Arquivo do mês: fevereiro 2015

Deputado Ivan Valente: considerações a respeito da desigualdade no Brasil e no mundo

O texto a seguir é de autoria do deputado Ivan Valente (PSOL-SP) e está circulando nas redes sociais. Como estive envolvido em discussões recentes a respeito da desigualdade no Brasil e no mundo, achei interessante voltar a trazer o tema no blog, repercutindo as reflexões propostas por Valente neste ótimo texto.

Espantosamente, a pobreza e a miséria está tão naturalizada que em algumas discussões, quando apresento a tragédia de números como estes, há quem se pergunte o que deve fazer para estar entre o 1% mais rico (ou 0,2% no caso do Brasil), em vez de pensar em meios de se distribuir a riqueza. Pior ainda, quando questionados sobre as razões de haverem a desigualdade no mundo, alegam que isso é assim porque sempre foi assim. É da natureza humana que haja desigualdade entre os homens e que de modo algum isso seria decorrente da maneira como a sociedade está organizada. Qualquer tentativa em buscar a igualdade, culminará na tragédia que se testemunhou no século XX.

Acredito que tais comentários decorram da falta de cultura e/ou da incapacidade de se colocar no lugar de quem vive na miséria. Talvez, embora ando meio desacreditado, textos como os do deputado Ivan Valente possa chamar algumas pessoas à reflexão à respeito de quais passos podemos dar em direção a uma sociedade menos desigual. Por isso optei por publicá-lo aqui. Espero que aproveitem.

A EXPLOSÃO DA DESIGUALDADE NO BRASIL E NO MUNDO
por Ivan Valente

desigualdade no mundo e no brasil

Na semana passada um estudo divulgado pela ONG britânica Oxfam chamou a atenção para uma questão cada vez mais grave, a partir do ano que vem os recursos acumulados pelo 1% mais rico ultrapassarão a riqueza do resto da população. Isso é ainda mais grave considerando que a concentração de riqueza entre os 99% restantes. Essa parcela detém hoje 52% dos recursos, porém, destes, 46% estão nas mãos de cerca de um quinto da população. A maior parte fica na verdade com apenas 5,5% das riquezas mundiais.

Se a escala da desigualdade global é revoltante, o mesmo se aplica ao Brasil e à América Latina. Segundo estudos divulgados nesta última segunda-feira pela Cepal (Comissão Econômica para América Latina e o Caribe), a pobreza atinge 28% da população latino-americana, 167 milhões, sendo que destes, 71 milhões se encontram em pobreza extrema ou indigência. O documento Panorama Social da América Latina mostra que a situação da pobreza na região se manteve estável entre 2012 e 2013. No entanto, a extrema pobreza aumentou de 11,3% em 2012 para 11,7% em 2013. As projeções apontam que em 2014 se registraria um novo aumento, até 12%, chegando aos 71 milhões em condição de extrema pobreza.

No caso do Brasil, os dados da Cepal revelam o aumento da quantidade de brasileiros que vivem em situação de extrema pobreza, com uma elevação de 5,4% para 5,9% entre 2012 e 2013. Esse índice vinha mantendo uma constância de queda nos últimos anos, para se ter uma ideia, em 2005 estava em 10,7%, segundo critérios da Cepal.

Uma questão que chama atenção é que a situação se manteve estagnada em relação ao índice de pobreza, mas com aumento em relação à situação de indigência, isso mesmo numa situação econômica um pouco mais estável, o que esperar então de um momento de crise, com duros cortes no orçamento e previsão de redução do crescimento.

Se aumenta a pobreza aumenta a concentração de riqueza, infelizmente, não existem políticas efetivas para combater toda essa desigualdade. Pelo contrário, no caso brasileiro, o modelo econômico adotado pelo governo Dilma e aclamado pela chamada grande mídia e pelo grande capital, só vai causar mais pobreza e desigualdade.

A iniquidade brasileira é algo gritante, um estudo publicado em dezembro de 2013 pela Receita Federal trouxe à tona dados alarmantes sobre a concentração de renda no Brasil. Um resumo publicado pelo site Brasil Debate sobre o estudo, os dados são de 2012, aponta que apenas 0,21% detinham 40,81% de toda a riqueza brasileira. Os 50% mais pobres apenas 2% da riqueza nacional, 36,99% ficavam com 10,60% e 13,01% com 87,40%. Destes últimos, apenas 0,9% das pessoas detinham 59,90% do total.

O modelo tributário no Brasil favorece a concentração existente. Para se ter uma ideia, no Brasil a alíquota máxima do imposto de renda é de 27,5%. Na Suécia é de 56,7%, na Alemanha de 45,0% e nos Estados Unidos de 39,6%. Também são bem menores no Brasil os impostos sobre herança e sobre ganhos de capital, do que nos países mais desenvolvidos.

Segundo esse mesmo estudo da Receita Federal, em 2012, 49,73% da arrecadação adveio dos bens e serviços, 17,84% da renda, 3,85% da propriedade, 26,53% da folha de salários e 2,04% de outros meios. Como o ganho dos mais ricos está centrado em rendimentos obtidos do capital, e como vemos, a estrutura tributária está centrada no consumo, podemos verificar que quem paga a conta não é quem está no topo da pirâmide.

As comparações internacionais mais uma vez tornam a situação brasileira ainda mais alarmante. Num estudo do economista Fábio Avila Castro (Imposto de renda da pessoa física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. 2014.115f. Dissertação Mestrado- Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2014) é possível constatar essas discrepâncias. No caso de impostos sobre herança, por exemplo, no Reino Unido a alíquota é de 40,00%; na França 32,50%; nos Estados Unidos 29,00%; na Alemanha 28,50%; na Suíça 25,00%; no Japão 24,00%, no Chile 13,00%; já no Brasil o tributo é de 3,86%. Já em relação às alíquotas máximas de dividendos de alguns países, na Dinamarca é de 42,00%, na França de 38,50%, no Canadá de 31,70%, na Alemanha é de 26,40%, na Bélgica é de 25,0%, nos Estados Unidos de 21,20% e na Turquia 17,50%. Já no Brasil, os dividendos são isentos de imposto de renda, a alíquota é 0,00%.

Muito se fala da elevada carga tributária brasileira, que aliás, sem querer se estender em comparações, também é menor do que a praticada nos países mais desenvolvidos, mas pouco se fala de que no Brasil os ricos pagam poucos impostos e mesmo com taxas abaixo da média internacional praticam uma fortíssima evasão fiscal. Dados divulgados pelo Sindicato dos auditores da receita federal apontam que em 2014 a sonegação de impostos no Brasil ultrapassou a marca de 500 bilhões de reais.

Entre outras medidas possíveis e necessárias para enfrentar o problema da desigualdade está a taxação das grandes fortunas. Um Projeto de Lei Complementar, o PLP 277/2008 de autoria da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados, que regulamenta o inciso VII do art. 153 da Constituição Federal – Imposto sobre Grandes Fortunas, já passou por todas as comissões da Câmara e está pronto para ir a plenário.

Sem mudança no sistema tributário brasileiro, não haverá combate efetivo à desigualdade. É óbvio que essa política tem de vir acompanhada de outras medidas, como o aumento do gastos públicos com setores fundamentais como saúde e educação, o combate à sonegação fiscal e o enfrentamento do problema da dívida, que consome quase metade do orçamento da União.

A desigualdade deve ser compreendida como ela é, como uma grave violação dos direitos humanos, como uma violência que submete milhões de pessoas às condições mais indigentes de vida. Não podemos aceitar que o abismo entre os mais ricos e o conjunto da população continue crescendo em ritmo acelerado, o combate à desigualdade é uma tarefa central, tanto no Brasil como no mundo.

Mandato Ivan Valente – PSOL- SP

Acesse o documento Carga Tributária no Brasil – Receita Federal – 2012
http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2012.pdf

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Luciana Genro rebate Eduardo Cunha sobre aborto no Brasil

Publicado originalmente no portal Pragmatismo Político | 10. Fev. 2015

LUCIANA GENRO SOBRE ABORTO: Eduardo Cunha não se incomoda em passar por cima dos cadáveres de milhares de mulheres.

Luciana Genro (PSOL-RS)

por Luciana Genro

“Aborto só será votado passando por cima do meu cadáver”, afirmou Eduardo Cunha. Ao que parece, o presidente da câmara não se incomoda em passar por cima do cadáver de milhares de mulheres. A cada dois dias, uma mulher morre em decorrência de abortos clandestinos feitos em condições desumanas.

Mais da metade das mulheres vítimas de procedimentos inseguros é negra e pobre. Segundo dados da Organização Mundial de saúde, o risco de morte para mulheres pobres, que fazem abortos em clínicas clandestinas inseguras, é multiplicado por mil.

São 850 mil abortos realizados por ano no Brasil. Não adianta ignorar os números. Na prática, a proibição não evita o aborto, mas arrisca a vida de mulheres que não podem pagar por um procedimento seguro. E reacende uma discussão muito relevante para o feminismo: pode o Estado legislar sobre o corpo das mulheres?

É preciso fazer este debate partindo de algumas premissas objetivas: (1) o número de abortos realizados por ano no Brasil (2) o número de mortes em decorrência de abortos inseguros. Essas premissas garantem que a discussão seja feita no campo político e não no campo moral ou religioso. Vale lembrar que o fundamento religioso para redução do direito de escolhas compromete o Estado Laico e a cidadania das mulheres.

Não é possível ser “pró-vida” e cruzar os braços diante de um número alarmante de mortes. Ou será que essas mortes incomodam menos por um perverso esquema de valoração da vida, que reduz a importância da morte de mulheres negras e pobres?

Esse debate, feito no campo político, será o requisito para que todas as mulheres tenham igualdades de condições para decidir livremente sobre seus corpos.

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