Por uma greve geral humanitária
por Lincoln Secco – publicado originalmente na página do GMarx (Facebook).
Nunca antes a classe trabalhadora brasileira enfrentou um dilema assim: optar por um emprego letal ou lutar pela vida e exigir do Estado a inversão de suas prioridades. O Governo apostou em mobilizar sua base social com um discurso arriscado, porém racional em sua irracionalidade genocida. A famiglia no poder sabe que não tem opção: se aceitar a união sagrada com partidos, congresso e mídia vai se tornar parte do establishment e perderá qualquer possibilidade de reeleição.
Em Movimento
O bolsonarismo só existe como mobilização permanente. A pandemia retirou os holofotes de suas performances bizarras. E por um motivo óbvio. Seu discurso sempre teve como base uma doença imaginária. O corpo nacional íntegro, são e masculino só poderia ser violado pela “ideologia” que é tão invisível quanto o covid 19. A “ideologia” não pode ser vista, mas suas manifestações são sentidas no modo de vida. Aquele que acredita no discurso (ideológico) contra a ideologia sabe que seu inimigo está enraizado no cotidiano. Por mais que deseje a submissão da mulher, a erradicação da homossexualidade, o controle da educação e o fim das artes, reconhece que isso não é possível e que o “vírus” ideológico pode estar dentro dele mesmo. O líder manipula exatamente esse sentimento para a mobilização perene. Promete repressão para os que já se reprimem.
A Novidade
Ora, diante de um vírus real a manipulação entrou num curto circuito. As pessoas passaram a temer uma ameaça verdadeira. Paradoxalmente, o chamamento de Bolsonaro foi para a morte. Isso não nos deve espantar: os alemães sitiados ainda acreditaram na arma secreta do Führer. Na atualidade os fascistas creem no sacrifício para que continuem a rodar as roletas dos cassinos financeiros. É claro que seu apoio popular se fundamenta em interesses reais. Ao contrapor os efeitos da pandemia aos custos econômicos do lockdown o governo reaviva suas redes sociais e dialoga com milhões de pequenos comerciantes que fecharam as portas, inquilinos sem renda para o aluguel, famílias endividadas, os que temem uma onda de saques…
A Saída
Até que haja um remédio eficaz e uma imunização massiva para o vírus real a classe trabalhadora só terá uma saída: recusar-se a trabalhar. Se for bem sucedida a conjuntura vai mudar radicalmente. Porque isso só acontece a partir da base produtiva e não de disputas parlamentares. As relações de produção são antes de tudo relações de força. As centrais sindicais estão emudecidas diante de uma oportunidade única. A perspectiva para uma classe que não pretende morrer é não se alistar nos exércitos suicidas que reabrirão as empresas e, se necessário, promover uma greve geral humanitária internacionalista. É preciso declarar isso desde já.
Lincoln Secco é membro do GMarx – Grupo de Estudos de História e Economia Política – e professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.