em Deus é uma coisa, ser criacionista, fundamentalista, é outra. Equacionar coisas tão distintas ou é ignorância, ou é má-fé. Aliás, parece que o colunista não tem a mínima percepção da história do pensamento. Newton viveu na primeira metade do século 17 e começo do 18. O próprio Darwin, tendo vivido no século 19, não foi exposto à montanha de dados, acumulados principalmente no século 20, que comprovam inequivocamente a evolução, a própria teoria de Darwin.

Como descobriu o marinista que Einstein era deísta? Einstein disse uma vez que não acreditava que Deus jogasse dados. Uma metáfora contra a interpretação prevalecente à época e ainda hoje de que a variável fundamental da mecânica quântica expressaria uma probabilidade, e não uma certeza.

Não conheço nenhum testemunho de que Einstein acreditasse em Deus. Cerca de 30% dos físicos americanos dizem que acreditam em Deus, mas não conheço nenhum que seja fundamentalista.

A mais fantástica das interpretações de meu texto vem da extrema direita. Demétrio Magnoli (Fogueiras da Razão) inventa uma definição de fundamentalismo que não é senão uma consequência extrema do caso do fundamentalismo islâmico. Tudo para concluir que ele próprio, narcisista e pretensioso, é agnóstico. Quem se interessaria? Agnóstico é aquele que fica em cima do muro. Já foi moda.

Para não perder a oportunidade, os professores da Unicamp Alcir Pécora e Francisco Foot Hardman (0,1% do corpo docente da universidade), legítimos representantes da mediocridade que se instalou na Unicamp, concluem que minhas desconfianças em relação à maturidade de Marina Silva dão “ao racismo uma máscara pseudocientífica”. Repetem o besteirol fascistoide de Demétrio Magnoli. Que falta de imaginação! Que vergonha para a Unicamp!

Deixe um comentário

Arquivado em Jornais, Opinião

[SAFATLE]: Quem está fazendo o jogo da direita?

Em sua coluna semanal da Folha, o professor Vladimir Safatle faz uma crítica justíssima à uma parte da esquerda com a qual concordo integralmente. Uma coisa é atacar a direita, suas falácias e más intenções, outra bem diferente é fechar os olhos para os erros do governo e virar as costas para bandeiras que sempre foram tão caras para a esquerda sob a justificativa de, se assim não o fizermos, estaremos “fazendo o jogo da direita”.

Ora, fazer o jogo da direita é apoiar as grandes corporações; fazer o jogo da direita é favorecer especuladores imobiliários e ignorar as remoções de populações sem-teto; fazer o jogo da direita é voltar-se contra trabalhadores em greve contra más condições de trabalho; fazer o jogo da direita é  ignorar que pessoas estão sendo feridas e presas injustamente por protestarem contra a Copa do Mundo. Seria realmente cômico (se não fosse trágico), o uso ad nauseam dessa argumentação por parte de alguns indivíduos que são, antes de tudo, governistas e não identificados com os valores da esquerda.

Abaixo, a repercussão na íntegra da coluna publicada pelo professor Vladimir Saflatle na Folha de hoje (01).

Vladimir Safatle, professor do depertamento de filosofia da USP

ESQUERDA PADRÃO FIFA
por Vladimir Safatle para a Folha de S. Paulo | 01.jul.2014

Aqueles dispostos a permanecer de esquerda e defender o governo federal deveriam pensar melhor sua maneira de compreender as críticas feitas à Copa do Mundo. A tentativa de desqualificar toda a crítica a partir do clássico sintagma “você está fazendo o jogo da direita” deveria ser motivo de vergonha. Tal argumentação estratégica só aparece quando não é mais possível utilizar raciocínios realmente programáticos.

Muitas das críticas mostraram com clareza como tais grandes eventos esportivos são um presente envenenado por potencializar um modelo de desenvolvimento excludente. Remoções brutais de populações, estádios construídos em condições deploráveis de trabalho, cidades atravessadas por megaprojetos feitos a partir da lógica da rentabilização máxima da especulação imobiliária, relações incestuosas entre recursos públicos e interesses de pequenos grupos de grandes empresários, incompetência gerencial feita expressamente para ajudar empreiteiras a lucrar mais: esta foi a mesma história encontrada na África do Sul, no Brasil e, certamente será repetida na Rússia.

Nos primeiros dois casos, ela conta como antigos grupos de esquerda, tais quais o partido CNA (Congresso Nacional Africano) sul-africano e o PT brasileiro, naturalizaram o fato de se transformarem em parceiros privilegiados da hiper-rentabilização do capital por meio do esporte. Hiper-rentabilização comandada por uma entidade eivada até a medula por acusações pesadas de corrupção.

Como se não bastasse, é triste não estranhar mais que uma política que se veja de esquerda abrace sem complexos a dinâmica anestesiante da sociedade do espetáculo.

Parece o sintoma mais acabado de falência ideológica usar megaeventos como dispositivo de mobilização nacional. Tentar reeditar a luta de classes por meio da defesa da Copa do Mundo é uma situação patética que alguns defensores do governo deveriam nos poupar. Mais um pouco e teremos gente que se dizia de esquerda gritando: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Enquanto isso, temos pessoas que são presas como criminosos por participarem de protestos e funcionários públicos que são demitidos por utilizarem a visibilidade da Copa a fim de organizarem greves cuja função era expor suas péssimas condições de trabalho. Seria bom nos atentarmos primeiramente para eles neste momento.

Eles não procuravam “estragar a festa” da população, mas lembrar que há muita gente que não foi convidada para dela participar.

A esquerda morre quando negocia sua força crítica por alguns ingressos de futebol.

VLADIMIR SAFATLE é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Deixe um comentário

Arquivado em Jornais, Política

Sobre meninos e a Copa do Mundo

Vinícius Mota, jornalista e Secretário de Redação da Folha de S. Paulo.

Novamente venho comentar uma coluna de muito mau gosto, assinada por Vinicius Mota, que foi publicada na Folha de S. Paulo de hoje (30), intitulada Volta, Dunga.

Começo meu comentário destacando um trecho do início da coluna, no qual Vinicius Mota afirma que o Brasil foi salvo pela trave, engrossando o coro daqueles que estão a dizer que a baliza do Mineirão é brasileira, (alguns chegando ao ridículo de afirmar que a dita trave seguramente foi feita de pau-brasil). Ora, todas as vezes que leio ou escuto isso sendo repetido na mídia me pergunto: a trave do Mineirão fez gol no excelente goleiro Bravo? A trave do Mineirão bateu algum pênalti? Mais ainda, a referida baliza defendeu algum dos pênaltis batidos pela ótima Seleção do Chile? Então por que raios parte da imprensa brasileira insiste em menosprezar o feito dos jogadores e minimizar a passagem do time de Felipão para as quartas-de-final, considerando que tudo não passou de uma mera questão de sorte?

O Brasil pode não ter jogado bem como se esperava, e é certo que a Seleção tem muitas deficiências, contudo esse time deve ter tido algum mérito para eliminar aquela que é considerada a melhor seleção chilena de todos os tempos e, vale lembrar, corresponsável pela eliminação precoce da atual campeã do mundo, Espanha.

Contudo, não foi o princípio dessa coluninha de Mota que me deixou abismado, mas o desenvolvimento da mesma, no qual o jornalista mostra um profundo desrespeito pelas pessoas que estão representando o Brasil nessa Copa do Mundo. Em um momento de profunda infelicidade, Mota chega ao extremo de chamar os jogadores brasileiros de…

“(…) meninos mimados [que] entram em pane. Deixam-se dominar por adversários mais fracos. Choram”.

Gostaria muito de ver se Vinícius Mota teria coragem de chegar na frente de um Thiago Silva, de um Fernandinho, de um Ramires, de um Luiz Gustavo e falar, cara-a-cara, olho-no-olho de cada um desses indivíduos, uma barbaridade dessas.

Embora tenham pouca idade, a maior parte desses jovens passaram por experiências mais duras do que muitos brasileiros. Conviveram com a pobreza extrema, perderam pais ou mães ainda muito jovens, viveram anos longe de suas famílias em busca de um sonho, em quartos compartilhados de CT’s e, até mesmo, debaixo de arquibancadas, tendo se tornado arrimo de família ainda na adolescência, responsabilizando-se pela vida financeira dos pais (para os que ainda os tem) e pelo futuro de irmãos mais jovens. Portanto, são pessoas já calejadas por percalços da vida que jamais poderiam ser chamadas inconsequentemente de “meninos mimados”, como fez o jornalista.

Vejam abaixo, algumas histórias dos “meninos mimados”, como os definiu Vinícius Mota. Em especial, vejam a história de Luiz Gustavo e Thiago Silva:

RAMIRES

LUIZ GUSTAVO

THIAGO SILVA

FERNANDINHO

DANTE

Depois de tudo isso, poderá alguém chamar esses homens de “meninos mimados”?

Como não poderia deixar de ser, a conclusão da coluna de Vinícius Mota é tão ruim como todo o resto do texto, e clama pela volta de Dunga. Segundo o jornalista, faltaria alguém com o perfil daquele jogador no comando da Seleção dentro das quatro linhas. Opiniões à parte, daqui destaca-se, uma vez mais, que o colunista faz questão de menosprezar os atuais jogadores da Seleção (em especial aqueles que exercem papel de liderança) apenas para reafirmar, na última linha de seu patético texto, que tratam-se de crianças e que resta-nos esperar que a experiência negativa vivida por esses jogadores no último sábado…

“(…) represente a passagem para a vida adulta dessa geração”.

Além de desrespeitoso, Vinícius Mota revela toda sua ignorância, em especial, em relação ao histórico dos jogadores dessa Seleção. Boa parte deles trata-se de gente sofrida para quem, a eliminação da Copa do Mundo, seria sim uma grande frustração, mas nada comparado à perda do pai, da mãe ou dos anos de pobreza e privação que viveram no começo de suas vidas. Homens que se tornaram adultos, ao contrário do que afirma o infeliz Mota, cedo demais.

2 Comentários

Arquivado em Esportes, Eventos, Jornais

Clóvis Rossi: exemplo do jornalismo mau intencionado

Clóvis Rossi, jornalista da Folha.

Nesse domingo, o jornalista Clóvis Rossi, da Folha de S. Paulo, escreveu um artigo exemplar de toda sua má intenção ao cobrir a participação do Brasil na Copa do Mundo: Brasil vai indo, medíocre até nos pênaltis.

O título do artigo, repleto de sentidos, já indica que embora se trate de um texto sobre o jogo mais recente do Brasil na Copa do Mundo, também contará com algumas pitadas sobre como o país vem sendo conduzido politicamente (que, pelo que indica o título, vai indo mediocremente).

Uma rápida olhada no texto bastaria para perceber a mediocridade (não do Brasil, mas de Clóvis Rossi) e a má intenção do articulista ao falar do tema que se propõe, a Copa do Mundo:

“[o Brasil foi] Tão mal que não conseguiu vencer o Chile, derrotado com folga em três Copas anteriores”.

Como se o Chile que entrou no gramado do Mineirão ontem fosse o mesmo que atuou em três edições de Copas anteriores e que, coincidentemente, o Brasil derrotou. Para quem não vem acompanhando as notícias da Copa, a imprensa especializada vem justamente destacando de como esta seleção do Chile é a melhor de todos os tempos. Então, como Rossi pode vir a público e escrever parvoices como essa? Desconhecimento ou má-intenção? Ah, sim! Deve-se levar em conta que o que fez Rossi acima, é uma prática normal da Folha e de muito de seus jornalistas. Vê-se, frequentemente, textos de jornalistas que buscam tirar a complexidade dos eventos passados, tornando-os como se fossem algo homogêneo e previsíveis, que podem ser trazidos para o presente ao bel prazer de qualquer um, para justificar uma impressão ou opinião do presente. Segundo essa operação, se o Chile perdeu em algumas oportunidades jogos contra o Brasil na Copa do Mundo, logo ele está fadado a perder eternamente para a Seleção Canarinho e, se algum dia o Chile ousar a ganhar, não será por mérito próprio, mas por um vexame do Brasil.

Não satisfeito com as primeiras tolices que disse, Rossi complementa os absurdos de seu texto afirmando que:

“[a partida] teve que ir aos pênaltis e, ainda assim, esgotar toda a série de cinco”.

Como se os jogadores brasileiros fossem obrigados a converterem seus pênaltis, independente das condições e do contexto (tal como a forte pressão sobre os jogadores de ter que ganhar uma Copa realizada no Brasil) e, pior ainda, por considerar que seja mais do que natural que alguns jogadores do Chile tenham que perder seus pênaltis (já que segundo a interpretação de Rossi, o certo seria sequer precisar dos cinco pênaltis).

A conclusão do artigo consegue ser ainda pior do que todo o resto, especialmente quando Rossi diz que:

“(…) o futebol do Brasil, até agora, dá para eliminar os sul-americanos (nem que seja nos pênaltis), mas parece pouco para enfrentar Alemanha ou França, um dos prováveis rivais na semi-final”.

Como se o futebol praticado por europeus fosse de um nível muito superior àquele jogado pelos sul-americanos. Parece que o articulista não tem acompanhado a Copa e não viu que velhos campeões europeus como Itália, Espanha e Inglaterra já voltaram para suas respectivas casas, eliminados da Copa do Mundo justamente por sul-americanos como Costa Rica, Uruguai e Chile. Revelando um já vencido “complexo de vira-latas”, na expressão de Nelson Rodrigues, no qual o futebol sul americano é menosprezado diante do futebol europeu, quando o desenrolar da Copa das Copas tem mostrado justamente o reverso dessa moeda.

Brasil vence Chile

Brasileiros comemoram classificação após vitória nos pênaltis contra o Chile. 28.jun.2014. Foto: Flávio Florido (UOL)

Para concluir, me parece evidente que Clóvis Rossi está escrevendo sobre o jogo de ontem, com olho na vida política do Brasil. Especialmente meses antes das eleições presidenciais. Como já mencionado, ao falar que o Brasil “vai indo, mediocremente”, ele parece referir-se não apenas à Seleção Canarinho, mas também ao país. Sabe-se que o resultado dessa Copa do Mundo terá, inevitavelmente, alguma influência nas urnas. Muitas pessoas que se opõem ao governo de Dilma Rousseff acreditam que uma eliminação precoce do Brasil poderia diminuir a popularidade da presidenta a ponto de colocar em risco sua reeleição. Eu, particularmente, não acredito nisso. No entanto, jornalistas e veículos que fazem oposição sistemática ao governo (como Rossi e a Folha), exploram qualquer possibilidade que possa tirar alguns votos de Dilma, mesmo que seja através de um artigo mal escrito, buscando associar uma alegada mediocridade da apresentação da Seleção Brasileira, com a mediocridade da condução política brasileira, na opinião do jornalista. Vergonhoso!

6 Comentários

Arquivado em Jornais

[GIANNOTTI] A USP deveria cobrar mensalidades dos alunos?

Em sua já tradicional coluna TENDÊNCIAS E DEBATES, o jornal Folha de S. Paulo trouxe hoje a opinião do professor de filosofia da USP, José Arthur Giannotti, sobre a polêmica questão de se cobrar mensalidade dos alunos da Universidade. Para o professor, a universidade pública NÃO deveria cobrar mensalidades de seus alunos, posição diferente de Leandro Tesser, 52, professor de física da Unicamp.

O autor do Hum Historiador gostaria de deixar claro que é frontalmente contrário à cobrança de mensalidades em universidades públicas, alinhando-se, portanto, com a opinião do professor Giannotti.

Abaixo, a repercussão na íntegra dos textos do professores Giannotti e Tessler tal como publicada no jornal FOLHA DE S. PAULO desse último sábado (07).

POR QUE NÃO VENDAR A USP?
NÃO

por José Arthur Giannotti

A USP tem gasto mais com seu pessoal do que recebe do Estado. Muitos de seus alunos podem arcar com os estudos. Não seria natural que viessem a pagar por eles? Segundo qual critério? A renda de suas famílias? Em vez de adotar uma medida paliativa, por que não vender a própria universidade, transformá-la numa dessas instituições de ensino que distribuem diplomas como vendem bananas?

Como estamos vendo, basta levar ao limite a proposta de cobrança das mensalidades para que se evidencie o absurdo dessa medida. A ideia não leva em consideração que, assim como a Unicamp e a Unesp, a USP é pública. Apenas revela como a noção de espaço público está desparecendo do imaginário e da política brasileiros. E parte de um diagnóstico errado, como se a crise da USP e de tantas outras instituições de ensino fosse provocada antes de tudo por falta de verba.

Uma instituição pública é aquela em que os cidadãos, cumprindo requisitos necessários publicamente estipulados, podem frequentá-la independentemente de diferenças de classe, cor, sexo, religião e assim por diante. Por certo esse seu caráter foi trincado por louváveis ações afirmativas facilitando o ingresso de grupos desfavorecidos, mas são medidas provisórias que, no fundo, resolvem gargalos que deveriam ter sido resolvidos no ensino fundamental e secundário.

Em virtude de seu mandado, a universidade pública, encarregada de promover ensino de qualidade, promover pesquisas e a extensão, é um dos espaços privilegiados da República, onde a nação também apreende o que ela é, projeta seu futuro e se integra ao contexto mundial. Privatizá-la equivale a arrancar o coração de nossa nacionalidade e transformar o país num grande mercado.

Mas, infelizmente, a USP e outras instituições de ensino têm sido privatizadas, não pelo capital, mas por suas próprias burocracias, que se aglutinam para disputar vantagens nas carreiras e nas facilidades instaladas nos campi. Grupos burocráticos e ideológicos de professores disputam cargos e se apropriam deles, constroem suas carreias nem sempre segundo o estatuto universitário.

Assessorias cuidam mais de si mesmas do que dos assessorados. E não deixa de ser sintomático que o sindicado dos professores pressione para que os avanços nas carreiras sejam obtidos sobretudo por tempo de serviço. Mutatis mutandis.

O mesmo não acontece com certos funcionários que se instalam em seus cargos como se fossem o sofá de casa? Professores e funcionários pertencem à universidade ou ao departamento onde dão expediente? Por que um bom pesquisador deve ter a mesma carreira que um bom professor? Nem sempre eles possuem as mesmas qualificações. Por fim, não se deve esquecer aqueles alunos que usam o espaço da universidade como palco de suas divergências ideológicas e opções pessoais.

A crise da USP é maior que seu deficit. Há tempos que a pesquisa, no mundo inteiro, tem abandonado as universidades para se concentrar em centros mais autônomos e menos burocratizados. Se quisermos resolver pela raiz os problemas das universidades públicas paulistas, é preciso executar uma reforma que vá além da simples infusão de novas verbas. O cerne da questão reside em como a universidade pública está exercendo o mandato que a sociedade lhe confere.

Para que ela se reforme a si mesma, encontre seu enorme potencial, hoje desbaratado, necessita de maior autonomia, contrabalançada por um forte sistema de avaliação externa. Autonomia ampla, isolada dos alinhavos da burocracia do Estado, que force seus membros a virem a ser o que devem ser –antes de tudo, consciência e sementes de uma nação.

José Arthur Giannotti, 84, é professor de filosofia da USP e membro do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)

Na mesma edição, a Folha também trouxe a opinião de Leandro Tesser, professor de física da Unicamp, para quem as universidades públicas deveriam SIM cobrar mensalidades de seus alunos. Abaixo a repercussão na íntegra da opinião do professor Tesser

UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIO
por Leandro Tesser

Não demorou muito para a Folha sugerir que a cobrança de mensalidades pode ser uma solução para a crise financeira da USP (e por tabela das demais universidades estaduais paulistas). Segundo o jornal, pelo menos 60% dos estudantes poderiam pagar mensalidades. A universidade poderia arrecadar 44% do repasses do governo a partir desse modelo. O assunto é delicado e exige uma reflexão mais profunda.

Nunca vou esquecer a expressão de espanto que vi no rosto de uma alta autoridade da educação superior brasileira quando soube que nos Estados Unidos e na maior parte da Europa o ensino superior público é pago. Os brasileiros acostumaram-se a pensar que ensino público é sinônimo de gratuito. Não é.

O raciocínio que sustenta a gratuidade do ensino superior público brasileiro envolve duas premissas: (1) o Estado deve prover educação gratuita em todos os níveis para garantir o acesso equitativo, inclusive de quem não tem condições financeiras e (2) a sociedade deve arcar com esses custos para garantir a formação de profissionais competentes que devolverão o investimento ao longo de sua atuação profissional.

O modelo de financiamento da universidade pública brasileira, em particular das estaduais paulistas, onde temos uma parcela fixa da arrecadação, é único no mundo. Ao contrário dos poucos demais países onde o ensino superior público é gratuito, aqui o ingresso é sujeito ao sucesso numa bateria de testes escritos para garantir “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.

A citação é da Constituição de 1988. O processo resulta num dos mais perversos mecanismos de transferência de renda das classes mais pobres para as mais abastadas no mundo. Como o Estado não é capaz de prover educação fundamental pública de qualidade similar à privada (por quê?), a maior parte das vagas no ensino superior público e gratuito é ocupada por egressos de escolas privadas cujas mensalidades podem custar mais do que nas instituições de ensino superior.

Segundo estudo recente do Banco Mundial, cada ano passado numa instituição de ensino superior resulta no Brasil em um bônus salarial médio de 12%. Esse é o maior valor entre os países estudados. É correto que o Estado seja o financiador exclusivo das vantagens que a universidade proporciona ao indivíduo?

Nas melhores universidades públicas do mundo, os estudantes pagam para estudar. No entanto, o volume do pagamento das mensalidades (a palavra em português para isso é propina, apesar da conotação que ela tem na variante brasileira da língua) raramente ultrapassa 30% do orçamento.

Não é possível financiar pesquisa e desenvolvimento de ponta apenas com propinas, como bem demonstra o modelo de ensino superior privado brasileiro. O Estado não pode se isentar de sua responsabilidade com o financiamento do desenvolvimento, da inovação e da inclusão, sob pena de as instituições tornarem-se meramente centros de ensino onde não se faz pesquisa de ponta, fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

Alunos que financiam ainda que parcialmente sua educação têm em média um maior comprometimento com o aprendizado. Eles sabem que o eventual fracasso numa ou noutra disciplina terá consequências financeiras, maiores que simplesmente uma nova matrícula. Isso muda sua relação com a instituição.

Sempre pode-se argumentar que cobrar propinas excluiria quem não tem condições de pagá-las. O sucesso do Prouni está aí para provar o contrário.

Com bons mecanismos de assistência social, é possível garantir que nenhum talento seria desperdiçado. É uma questão de princípio.

LEANDRO TESSLER, 52, é professor de física da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Deixe um comentário

Arquivado em Educação, Jornais, Universidade