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Vélez Rodriguez e a faxina ideológica

por Milena Natividade

Faxina Ideologica

Chamada da Revista Veja para a entrevista concedida pelo atual Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, a Gabriel Castro e Maria Clara Vieira. Foto: Cristiano Mariz.

Ler criticamente a entrevista que o atual Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, cedeu à revista Veja é tão importante quanto analisar a fotografia que abre a matéria.

Vemos em primeiro plano a imagem, levemente embaçada, de uma pilha de livros. A identificação das obras exige alguma familiaridade com a historiografia: encontra-se empilhada a coleção de livros da UNESCO. A imagem desfocada é uma referencia sutil à coleção de História Geral da África, projeto que levou mais de 30 anos para ser construído e que busca tornar acessível ao público a longa, diversificada e complexa história do continente africano. A edição em português foi lançada durante o mandato de Fernando Haddad como ministro da Educação. Curiosamente, a lombada desses livros está voltada para nós, observadores, e não para Rodriguez, que se encontra em segundo plano na fotografia.

Além dele, em segundo plano também vemos outra pilha de livros. A composição dessa pilha, sobre a qual o ministro se apoia (se sustenta, se fundamenta), lembra uma pirâmide invertida. Sabemos que construções assentadas em bases instáveis não se mantém de pé por muito tempo, são fáceis de derrubar, desconstruir. Os livros dessa pilha não são exibidos para nós, observadores. As referências sobre as quais o atual ministro da Educação (literalmente) se apoia não são exibidas nem citadas.

Após a leitura da entrevista, fica evidente como nesse caso imagem e texto estabelecem uma relação de complementaridade de significados. Destaco dois dos vários excertos que confirmam a falta de embasamento sólido dos argumentos de Vélez Rodriguez.

Sobre a Universidade não ser para todos:

“Em nenhum país a universidade chega para todos, ela representa uma elite intelectual, para a qual nem todo mundo está preparado ou para a qual nem todo mundo tem disposição ou capacidade. Universidade não é elite econômica nem elite sociológica”.

Como se acesso à universidade, sobretudo pública e gratuita, fosse democrático e estivesse no horizonte de possibilidade para todos os grupos sociais. Os filtros que selecionam quem vai pertencer a tal “elite intelectual” não é só o vestibular, mas também são os de raça, classe, gênero.

Já sobre o fim das cotas, diz o ministro:

“As cotas são uma solução emergencial e, como tudo no Brasil, o provisório vira definitivo […] Quatro anos é pouco tempo. Mas tenho certeza de que, se fizermos o dever de casa, meu sucessor conseguirá iniciar esse processo”.

Se realmente as cotas são políticas de inclusão com prazo de validade, é falta, no mínimo, de bom senso dizer que não serão mais necessárias em quatro anos. A USP, por exemplo, só foi adotar o sistema de cotas raciais (na graduação) em 2017. Apesar de já surtir algum efeito, a quantidade de alunos ainda é majoritariamente branca.

Ao final da entrevista, gostaria que o fotógrafo Cristiano Mariz (brilhante, por sinal) pudesse ter dado a Coleção de presente para o ministro. Mais importante do que posar com livros é ler os mesmos.


Milena Natividade é bacharela e licenciada em História pela Universidade de São Paulo.

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Presidenta do Sindicato dos Professores de São Paulo rebate artigo de Reinaldo Azevedo, da Veja

Em carta aberta respondendo ao colunista da Revista Veja, Reinaldo Azevedo, a presidenta da APEOESP, Maria Izabel Azevedo Noronha, questiona o jornalista: “O que o senhor entende de crianças pobres?”

Após sofrer ataques do jornalista Reinaldo Azevedo, a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, divulgou uma carta aberta ao colunista da Revista Veja na qual rebate as acusações feitas contra ela e toda a categoria que se encontra paralisada em luta por melhores condições de trabalho.

Em seu texto, Maria Izabel Noronha não reconhece Reinaldo Azevedo como interlocutor à altura dos professores para se discutir a respeito de crianças pobres, usadas pelo jornalista para promover seus ataques contra os professores: “O que o senhor entende de crianças pobres?”, pergunta Maria Izabel. “Nós as conhecemos bem, ouvimos seus problemas e as aconselhamos, indo além da nossa função de ensinar. Elas são nossas amigas e nos apoiam”, explica a presidenta da Apeoesp.

O texto vai mais além e aponta como Reinaldo Azevedo mal cumpre sua função de jornalista, ao estar desinformado quanto às reivindicações dos professores paralizados: “Se o senhor tivesse o mínimo de informação – obrigação de todo jornalista – saberia que a equiparação salarial dos professores com os demais profissionais com formação de nível superior é determinada pelo Plano Nacional de Educação (PNE), lei aprovada pelo Congresso Nacional. O índice de 75,33% (conforme estudo do DIEESE) é o necessário para esta equiparação salarial no estado de São Paulo”.

Abaixo o Hum Historiador repercute a íntegra da carta aberta escrita por Maria Izabel Azevedo Noronha, tal como publicada no site Spresso SP.

Carta aberta a Reinaldo Azevedo

RESPEITO É BOM E EU EXIJO!

Muitas pessoas me dizem que eu não deveria me preocupar com os ataques de baixo nível que o senhor desfere contra mim. Entretanto, fui escolhida pelo voto direto e secreto da minha categoria para representá-la. Em respeito aos professores e professoras da rede estadual de ensino de São Paulo, sinto-me na obrigação de rebater as calúnias e barbaridades ditas pelo senhor.

O senhor acusa os professores e professoras de prejudicar nossos alunos por estarmos em greve. É preciso lembrá-lo de que a greve é direito constitucional e que cumprimos todos os ritos legais, comunicando-a às autoridades competentes, juntamente com nossa pauta de reivindicações.

O que o senhor entende de crianças pobres? Nós as conhecemos bem, ouvimos seus problemas e as aconselhamos, indo além da nossa função de ensinar. Elas são nossas amigas e nos apoiam. O problema é que não há políticas do Governo Estadual para integrar as escolas com as comunidades.

O Governador não aplica a jornada de trabalho determinada pela lei 11.738/2008, pela qual teríamos 33% de nosso horário de trabalho para atividades extraclasse, entre elas conversar com os pais de nossos alunos. O governo do PSDB não tem o menor interesse nessas crianças pobres às quais o senhor ardilosamente se refere.

Nós sabemos que essas crianças e jovens não conseguem aprender em salas superlotadas com 40, 42, 45, 60 e até 84 alunos, porque o Governador do Estado decidiu fechar mais de 3.390 classes. Sabemos que elas sofrem com a falta de condições de ensino-aprendizagem. Conhecemos a tristeza desses meninos e meninas com a falta de infraestrutura, com a falta de manutenção dos prédios, com a falta d´água nos banheiros, com o descaso e o ambiente propício à ocorrência de casos de violência dentro da escolas porque o Governo tucano vem reduzindo o número de funcionários e terceirizando o máximo possível as funções dentro das unidades escolares.

O Governo Estadual do PSDB vem aniquilando o sentido de comunidade escolar. As escolas não são espaços de convivência democrática e de exercício da cidadania. Nossas crianças e adolescentes não aprendem, nas unidades escolares mantidas pelo Governo do Estado, a conviver com a diversidade e veem seus professores serem maltradados quando tentam desenvolver um trabalho pedagógico que fuja das orientações padronizadas que emanam dos gabinetes da Secretaria Estadual da Educação.

Se o senhor tivesse o mínimo de informação – obrigação de todo jornalista – saberia que a equiparação salarial dos professores com os demais profissionais com formação de nível superior é determinada pelo Plano Nacional de Educação (PNE), lei aprovada pelo Congresso Nacional. O índice de 75,33% (conforme estudo do DIEESE) é o necessário para esta equiparação salarial no estado de São Paulo. Queremos, sim, negociar um plano de composição salarial para que a lei seja cumprida.

O senhor considera que deveríamos, simplesmente, nos conformar com nossos baixos salários, com a superlotação das classes, com a falta de condições de trabalho, com tudo? Não faremos isto; pode esperar sentado. O senhor seria capaz de sobreviver com um salário mensal de R$ 2.422,58, tendo que ministrar aulas em duas, três ou mais escolas?

Para o Governador, seu secretariado, deputados, desembargadores e outros cargos da cúpula do Estado, houve reajustes salariais votados em pleno final de ano. Nesse caso, não se fala em limitações orçamentárias. Tudo vale para o “andar de cima”. Para nós, o “andar de baixo”, nada.

Em nenhum momento o Secretário da Educação nos propôs discutir qualquer plano de reajustes salariais. Diz apenas que nada pode propor antes de examinar o orçamento. Para um jornalista, o senhor é muito mal informado.

O senhor cumpre o papel de blindar um partido que já não tem como esconder tantas coisas erradas, mas não é isso que quero discutir agora. O senhor repete a ladainha do PSDB, de que marcamos nossa greve para iniciar juntamente com as manifestações de 13 de março. Nada mais falso. Nossa assembleia estava agendada para o dia 13 de março desde o dia 29 de janeiro, quando cinco mil professores realizaram um ato público em frente à Secretaria Estadual de Educação, na Praça da República. Ali foi aclamada por unanimidade a realização da greve a partir de 13 de março, pois o governo não abria negociações sobre os pontos referentes a salário, jornada de trabalho, fechamento de classes, contratação de professores temporários e outros.

Não somos donos da Avenida Paulista. Ali todos podem se manifestar, inclusive os seus amigos, que no dia 15 de março lá estiveram, sob o patrocínio do Governo Estadual do PSDB, que liberou as catracas do metrô. Isto não é um verdadeiro escândalo? Pois é, o senhor não dá um pio. Oficiamos ao Presidente da Companhia do Metrô solicitando o mesmo benefício. Ele fez alusão à legislação, que permitiria a cortesia num caso e não em outro. Solicitamos que citasse a legislação. Estamos aguardando até hoje.

Não vou comentar os índices divulgados pelo Governo. São ridículos. Tanto que disseram que o índice normal de faltas era de 4% e que durante a greve caira para 2,5%. Creio que o momento não é para brincadeiras deste tipo.

De onde o senhor tirou que “a greve de 2010 terminou com Bebel debaixo de uma chuva de ovos?!!!” De fato, após a repressão selvagem do então Governador José Serra contra os professores nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes eu disse que quebraria a espinha dorsal daquele senhor. Dito e feito: não conseguiu se eleger Presidente da República, pois o Brasil inteiro ficou sabendo o péssimo Governador que fora.

O PSDB e Serra processaram-me na Justiça Eleitoral por causa desta frase, sabia? Perderam. O senhor nunca aceitou isto, não é verdade? Talvez seja hora de superar esse trauma. Recomendo um bom psiquiatra.

Finalmente, para deixar ainda mais patente sua completa desinformação sobre a realidade, devo dizer que Águas de São Pedro é um dos menores Municípios do Brasil. Em 2014, teve apenas 2.885 eleitores registrados, imagine-se em 1992, quando concorri a uma vaga na Câmara Municipal para ajudar a construir o Partido dos Trabalhadores na cidade.

Talvez o senhor não saiba da existência do quociente eleitoral. Fazendo uma campanha sem recursos, sem um partido estruturado, obtive 100 votos, um número bastante considerável em relação ao total de eleitores. Entretanto, não fui eleita, enquanto candidatos com 30 votos tornaram-se vereadores em Águas de São Pedro. Isto é uma evidência cristalina da necessidade de uma reforma política neste país, para que a composição das casas legislativas reflita de forma mais fidedigna a vontade popular.

É incrível sua limitada capacidade de analisar uma situação político-eleitoral como esta. Melhor, então, deixar para os especialistas e pessoas com esta capacidade.

Naquela ocasião eu era – e continuo sendo – muito respeitada por todos na minha cidade pela defesa da educação pública e da melhoria das condições de vida da parcela mais pobre da população. Tenho muito orgulho de cada um dos 100 votos que recebi. Creio que o senhor não possa dizer o mesmo sobre seus textos e sua conduta.

Maria Izabel Azevedo Noronha

Presidenta da APEOESP

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Quem sustenta o Rei do Camarote?

Capas da Revista Veja e Veja São Paulo publicadas em 05 de Novembro de 2013

Capas da Revista Veja e Veja São Paulo publicadas em 05 de Novembro de 2013

Ia escrever um texto sobre o bizarro vídeo do Rei do Camarote lançado pela revista Veja São Paulo neste último fim de semana (04), mas encontrei um post do Fábio Chap, no blog Escrevi. Escrevo. Escreverei? que contempla parte do que gostaria de escrever.

O texto de Chap vai de encontro com alguns dos últimos posts que andei publicando por aqui, especialmente quando ele fala sobre o que produz um “Rei do Camarote” e a custa de quem eles se mantém em seus “bunkers” protegidos, enquanto os miseráveis morrem à míngua nas favelas ou mais um assaltante é morto pela polícia em algum lugar de São Paulo. Pensamento bem representado na passagem abaixo:

“(…) a repressão nas favelas existe para que reis de camarotes pelo Brasil afora tenham cada vez mais garantias para esbanjar. Um assaltante pobre a menos – morto – por uma vela a mais piscando na garrafa de Veuve Clicquot; a sociedade topa rapidinho.”  

Abaixo, a íntegra do post de autoria do escritor Fábio Chap publicado em seu blog.

O DESAFORO 100.000.000 – O REI DO CAMAROTE E O QUASE INVISÍVEL RASTRO DE SANGUE
por Fábio Chap para o blog Escrevi. Escrevo. Escreverei?

Como vai você? Já tomou um soco de cifrões nesse final de semana? Se não, lhes apresento o ‘rei do camarote’ Alexander de Almeida, o empresário que ‘caiu na balada’ e nos deixou em choque. E o susto não foi porque ele tem dinheiro saíndo pelos poros. Sabemos que muitas pessoas têm. Mas pelo modo com o qual ele torra essa grana e pelo modo como ele chama aqueles que criticam seu estilo de vida: ‘invejosos’.

Para compreendermos melhor a figura do senhor Alexander precisamos, antes, pincelar o principal propósito do capitalismo: gerar lucro. Uma vez que o sistema capitalista seja praticado quase unanimemente em todo o mundo, podemos chegar à conclusão: o sistema do lucro funciona à primeira vista e mexe com o âmago das pessoas. Com a alma. Alguns se arriscam a tudo para ter uma fatia cada vez maior; alguns correm riscos maiores que outros. Aí entra a cafonice, a ousadia e o desespero.

A revista Veja – uma lamentável ferramenta de manobras políticas – mandou benzasso no modo que apresentou o empresário ao grande público. Foi de uma ironia fina tão grande que nem o próprio entrevistado sacou o quanto estava sendo ridicularizado. Alguém ciente de que ele poderia soar ainda mais patético disse assim: ‘Então, vamos filmar o closet, depois uma porta vai se abrir bem em frente ao seu rosto; magicamente você já estará vestido com as melhores grifes. Aí sim tamos prontos pra cair na noite’. Obviamente ele concordou com a fanfarronice. É um cara já desprovido de senso crítico.

Ele sabe que é uma figura amada por uns e odiada por muitos outros. Se diverte com isso. Diz que é inveja. E realmente é. Não é que gostaríamos exatamente de ter uma Ferrari, já nos bastaria sair de um lugar ao outro – principalmente em grandes cidades – sem sermos aloprados por um transporte público humilhante. Sendo de carro, de trem, metrô ou busão, a gente só gostaria mesmo é de ser 1/5 respeitado como o rei do camarote é.

Nem acho que a maioria de nós – no máximo príncipes e princesas da pista molhada e apertada – quer seguranças com 1 metro de bíceps garantindo passagem. Só não sermos empurrados como gado às 7h da manhã na linha vermelha do metrô já estaria de bom tamanho.

Não precisamos de tanto champagne; se não faltar nada para nossos filhos já está bom. Nem fralda, nem suco, cultura diversificada e uma vaga naquela escola que realmente ensine a ter conhecimento. Não precisamos de um helicóptero para agilizar as coisas, basta que, se nossos pais e avós tiverem uma emergência, que sejam tratados como seres humanos pelo sistema se saúde. Que as escaras dos nossos parentes doentes não tenham moscas e larvas se alimentando da carne podre nos corredores de hospitais públicos (http://goo.gl/UzRM8Z).

Acredito que a maioria de nós não faria questão de pessoas da mídia ou celebridades em nossas festas, bastaria que conseguíssemos terminar essa festa. No RJ um aniversário acabou com bomba de gás lacrimogêneo no bolo da criança (assista à partir de 5’20’ do vídeo – http://goo.gl/rgGm6v). A repressão nas favelas existe para que reis de camarotes pelo Brasil afora tenham cada vez mais garantias para esbanjar. Um assaltante pobre a menos – morto – por uma vela a mais piscando na garrafa de Veuve Clicquot; a sociedade topa rapidinho.

O rei do camarote precisa entender que é inveja, sim, não dos carros, das casas, das bebidas e das bundas. É a inveja de poder levar uma vida feliz, aparentemente mais tranquila e menos submissa à imundície de quem faz tudo para não perder dinheiro. Tudo. A inveja é no sentido de não ser tirado, humilhado e atropelado por um sistema prontinho pra devolver qualquer indignação com um cassetete no meio da testa, mesmo quando se está a trabalho (http://goo.gl/qQY1II).

Algumas pessoas não enxergam as contradições dentro de si. Compartilham vídeo e matéria sobre Alexander ao mesmo tempo em que criticam os movimentos sociais das ruas. Não percebem que um black block, quando quebra um banco ou concessionárias de carros importados, está surtado com esse tipo de esbanjamento. Gritando para que existam menos Alexanders e menos Amarildos sumidos. As pessoas criticam a atitude de lavar o chão com champagne – citada na matéria – e, ao mesmo tempo, mandam a polícia ‘descer bala’ em quem se revolta com esse show de horrores esfregados na nossa cara tanto pelo poder público quanto por determinados empresários conchavados. Não está muito claro que só estamos apanhando na rua pra sustentarmos mais reis do camarote? Seja um camarote no palanque ou na noite? O consumo e os grandes empresários são os verdadeiros donos de SP, do RJ, do Brasil e de boa parte do mundo. Todo aquele que se voltar raivosamente – em pleno surto – contra serviços maus prestados e abuso de poder será espancado, preso e, assim que possível, condenado – preferencialmente como organização criminosa. Na visão das autoridades não é Alexander que comete um crime – ao menos às vistas -, é quem se revolta na prática com essa sujeira.

Uma das coisas que – preciso dizer – não é tanta inveja assim, é a visão de mundo que você, rei de areia, tem. Está muito claro que só o seu ângulo te importa, mas sinto lhe dizer, apesar da Gucci e Prada na sua gaveta, você está ‘so last week’ com esse pensamento. Somos de uma geração que quer outros ângulos. Quer mais verdade. Uma geração que se importa mais e cuida mais. Seus movimentos são no sentido de ter o luxo garantido e manter o padrão quase bilionário. Nossos cuidados são para que, ao menos, exista uma padrão não humilhante de vida. Seja nos impostos, nos transportes, na moradia, na educação e saúde. Alguns de nós não sentem necessidade de ir pra Ibiza todo ano, mas que, pelo menos, consigamos ir até a Câmara gritar que ‘tá tudo errado’ sem respirarmos gás, pimenta ou recebermos argolas de aço em nossos pulsos.

O dinheiro parece comprar tudo, mas só parece. Que comprou a sua decência, é um fato, rei do camarote. Mas ele não compra a minha chance de te dar a letra: vamos caçar seu estilo de vida esbanjador e cheio de vontade de humilhar até pegarmos. Seu lifestyle vai morrer por falta de circulação.

Esse lixo de tapete vermelho que te estendem é pintado com o sangue de cada fudido amassado no trem, assaltado na viela, assaltante de viela, preso nas manifestações, humilhado em seus empregos, retirado de suas casas, jogado nos presídios, abandonados nas UTI’s, rejeitados nas escolas, condenados por nascerem sem pulserinha vip.

Meu camarote é a rua e lá eu vou sangrar para dar fim à sua festa. 2014 vai te dar medo de viver, Alexander.

ATUALIZAÇÃO DO POST

Após a publicação desse post, circulou a notícia de que a gravação do vídeo e a reportagem da Veja São Paulo tenha sido uma “brincadeira” ou, em outros termos, uma “trollagem” e que Alexander de Almeida seria uma personagem fictícia. Era evidente, porém, que este não foi o caso. Ao ver que

A Veja São Paulo acaba de publicar um texto em seu site intitulado “O rei do camarote: a dura vida após a fama” no qual confirma todo o conteúdo de sua matéria de capa, bem como a autenticidade do vídeo, afirmando ainda que: “Alexander de Almeida se queixa de assédio. Para quem ainda duvida: sim, ele existe. E é exatamente quem VEJA SÃO PAULO mostrou”. E mais adiante, a Veja São Paulo reafirma:

“Portanto, sim, Alexander existe. Mais do que isso, é um exemplo de um tipo que vem se proliferando nas casas noturnas paulistanas. Foi retratado nas páginas de VEJA SÃO PAULO, sem qualquer tipo de julgamento, por ter um comportamento que é comum entre um grupo de pessoas – por mais ultrajante que isso possa soar para alguns”.

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Veja é condenada por ofensa a professor de História

Por Charles Leonel Bakalarczyk – publicado no Blog do Nassif

Merece destaque a decisão da Justiça gaúcha que condenou a Revista Veja, da Editora Abri, e as jornalistas Mônica Weinberg e Camila Pereira a indenizar, por danos morais, no valor de R$ 80 mil, a um professor de História do Colégio Anchieta, situado em Porto Alegre.

O dano moral em liça emergiu da veiculação pela Veja, edição nº 2074, da matéria “Prontos para o Século XIX”. Segundo a sentença de 1ª instância, confirma pelo Tribunal de Justiça em sede de apelação, a reportagem produzida pelas jornalistas descontextualizou e distorceu fatos, expondo aos leitores, de forma irônica, que educadores e instituições de ensino incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos.

A magistrada entendeu que a revista Veja pressupõe equivocadamente que os pais são omissos e não sabem o que os filhos estão aprendendo em sala de aula. Também disse que a matéria agride ao concluir que os professores levam mais a sério a doutrinação esquerdista do que o ensino das matérias em classe.

A sentença, confirmada pelos desembargadores da 10ª Câmara Cível  do TJ/RS, ainda identifica que o texto das jornalistas ofendeu a honra do professor ao qualificá-lo, de forma pejorativa, como esquerdista, sem a sua autorização, de modo a extrapolar os limites da liberdade de imprensa.

Confiram a nota produzida pela assessoria de imprensa do TJ/RS:

Do TJ/RS

Revista de circulação nacional indenizará professor da Capital

Por veicular reportagem cujos fatos foram descontextualizados e distorcidos, a Editora Abril S/A e as jornalistas Mônica Weinberg e Camila Pereira terão que indenizar um Professor de História de Porto Alegre, em R$ 80 mil, de forma solidária. A decisão da 10ª Câmara Cível do TJRS confirma sentença de 1° Grau, mantendo também a obrigação dos réus de publicar na revista Veja o teor da decisão da Juíza Laura de Borba Maciel Fleck.

Caso

Professor de História do Colégio Anchieta, na Capital, ajuizou ação indenizatória por danos morais em desfavor da Editora Abril S/A e das jornalistas autoras da reportagem intitulada “Prontos para o Século XIX”, divulgada pela revista Veja nº 2074.  De acordo com o autor, a publicação teve o objetivo de expor ao leitor, de forma irônica, que os educadores e as instituições de ensino incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos.

Ele destacou um trecho da publicação:

“Cena muito parecida teve lugar em uma classe do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, outro que figura entre os melhores do país. Lá, a aula de história era animada por um jogral. No comando, o professor Paulo Fiovaranti. Ele pergunta: ‘Quem provoca o desemprego dos trabalhadores, gurizada?’. Respondem os alunos: ‘A máquina’. Indaga, mais uma vez, o professor: ‘Quem são os donos das máquinas?’. E os estudantes: ‘Os empresários!’. É a deixa para Fiovaranti encerrar com a lição de casa: ‘Então, quem tem pai empresário aqui deve questionar se ele está fazendo isso’. Fim de aula”.

De acordo com o autor, a reportagem distorceu fatos ocorridos em sala de aula, o que foi expressado em tom ofensivo e permeada de generalização infundada. Mencionou que as rés fizeram afirmações gratuitas e levianas, tornando o autor uma espécie de “ícone” representativo de uma classe de profissionais ignorantes, despreparados.

Citados, as rés sustentaram que a equipe da revista foi autorizada a assistir aulas nas duas escolas citadas na matéria, assim como fotografar e divulgar os nomes dos professores. Alegaram que a gravação da aula demonstra os ensinamentos do autor em sala de aula, indo ao encontro com o entendimento de que não se observa neutralidade política na aula ministrada pelo autor.

1° Grau

Para a Juíza Laura Fleck, a publicação deixou de registrar que o professor ministrava aula sobre a Revolução Industrial, Século XVIII, estabelecendo relações entre o passado e o presente, a fim de estimular a atenção e o raciocínio dos alunos. “Forçou, a reportagem, ao afirmar a ideologia política do autor e estereotipá-lo como esquerdista por conta de seu método de ensino, desconsiderando os seus mais de 15 anos como professor e a tradição da escola, transpondo a fronteira da veracidade e da informação”, afirmou a magistrada.

“Tenho que o conteúdo da matéria jornalística, além de ácido, áspero e duro, evidencia a prática ilícita contra a honra subjetiva do ofendido. A reportagem, a partir do momento que qualifica o autor como esquerdista, com viés, de resto, pejorativo, sem a autorização do demandante, extrapola os limites da liberdade de imprensa”, ressaltou a julgadora.

“A revista está pressupondo que os pais são omissos e não sabem o que os filhos estão aprendendo na escola. Da mesma forma, a publicação é agressiva ao afirmar que os professores levam mais a sério a doutrinação esquerdista do que o ensino das matérias em classe, induzindo o leitor a entender que o autor deve ser incluindo como este tipo de profissional”, completou a Juíza, que fixou a indenização a título de danos morais em R$ 80 mil. A quantia vai acrescida de correção monetária pelo IGP-M a contar da publicação da sentença e de juros de mora de 1% ao mês incidentes a partir do evento danoso (20/08/08).

Condenou os réus, solidariamente, a publicarem na revista “Veja”, sem qualquer custo para o autor, a sentença condenatória. A decisão é do dia 31/10/12.

Recurso

As partes recorreram ao TJ. O autor da ação buscou a majoração do valor da indenização por dano moral e os demandados defenderam a reversão completa da decisão proferida.

Ao analisar a apelação, o Relator, Desembargador Marcelo Cezar Müller, enfatizou que o direito de informação pode ser livremente exercido, mas sem necessidade de ofensa ao direito do professor, no caso, do autor da ação. “Contudo, na hipótese, a ofensa não era necessária e em nada contribuía para a apresentação do tema de forma clara e consistente ao público. Referiu-se o nome do professor de maneira a extrapolar o exercício regular de um direito. Isso porque uma parte da aula, que possuía um contexto, foi destacado e inserido na reportagem. Esse modo de apresentar o tema, em relação ao autor, escapou da completa veracidade do fato”, avaliou o relator. “Existiu o excesso, sem qualquer necessidade, que não era requisito para ser exercido plenamente o direito de informar”, completou o Desembargador.

O relator afastou a condenação referente à publicação da sentença condenatória na Veja, mas teve o voto vencido nessa questão. O Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana divergiu do relator, e votou por manter a condenação também neste tópico. Ele foi acompanhado pelo Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz.

Apelação Cível 70052858230

EXPEDIENTE

Texto: Janine Souza
Assessora-Coordenadora de Imprensa: Adriana Arend
imprensa@tj.rs.gov.br

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Mino Carta revela que sua cabeça foi vendida à ditadura por 50 milhões

Mino Carta, fundador da Revista Veja, concedeu entrevista no ano passado a alunos da PUC-Campinas revelando como foi sua relação com o recém-falecido dono do Grupo Abril, Roberto Civita. Justamente em função da morte deste último na semana passada, o blog Viomundo divulgou a entrevista para relembrarmos um pouco de quem é Roberto Civita.

CARTA NÃO PERDOA CIVITA POR ENTREGA DE SUA CABEÇA À DITADURA

por Danilo Zanini – Publicado originalmente em Digitais PUC Campinas 29/06/2012

Em entrevista aos alunos da PUC-Campinas, o jornalista Mino Carta fundador das revistas VejaIstoÉCartaCapital e Quatro Rodas conta que os donos da editora Abril Victor Civita e seu filho Roberto Civita o “venderam” em troca de  um empréstimo de 50 milhões de dólares. No momento em que revive suas emoções, o Michelangelo das revistas perde o controle e afirma que duas vezes tentou bater no Roberto Civita. “Minha cabeça foi vendida por 50 milhões de dólares. Eu tentei duas vezes dar um murro na cara do Roberto Civita, e ele fugiu! Escreve isso, ele fugiu”, conta Carta

O episódio culminou na saída do jornalista da editora Abril. Mino Carta diz que foi ele que se demitiu, não foi demitido como contam os Civita. Carta relembra que foi Richard Civita, irmão de Roberto, que durante uma partida de tênis contaria para Carta sobre as dificuldades financeiras da editora Abril, o empréstimo de 50 milhões de dólares proposto pela Caixa Econômica Federal a mando dos líderes da Ditadura que só seria possível se os Civita aceitassem a troca: o dinheiro pela saída de Carta da Abril. Dá primeira vez que toca nesse assunto não estoura em sentimentos e até brinca: “Vocês viram como valho muito?”

A entrevista não foi apenas marcada por essa declaração, houve momentos de forte crítica as elites brasileiras e a sociedade. “Nós tivemos a pior elite do mundo. Os brasileiros são os herdeiros da casa grande, né. Eu acho que a tragédia brasileira são três séculos e meio de escravidão e uma elite cafajeste, vulgar, prepotente, arrogante, incapaz, incompetente, muito incompetente, muito ignorante. Nossa elite é uma tragédia”, conclui o jornalista.

O italiano, radicado no país desde os doze anos, analisa que o Brasil ainda não é uma nação por não ter uma identidade. Ele afirma que o povo brasileiro é infantil e estupidamente festeiro, colocando a culpa nas elites coloniais e da república velha.

“Mas o problema do Brasil é que sofreu algo monstruoso que foram os três séculos e meio de escravidão. É que essa elite é tão calhorda que ela permitiu o inchaço das cidades. Então, há uma péssima distribuição da população brasileira dentro do território brasileiro, tão ruim quanto à distribuição de renda. A nossa distribuição de renda nos coloca ao nível da Nigéria e de Serra Leoa”, contextualiza Carta.

O diretor de redação da CartaCapital ainda condena os escolhidos pela presidente Dilma Roussef para compor a Comissão da Verdade. Na opinião de Mino Carta, os integrantes deveriam ser pessoas que estiveram envolvidas, sentiram os problemas.

“E por que chama pilantras notórios? Nelson Jobim na comissão da verdade? Paulo Sérgio Pinheiro na comissão da verdade? José Carlos Dias na comissão da verdade? Isso é uma piada! Ou a Dona Dilma está confusa ou enganada, está sendo enganada ou está tudo errado”, defende o jornalista.

Mino Carta ainda critica as faculdades de jornalismo, afirma que os cursos de comunicação são corporativos e que foram criados pela ditadura. Apesar de analisar que não é mais possível acabar com os cursos, ele aconselha que o estudante faça uma graduação de História ou Ciências Sociais e apenas posteriormente fazer uma pós-graduação em Jornalismo. “Para a prática profissional o jornalista deve ter uma busca canina pela verdade factual, um espírito crítico, e o dever de fiscalizar o poder”

Apesar dos problemas com os Civita, o ítalo-brasileiro revela carinho com os veículos que criou. Ele afirma gostar da Veja que criou e da Revista Quatro Rodas. “A Quatro Rodas foi um sucesso de mercado realmente. Era um momento muito oportuno, porque estava nascendo a indústria automobilística brasileira”, diz Carta que observa que as revistas criadas foram uma aventuras complicadas por levar muito tempo para se afirmar, como no caso de Veja e da CartaCapital. Mas brinca que sempre teve que inventar seus empregos: “São revistas que eu inventei para poder garantir um salário”.

Abaixo, parte da entrevista em que Mino Carta se exalta ao contar sua relação com Roberto Civita.

http://soundcloud.com/danilofzanini/mino-carta-para-o-digitais-puc

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Uma entrevista de Sérgio Buarque de Holanda

Lendo o blog Saiba História, do colega e professor Adinalzir, encontrei uma verdadeira pérola: uma entrevista concedida por Sérgio Buarque de Holanda ao jornalista João Marcos Coelho, então trabalhando para a Revista Veja. Para o professor Victor Hugo Abril, do curso de pós-graduação da FEUC, esta é uma entrevista importante para quem deseja discutir as questões do Primeiro Reinado no Brasil e foi justamente por isso que o professor Adinalzir acabou publicando-a em seu blog.

Publicada originalmente em Janeiro de 1976, a entrevista acabou sendo republicada em Setembro de 2oo3 numa coletânea de entrevistas para compor a edição de aniversário dos 35 anos da publicação. Nela, João Marcos Coelho procura explicar as observações e as conclusões de Sérgio Buarque de Holanda, um historiador nascido em São Paulo em 11 de julho de 1902 e falecido em 1982. Autor de uma obra colossal, que procura dar conta da tradição colonial brasileira a partir do surgimento da ideia de nação, durante o Império, e da modernização do país, a partir da República. Sérgio Buarque de Holanda é considerado até hoje um dos mais eminentes intelectuais brasileiros do século XX e  juntamente com Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, foi um dos “grandes explicadores do Brasil”, isto é, conseguiu criar uma obra tão importante, que tornou o país mais inteligível aos próprios brasileiros.

Abaixo segue a íntegra da entrevista concedida por Sérgio Buarque de Holanda à Revista Veja de Janeiro de 1976.


Entrevista: Sérgio Buarque de Holanda 

A democracia é difícil

As observações e as conclusões de um
especialista com base no exame da história

João Marcos Coelho

A caminho dos 74 anos, que completará em julho, Sérgio Buarque de Holanda é, ao mesmo tempo, um impecável historiador e um fascinante contador de histórias. Grande viajante, entremeia reflexões sobre o exercício da História com finas observações do tipo: “Me diverti muito quando estive na Grécia. Lá, os carregadores de bagagens são chamados metaphoras, e os que esperam na fila do ônibus estão em ekstasis. É agradável, mas também chocante, você se deparar de repente com as palavras sendo utilizadas em seu sentido rigoroso, não é?”

Seu primeiro livro, “Raízes do Brasil” (1936), forma, junto com “Casa-Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, e “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Jr., o grande tripé básico da cultura brasileira no século XX. Começou a lecionar na Universidade do Distrito Federal, transferindo-se em 1938 para o Instituto Nacional do Livro. Dez anos depois passou a ocupar a cadeira de História Econômica do Brasil na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. A partir de 1956, assumiu o posto de catedrático de História da Civilização na Universidade de São Paulo. Pronunciou conferências e deu cursos nos Estados Unidos, França, Itália, Suíça e Chile. Entre as universidades americanas, lecionou em Colúmbia, Harvard, Califórnia, Indiana, Yale e na New York State University.

Desde 1960 dirige a “História Geral da Civilização Brasileira”, já em seu sétimo volume publicado: “Do Império à República”. Embora negue predileção pelo período do Segundo Reinado, Sérgio diz que “basicamente a coleção é um trabalho de equipe, mas este volume é apenas meu. Eu ia fazer apenas uma resenha do aspecto político do Império, mas ela acabou virando um livro, publicado como último tomo do século XIX. Um pouco cansado com o trabalho de coordenar uma coleção desse porte, pedi um sucessor para a parte da República. E Bóris Fausto foi o escolhido”. Contudo, ainda este ano Sérgio pretende publicar uma nova versão de “Do Império à República”, consideravelmente ampliada.

Confortavelmente sentado em uma poltrona, numa das salas – todas literalmente atulhadas de livros – de sua casa normanda no bairro do Pacaembu, em São Paulo, Sérgio (ou o “pai do Chico Buarque”, como adora ser chamado) falou sobre a História. E também contou muitas outras.

VEJA – O que o senhor modificaria, hoje, em seu livro “Raízes do Brasil”, escrito na década de 30?

SÉRGIO BUARQUE – Muita coisa. Eu escrevi dois de seus capítulos na Alemanha, quando lá morei, entre 1928 e 1931. A idéia básica era a de que nunca houve democracia no Brasil, e de que necessitávamos de uma revolução vertical, que realmente implicasse a participação das camadas populares. Nunca uma revolução de superfície, como foram todas na História do Brasil, mas uma que mexesse mesmo com toda a estrutura social e política vigente.

VEJA – E a ideologia brasileira do homem cordial, que vem da passagem do século e o senhor de certa forma adota, ainda valeria?

SÉRGIO BUARQUE – Critica-se muito, mas poucos entenderam o verdadeiro sentido da expressão homem cordial. Quando falo cordial, não é no sentido de “cordiais saudações”, como Cassiano Ricardo o fez. A cordialidade com que caracterizei o brasileiro pode ocorrer mesmo em situações de confronto, fatos comuns em nossa história. Nesse sentido, ela tem sido incruenta. Tem havido muita discussão, recentemente, a respeito da História do Brasil, se ela é cruenta ou incruenta. Considero esse debate bizantino. É inegável, porém, que a independência, a proclamação da República e mesmo as revoluções de 1930 e 1964 se fizeram sem derramamento de sangue. Portanto, a cordialidade continua valendo para a nossa História.

VEJA – O que o levou a tentar explicar globalmente o caráter nacional brasileiro?

SÉRGIO BUARQUE – Hoje, eu não me aventuraria mais a tentar uma empreitada dessa espécie. Simplesmente porque os tempos são outros. Eu estava muito influenciado pelo sociólogo alemão Max Weber. Aliás, foi naquela mesma década de 30 que surgiram outras obras brasileiras cuja característica também era a de tentar a grande síntese: “Casa Grande & Senzala”, “Formação do Brasil Contemporâneo”. Há pouco tempo uma editora francesa, a Gallimard, me propôs a tradução de “Raízes do Brasil”. Pediram-me também um ensaio, que seria publicado na edição francesa, atualizando minhas idéias. Tentei, mas acabei desistindo. O livro está superado e plenamente datado. Minhas preocupações eram outras. Não tem sentido reescrever eternamente uma mesma obra.

VEJA – Quando o senhor afirma que no Brasil nunca houve democracia, isso talvez signifique que, num certo sentido, as massas populares jamais participaram do jogo político nacional?

SÉRGIO BUARQUE – Claro. No Brasil, sempre foi uma camada miúda e muito exígua que decidiu. O povo sempre está inteiramente fora disso. As lutas, ou mudanças, são executadas por essa elite e em benefício dela, é óbvio. A grande massa navega adormecida, num estado letárgico, mas em certos momentos, de repente, pode irromper brutalmente.

VEJA – Em quais momentos esse despertar teria ocorrido?

SÉRGIO BUARQUE – Até agora, todas as revoluções dentro da História do Brasil foram de elites, civis ou militares, mas sempre elites. E, quando a questão se restringe a querelas elitistas, o processo caminha como numa briga de família: aparece um primo, um tio, ou um amigo da família com bom relacionamento com ambas as partes capaz de contornar diplomaticamente o confronto direto. E é exatamente no conchavo que pode surgir a figura do homem cordial. Por isso a democracia, que nasceu aqui num mal-entendido, percorreu em nossa História um caminho inusitado. Ou seja, foi murchando aos poucos.

VEJA – Como se deu esse esvaziamento?

SÉRGIO BUARQUE – Pela Constituição de 1824, somente os escravos (porque dependiam do senhor), os religiosos em regime claustral, as mulheres e os menores não votavam. Ela permitia o voto dos analfabetos, dos libertos. O censo pecuniário (mínimo de renda mensal para poder votar) era de 100 mil-réis – esta quantia, só os indigentes não conseguiam obter. Era uma Constituição relativamente democrática. Em 1846, houve uma reforma, mas só para aumentar a renda mínima, devido à desvalorização da moeda, de 100 para 200 mil-réis. Havia duas espécies de participantes do processo eleitoral: os votantes, que tinham o direito de escolher os eleitores; e estes, que, por sua vez, elegiam os deputados e senadores. Os primeiros constituíam toda a massa ativa da população, mal ou bem participando realmente do jogo político. Na década de 70, em pleno Segundo Reinado, os partidos Liberal e Conservador se uniram para lutar por eleições totalmente diretas. Com a passagem dos votantes, grande maioria da população, para a condição de eleitores, entretanto, a democracia sofreu um golpe, pois a renda mínima foi muito aumentada (400 mil-réis, sujeitos a comprovação), que por sua vez era discutível. Isso alijou os antigos votantes e restringiu o número de eleitores de 1,5 milhão para pouco menos de 300 000. Tanto é que um estudo, coordenado por Santana Nery, publicado em Paris, em 1889, afirmava: “O Brasil é o país que tem menor número de votantes: apenas 1,5% da população tem esse direito”. Computando-se as habituais abstenções, não se chegava a 1 %. Somente em 1930, quando a massa popular votava, subiu-se para 5%. Então, veio o freio da revolução, que sustou o processo eleitoral por algum tempo.

VEJA – Seria correto afirmar que no Brasil sempre se confundiram as palavras democracia e liberalismo?

SÉRGIO BUARQUE – Evidente. O liberalismo pode perfeitamente sobreviver sem a prática da democracia, e isso é o que sempre aconteceu no Brasil. O substantivo liberal surgiu nas Cortes de Madrid, entendido como oposto ao servil, ou iliberal. Dicionarizado em 1803, no Brasil ainda significava pessoa generosa, dadivosa. Em toda a História do Brasil, porém, a palavra é freqüentemente usada como sinônimo de concessão por parte das elites dominantes. O próprio dom Pedro I, quando dissolveu a Assembléia Constituinte de 1823, afirmou que a Constituição que outorgaria era duplicadamente mais liberal do que a elaborada pelos constituintes. “Quero uma Constituição para o povo, não pelo povo”, chegou a dizer, deixando claro que apenas com sua permissão se podia praticar a liberdade. Isso pairou idealmente em todo o Segundo Reinado, embora jamais tenha existido na prática.

VEJA – Quer dizer que a democracia sobreviveu no Brasil apenas quando era bom o humor das elites dominantes?

SÉRGIO BUARQUE – Sim. E alguns políticos mais lúcidos perceberam isso já no século passado. Nabuco de Araújo, em 1869, dizia que nós tínhamos liberdade, ou liberalismo, mas só nas capitais. No interior, quem resolvia era o capanga, o prefeito ou o chefe de polícia. Em um discurso particularmente inflamado, chegou a afirmar que “a liberdade existe para nós, homens de gravata lavada, e não para o povo”. Na época, usava-se uma gravata de seda ou linho, com colarinho alto, com um nó triplo bastante saliente, colorindo o peito e forçando a pessoa a uma posição sempre altiva. E a cor, obrigatoriamente branca. Com o calor do Rio de Janeiro e sua situação urbanística (para chegar ao Senado, na antiga rua do Areal, era preciso passar pelo Campo de Santana, onde haviam capim, brejos e burro soltos), o consumo de gravatas diárias chegava a cinco ou seis. E naturalmente era preciso ter dinheiro para manter esse enorme estoque. Outro político contemporâneo de Nabuco de Araújo, Teófilo Otôni, cognominado o “Tribuno Liberal”, numa circular para seus eleitores mineiros, usou expressão semelhante: “O que eu quero é a democracia de classe média, a democracia de gravata lavada”.

VEJA – Ao que parece, eles só pensavam numa democracia higienicamente asseptizada.

SÉRGIO BUARQUE – Na verdade, a palavra democracia era mal vista pelos liberais brasileiros no começo do Império. Talvez devido a uma identificação com os ideais de Robespierre, o que, os levava a associar democracia com anarquia. Quando ganhou status, em meados do Império, a palavra já tinha perdido seu sentido original. E passou a significar liberalismo. Aliás, outro bom exemplo é o de frei Caneca, que em um de seus escritos afirmou: “É impossível viver com esta gentalha composta de mulatos e mestiços”, deixando entrever um nítido desprezo pelas classes populares.

VEJA – E a partir da República? Continuou o processo de esvaziamento da democracia?

SÉRGIO BUARQUE – Sim. O período republicano se iniciou entre nós com uma vitória de Rui Barbosa: o chamado censo literário, com que, finalmente, se barrou o acesso dos analfabetos ao voto. Um dos argumentos constantes do grupo vitorioso era o de que uma parte da população ainda não estava preparada para participar do jogo democrático. Era preciso esperar o progresso, que naturalmente elevaria a massa à condição de ‘alfabetizada e, portanto, apta a votar. Esta, no fundo, é uma idéia reacionária: não é preciso lutar, o progresso há de vir, independentemente de nossa vontade. Mais de oitenta anos se passaram e nem com o Mobral o problema foi resolvido. Aliás, José Bonifácio, “o Moço”, que adotou posição contrária à de Rui Barbosa (um seu ex-aluno a quem muito respeitava) usava argumentos bastante convincentes: “Por que os analfabetos não podem votar? Amanhã vão dizer que os surdos também não podem, depois os mudos, e depois ainda só votarão as pessoas formadas em universidades: depois os epilépticos, conhecidos ou desconhecidos”. Em seguida, dirigiu-se ao governo: “Eu sou a Democracia… fostes para as alturas e eu fiquei. Não vos acuso.., neste país há lugar para todos. Pois bem, deixai também lugar para mim”.

VEJA – Como encarar a história brasileira, de 1930 em diante?

SÉRGIO BUARQUE – Certamente como uma nova versão, modernizada, da democracia de gravata lavada. Falar em democracia, hoje, todo o mundo fala. Inclusive os países comunistas. Até durante o nazismo mais de 90% da população alemã votava. Claro que pressionada e num jogo de cartas marcadas. Mas votava. A fachada da democracia sempre está presente, inclusive nos regimes autoritários e totalitários.

VEJA – Parecem coexistir hoje dois grandes grupos de historiadores preocupados com o Brasil. De um lado, os brasileiros, que, numa posição extremamente critica, procuram, grosso modo, reconstituir o que chamam de história da dependência. E, de outro, os chamados brazilianists, estrangeiros que têm dado preferência a certos temas da nossa História, como por exemplo, a escravidão, o Estado Novo e os governos da Revolução de 1964. Eles se completam, de alguma maneira?

SÉRGIO BUARQUE – Primeiro, é preciso esclarecer que o interesse pelo Brasil não é novo. Na década de 40, quando o presidente Roosevelt pôs em prática o que chamou de política de boa vizinhança, houve muitas teses sobre o Brasil. Até eu fui convidado a visitar os Estados Unidos para participar de um congresso sobre estudos brasileiros, durante três meses. Em 1965, em nova ida aos EUA para dar cursos, vivi como um nababo: me hospedei no Waldorf Astoria, um carro do ano com motorista à disposição, tudo por conta do governo americano. Agora, porém, essa nova vaga parece ter raízes mais profundas e duradouras. Os historiadores Richard Morse, Thomas Skidmore (autor de “De Getúlio a Castello”), Stanley Stein e Richard Graham me parecem os melhores. A explicação para a escolha de determinados temas é relativamente fácil: a escravidão, por exemplo, é um dos temas americanos permanentes. Quando ouviram comentários de que tinha havido no Brasil o bom senhor, e escravos unidos – graças a um livro de Frank Tannembaum, “Slave and Citizen”, e a edição inglesa de “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre -, rapidamente o assunto virou moda. Já quanto aos temas contemporâneos, de Getúlio para cá, tive uma boa resposta quando, na Universidade de Berkeley, Califórnia, fiz esta pergunta a um brazilianist. Sua resposta: “Cuba”. A posição do Brasil como país estratégico, política e militarmente, tem se reforçado cada vez mais nos últimos tempos e por isso é preciso, do ponto de vista americano, conhecê-lo muito bem.

VEJA – Em que consistiu a contribuição dos brazilianists para a historiografia brasileira?

SÉRGIO BUARQUE – Existe um preconceito com relação aos historiadores americanos de que são ingênuos e pouco teóricos. Isso não é muito correto mas tem um fundo de verdade. Um amigo me contou que um dia encontrou um rapaz numa biblioteca americana preparando uma tese sobre o Renascimento. Perguntou-lhe se ele já tinha lido o celebérrimo livro de Jacob Burckhardt a respeito e obteve esta resposta: “Ainda não cheguei lá. Estou nos autores cujos nomes começam por A”. Isso ilustra a capacidade de coleta de material deles, espantosa em seu rigor e meticulosidade.

VEJA – Uma das críticas que se fazem, não somente ao historiador mas ao intelectual brasileiro em geral, é a de que ele tem a obsessão de ultrapassar rapidamente a realidade empírica e partir para a ensaística, ou interpretação teórica, sem bases sólidas.

SÉRGIO BUARQUE – Concordo integralmente, e é por isso que eu jamais escreveria de novo “Raízes do Brasil”. Principalmente porque o livro ficou no nível do ensaio. Não sou contra a ensaística ou a interpretação, mesmo hoje. Mas a pesquisa deve ser rigorosa e exaustiva. Se não, o resultado são apenas elucubrações, às vezes brilhantes, mas desvinculadas da realidade.

VEJA – De qualquer modo, não há jeito de escapar da ideologia?

SÉRGIO BUARQUE – Não. E é engraçado observar como diversas vezes, na História do Brasil, pessoas mascararam suas verdadeiras posições em função do momento político. Quando Dom Pedro I abdicou, devido a inúmeras pressões, no período imediatamente seguinte – a Regência – os grupos dirigentes permaneceram unidos, porque tinham pavor da volta dele ao poder. Somente depois de 1834, quando dom Pedro morreu, é que se revelaram as verdadeiras posições. Tanto que os conservadores fundaram seu partido em 1837, opondo-se aos moderados. O próprio Gilberto Freyre, quando surgiu, era tido como altamente revolucionário apenas porque usava palavrão, falava da vida sexual e era contra os jesuítas e a maçonaria. Grande parte do clero se voltou, decididamente, contra ele e contribuiu para forjar dele uma falsa imagem revolucionária.

VEJA – Os historiadores brasileiros têm tentado detectar as ideologias que determinam os fatos de nossa história e fazer uma revisão de tudo o que já foi dito?

SÉRGIO BUARQUE – A revisão da História não tem que ser absolutamente um momento privilegiado. Ela tem que ser feita a todo instante. A história não é prisão ao passado. Ela é mudança, é movimento, é transformação. E por isso estamos irremediavelmente presos a ideologias que na maioria das vezes são exóticas, pois não nasceram aqui. A atual geração de historiadores considera que a ideologia representa um pensamento falso. Mas eu pergunto: será possível assumir uma idéia que seja válida? Cada um de nós tem, no fundo, uma certa ideologia, um certo conceito de tempo. Para transcender isso, somente um gênio. E não devemos ficar eternamente de braços cruzados à espera desse ser excepcional, devorador de ideologias, que assumiria o ponto de vista da eternidade.

VEJA – Então, fazer história é reescrevê-la perpetuamente?

SÉRGIO BUARQUE – Eu diria, junto com Benedetto Croce, que toda história é história contemporânea. Ou seja, nós sempre privilegiamos um aspecto em função de nossa realidade. Por exemplo, quando Bismarck governava todo-poderoso a Alemanha, a Escola Prussiana de História, ao estudar a Grécia antiga, privilegiou muito as qualidades de Alexandre Magno, o homem forte que dominou toda aquela região por um bom tempo. Tudo isso em função de Bismarck. Nós contamos a história a partir da vivência cotidiana de nossos problemas, de nossa realidade. Os historiadores sempre foram e serão presa fácil de seu tempo.

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