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Vélez Rodriguez e a faxina ideológica

por Milena Natividade

Faxina Ideologica

Chamada da Revista Veja para a entrevista concedida pelo atual Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, a Gabriel Castro e Maria Clara Vieira. Foto: Cristiano Mariz.

Ler criticamente a entrevista que o atual Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, cedeu à revista Veja é tão importante quanto analisar a fotografia que abre a matéria.

Vemos em primeiro plano a imagem, levemente embaçada, de uma pilha de livros. A identificação das obras exige alguma familiaridade com a historiografia: encontra-se empilhada a coleção de livros da UNESCO. A imagem desfocada é uma referencia sutil à coleção de História Geral da África, projeto que levou mais de 30 anos para ser construído e que busca tornar acessível ao público a longa, diversificada e complexa história do continente africano. A edição em português foi lançada durante o mandato de Fernando Haddad como ministro da Educação. Curiosamente, a lombada desses livros está voltada para nós, observadores, e não para Rodriguez, que se encontra em segundo plano na fotografia.

Além dele, em segundo plano também vemos outra pilha de livros. A composição dessa pilha, sobre a qual o ministro se apoia (se sustenta, se fundamenta), lembra uma pirâmide invertida. Sabemos que construções assentadas em bases instáveis não se mantém de pé por muito tempo, são fáceis de derrubar, desconstruir. Os livros dessa pilha não são exibidos para nós, observadores. As referências sobre as quais o atual ministro da Educação (literalmente) se apoia não são exibidas nem citadas.

Após a leitura da entrevista, fica evidente como nesse caso imagem e texto estabelecem uma relação de complementaridade de significados. Destaco dois dos vários excertos que confirmam a falta de embasamento sólido dos argumentos de Vélez Rodriguez.

Sobre a Universidade não ser para todos:

“Em nenhum país a universidade chega para todos, ela representa uma elite intelectual, para a qual nem todo mundo está preparado ou para a qual nem todo mundo tem disposição ou capacidade. Universidade não é elite econômica nem elite sociológica”.

Como se acesso à universidade, sobretudo pública e gratuita, fosse democrático e estivesse no horizonte de possibilidade para todos os grupos sociais. Os filtros que selecionam quem vai pertencer a tal “elite intelectual” não é só o vestibular, mas também são os de raça, classe, gênero.

Já sobre o fim das cotas, diz o ministro:

“As cotas são uma solução emergencial e, como tudo no Brasil, o provisório vira definitivo […] Quatro anos é pouco tempo. Mas tenho certeza de que, se fizermos o dever de casa, meu sucessor conseguirá iniciar esse processo”.

Se realmente as cotas são políticas de inclusão com prazo de validade, é falta, no mínimo, de bom senso dizer que não serão mais necessárias em quatro anos. A USP, por exemplo, só foi adotar o sistema de cotas raciais (na graduação) em 2017. Apesar de já surtir algum efeito, a quantidade de alunos ainda é majoritariamente branca.

Ao final da entrevista, gostaria que o fotógrafo Cristiano Mariz (brilhante, por sinal) pudesse ter dado a Coleção de presente para o ministro. Mais importante do que posar com livros é ler os mesmos.


Milena Natividade é bacharela e licenciada em História pela Universidade de São Paulo.

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Desempenho de cotistas no ENEM vira argumento contra as cotas sociais e raciais

Volto ao tema das cotas raciais, pois esta semana, durante uma discussão nas redes sociais, uma pessoa, após ver as notas de corte para o ingresso na UFMG, questionou a necessidade das cotas se alguns candidatos cotistas conseguem atingir notas de corte muito próximas ou até mesmo superiores às notas obtidas pelos não cotistas, como se pode ver pelas imagens abaixo.

Sisu UFMG 001

Sisu UFMG 004

Sisu UFMG 003

Sisu UFMG 002

Para entender as notas de corte dos cursos acima, é preciso levar em consideração a tabela explicativa abaixo:

Sisu UFMG 000

Se observaram bem, viram que em alguns cursos, a nota máxima atingida por alguns candidatos inscritos na modalidade um são superiores a de candidatos que foram aprovados com a nota mínima na modalidade de ampla concorrência.

Pois bem, pelo que entendi, esse camarada que perguntou da necessidade de se manter as cotas se as notas de corte entre candidatos cotistas e não cotistas não são tão distintas, toma como uma de suas premissas que as notas de corte dos cursos são o que justificam a política de cotas. Outra premissa tomada pelo colega é a de que a exceção (candidatos cotistas que atingem notas de corte superiores a não cotista) seja a regra e, se isso é verdade, logo, não haveria necessidade em se manter a política de cotas.

Para quem acha que essa argumentação faz algum sentido, entendo que convém explicar, ainda que de modo bastante esquemático, razões que justificam a política de cotas sociais e raciais começando pela apresentação de alguns dados.

Segundo os números do último censo realizado pelo IBGE (2010), 43,1% da população brasileira identificaram-se como pardos, 7, 6% declararam-se pretos, enquanto apenas 0,4% da população declararam-se indígenas. Deste modo, 51,1% da população brasileira é formada pelo conjunto desses indivíduos.

Até a promulgação da lei que garantiu a reserva de vagas em universidades públicas para pretos, pardos, índios e pobres (2012), o percentual de indivíduos desses grupos nas universidades públicas estava bem aquém dos números verificados na distribuição da população brasileira.

Em 2001, a Universidade de São Paulo (USP) apresentava a seguinte distribuição de seus alunos segundo o critério de cor ou raça empregado pelo IBGE: brancos (76,9%); pretos (1,2%); pardos (7%); indígenas (0,4%). Somando-se o grupo de pretos, pardos e indígenas verifica-se um total de apenas 8,6% dos alunos de 2001. (Fonte: http://www.fflch.usp.br/sociologia/asag/relatorio_substantivo.pdf).

Em 2010 os números dessa mesma universidade eram: brancos (77,4%); pardos (10,6%); pretos (2,1%); indígenas (0,2%). Pretos, pardos e indígenas somados (12,9%), um aumento de 4,3% em relação aos números da década anterior. (Fonte: https://desigualdadesespaciais.wordpress.com/tag/segregacao-racial/).

Foi justamente essa diferença observada entre a distribuição étnica dos alunos das faculdades públicas brasileiras e a distribuição populacional do conjunto da sociedade brasileira que levou à criação de uma lei autorizando as universidades adotarem reserva de vagas para pretos, pardos, índios e pobres nas universidades públicas brasileiras.

Assim, ainda que em teoria todas as pessoas que concluíram o ensino médio, independente de sua cor ou faixa de rendimento, possam participar do vestibular, na prática, a forma como a avaliação desse processo seletivo foi concebida (tipo de conteúdo e seleção por notas de cortes iguais para todos os participantes de um mesmo curso) ainda é a principal causa da exclusão dos indivíduos pretos, pardos e indígenas do processo em universidades que não adotaram as cotas sociais e raciais.

Desta forma, fica evidente que ao contrário da premissa tomada pelo colega, a nota de corte é um dos mecanismos de exclusão dos candidatos e não a justificativa da existência da política de cotas nas faculdades. Como busquei demonstrar, a justificativa das políticas de cotas são os baixos índices de pretos, pardos, índios e pobres nas universidades públicas em comparação ao número de indivíduos desses grupos na sociedade brasileira.

Quanto à questão formulada pelo camarada, isto é, da necessidade de se manter a política de cotas uma vez que as notas de alguns candidatos cotistas chegam próximo ou até mesmo superam a de não cotistas, esta é bastante simples responder. Se o objetivo das políticas de cotas é garantir que um grande volume de pretos, pardos, índios e pobres entrem nas universidades públicas para que os índices desses grupos possam se aproximar aos índices verificados na distribuição da sociedade brasileira, então não se pode tomar a exceção como regra. Os candidatos cotistas que tiram notas superiores ou próximas às dos candidatos não cotistas ainda são exceção. A maior parte dos cotistas aprovados nos processos seletivos das universidades federais ingressaram com notas de corte inferiores aos dos candidatos não cotistas, como era de se esperar. Apesar disso, como as pesquisas tem demonstrado, o desempenho desses alunos após terem entrado nas universidades é, em média, superior ao dos não cotistas, como se pode ver nesta matéria publicada no portal Pragmatismo Político.

Portanto, entendo que apesar de a nota de corte de alguns candidatos cotistas serem até maiores do que a de não cotistas, isto não é um argumento que justifique o cancelamento das políticas de cotas raciais e sociais nas universidades públicas brasileiras, já que esta não é a regra observada no conjunto da maioria dos candidatos da maior parte dos cursos e, além disso, pelas universidades públicas ainda estarem longe de terem 51% de alunos pretos, pardos e índios entre seus alunos.

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Apenas a elite de São Paulo e do país tem acesso à USP

por Nadine Nascimento
publicado originalmente em Brasil de Fato | 04.jan.2016

Hugo Nicolau, aluno de geografia, elaborou estudo sobre composição racial da instituição. Pesquisa demonstra que negros são maioria apenas entre trabalhadores terceirizados na universidade.

USP

Divulgação/USP

“A Universidade de São Paulo é branca, seus alunos e professores são brancos, os negros são minoria na USP. Os negros só são maioria entre os funcionários terceirizados da limpeza, segurança, alimentação, com condições de trabalho precárias, atraso de salários e outras ilegalidades denunciadas inúmeras vezes pelos funcionários e pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP”, diz estudo que retrata a distribuição espacial de negros na Universidade de São Paulo.

Onde estão os negros na USP?” publicado no blog “Desigualdades Espaciais”, é um conjunto de mapas que apresentam a distribuição racial na instituição. Feito pelo estudante de geografia Hugo Nicolau, o estudo constatou que o número de negros na Universidade de São Paulo é ainda muito desproporcional em relação a sociedade em geral.

Através da análise de dados do vestibular da Fuvest, da prefeitura de São Paulo e do IBGE, Nicolau distribuiu por cor a comunidade da USP no mapa da universidade.

Em 2010, 77% dos alunos que ingressaram na universidade eram brancos, 10% pardos, 10% asiáticos e apenas 2% eram pretos.

“Em todos os cursos, com exceção da geografia, tem mais asiáticos do que negros. Os asiáticos correspondem a 1% da população de São Paulo, os negros são 34%, e na USP a quantidade de negros, pardos e pretos, se equivale a de asiáticos”, diz Nicolau.

Ainda que todas as universidades federais do país e algumas estaduais tenham implementado o sistema de cotas, a USP reluta em implementar o programa que reserva vagas para negros e conta apenas com uma bonificação na nota final.

O Inclusp e o Pasusp dão um acréscimo de 15% na nota da Fuvest para alunos do ensino público e 5% a mais se o estudante estiver incluído “no grupo PPI” – raça ou cor preta, parda ou indígena.

Para Nicolau, “um bônus de 5% no resultado final do vestibular é insignificante, pois não é suficiente para igualar o nível de quem teve um ensino fundamental e médio deficientes com quem sempre estudou nas melhores escolas”.

“A minha conclusão é que essas políticas de inclusão são só para mostrar que existem, mas elas não funcionam. A relutância em implantar o sistema de cotas está no fato de ser uma universidade elitista, assim, apenas a elite de São Paulo e do país tem acesso à USP”, conclui o estudante.

Ainda segundo o estudo, dos dez cursos mais concorridos do vestibular da instituição, 6 deles não possuem nenhum negro. Para tentar mudar esse quadro, grupos como Ocupação Negra e a Frente Pró-Cotas cobram da universidade um posicionamento positivo em relação ao sistema de cotas.

O Ocupação Negra, criado em 2015, realiza intervenções durante as aulas e a ideia, segundo Marcelo Moreira, é “primeiro fazer a denúncia do racismo institucionalizado e cobrar de maneira forte da instituição, dos professores e dos alunos de que a gente precisa das cotas raciais como uma ferramenta de ação afirmativa para modificar essa situação. Queremos cotas raciais, e quando falamos isso, a gente quer o ingresso de no mínimo 35% de alunos negros na USP.”

Moreira critica o fato da universidade ter se tornado “um centro de poder e um privilégio para poucos”. Para ele, “desde de sua criação, a USP era destinada para uma elite branca, para que esta tenha a dominância intelectual do nosso país. Nesses 80 anos isso só cristalizou. Há uma forte resistência dessa elite para que haja a manutenção desses privilégios”.

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[PORTAL FÓRUM] Desconstruindo o discurso de Fernando Holiday

Estava por redigir um texto refutando a fraca argumentação apresentada por Fernando Holiday nos vídeos que viralizaram na Internet, mas encontrei este texto de Anna Beatriz Anjos publicado no Portal Fórum, que reproduzo aqui .

Segue a repercussão do texto publicado originalmente no Portal Fórum em 27.mar.2015.

DESCONSTRUINDO O DISCURSO DE FERNANDO HOLIDAY
por Anna Beatriz Anjos

Eliane Oliveira e Silvio de Almeida, estudiosos da questão negra no Brasil, confrontam as declarações dadas pelo estudante em vídeos que repercutiram nas redes.

Os vídeos de Fernando Holiday, integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), espalharam-se pelas redes na última semana. Nas gravações, ele faz críticas intensas a diversas pautas do movimento negro no Brasil, sobretudo, às cotas raciais.

As falas do rapaz, muitas vezes agressivas, geraram polêmica. Enquanto negras e negros tentavam desconstrui-las, inúmeras pessoas brancas as utilizaram para justificar o combate a medidas que tenham como objetivo a igualdade racial.

Ninguém conhece o racismo e as lutas dos negros brasileiros como eles próprios. São, consequentemente, os únicos que podem ser protagonistas na discussão dessas questões. Por isso, Fórum entrevistou dois negros estudiosos do tema, que avaliaram o discurso de Fernando em um de seus vídeos mais assistidos (veja abaixo).

“O rapaz reproduz um discurso racista porque, no fim das contas, ele é uma vítima do racismo. Sua própria visibilidade é o resultado de uma sociedade racista e que só dá espaço para jovens negros que estejam dispostos a ratificar o pensamento dominante e se comportar de acordo com certas expectativas”, explica o advogado Silvio de Almeida, professor das universidades Presbiteriana Mackenzie e São Judas Tadeu e presidente do Instituto Luiz Gama.

Para Eliane Oliveira, mestre em Ciências Sociais e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros (NEIAB) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), há contraponto para as opiniões de Holiday:

“Em tempos passados, provavelmente seria de fato um problema, mas os espaços acadêmicos estão cada vez mais pretos, ou seja, pessoas com esse tipo de discurso irão encontrar pela frente alguns opositores. Ele ganha visibilidade, mas nossa luta também, é no embate que mostramos nossas armas, escancaramos para a sociedade a ferida aberta que é o racismo brasileiro”.

Eliane Oliveira

Cotas 

“O governo se demonstra preconceituoso no momento que institui as cotas raciais, porque está admitindo que eu, por ter um pouco mais de melanina, preciso roubar vagas dos outros. Isso não é justo. Não preciso roubar vaga de ninguém!”, aponta Fernando Holiday no vídeo em questão. Este é um dos principais argumentos que emprega para defender que cotas seriam desnecessárias.

“É um argumento que parte de uma premissa mentirosa, pois só se ‘rouba’ de alguém que é proprietário. Ninguém é dono de uma vaga em universidade pública porque é branco ou  ‘bem nascido’”, diz Silvio de Almeida. “É uma falácia que desconsidera o fato de que, quando nos referimos às vagas em universidades, estamos falando de algo que é público, mas que historicamente tem sido apropriado por critérios raciais e de renda. Isso é antirrepublicano, e o mais engraçado é que no fundo também é um discurso antiliberal, porque defende a perpetuação de privilégios.”

“As cotas são políticas públicas que visam a justamente romper os privilégios raciais que nitidamente pautam o acesso ao ensino superior e a todas as instâncias de poder. Portanto, o que foi dito nem chega a ser um argumento; não passa de uma bobagem”, adiciona.

Na mesma linha argumenta Eliane Oliveira. “Não é tirar vaga de ninguém, é dar aos sujeitos que ficaram por anos fora desse espaço a possibilidade de acesso. Democratizar o ensino superior é buscar a equidade entre os sujeitos”, explica.

Como muitos críticos da política de cotas, Holiday questiona seu viés racial, defendendo que ela deveria adotar, na verdade, um critério que levasse em conta as classes sociais. “Por que negro pobre precisa de mais benefício do que branco pobre? Ah, entendi. O governo está falando que o preto é mais burro do que o branco”, declara no vídeo. Por que essa afirmação é equivocada?

“Não precisa ser nenhum pesquisador para perceber essa necessidade [de que cotas tenham viés racial], basta fazer o teste e olhar para os lados. Um país onde pouco mais da metade da população se autodeclara negra, mas vemos os negros, em maior número, em funções socialmente degradadas exige essa reparação histórico-social”, pontua Oliveira. “Nossa sociedade é profundamente racista, o mito da democracia racial só existe nos textos acadêmicos. Quando eu entrar numa sala de aulas e metade dos estudantes for negra, aí vou considerar que as cotas[raciais] não são necessárias.”

Meritocracia

Ainda em relação às cotas raciais, Holiday apela à questão da meritocracia para deslegitimá-las. “O negro não precisa roubar vaga de ninguém, a gente consegue entrar por mérito”, considera.

“Meritocracia é um discurso que visa justificar privilégios raciais e de classe. Não há ‘mérito’ possível num contexto de profunda desigualdade. A meritocracia nada mais é do que um discurso racista para colocar negros e negras como responsáveis pelas injustiças que sofrem”, assinala Silvio de Almeida.

“O que é espantoso nesse discurso é que ele retira qualquer perspectiva histórica dos problemas. Há algumas décadas um jovem negro, por mais brilhante que fosse, jamais poderia estudar numa universidade simplesmente pelo fato de ser negro, independente do mérito que pudesse ter. Foi a luta do movimento negro que abriu espaço para que os negros pudessem estudar. Se há ‘mérito’ a ser avaliado é porque antes houve luta de milhares de negros e negras que ficaram pelo caminho”, relembra o advogado.

Na avaliação de Oliveira, “uma concepção que fomenta a competição entre desiguais irá beneficiar aquele sujeito cujo capital cultural e financeiro está em superioridade em relação a muitos outros que não tiveram as mesmas oportunidades na vida. Não é medindo o esforço individual, numa sociedade desigual, que devemos avaliar o acesso ao ensino superior”.

O advogado Silvio de Almeida (Reprodução/Youtube)

Zumbi dos Pamares x Adolf Hitler

Uma das declarações que mais chocou no discurso de Fernando Holiday é a analogia entre Zumbi dos Palmares, um dos maiores símbolos da resistência negra no Brasil, e Adolf Hitler, o ditador alemão que exterminou cerca de 6 milhões de judeus durante o Holocausto. “Um dia da Consciência Negra para homenagear Zumbi é a mesma coisa que criar um dia da ‘Consciência Branca’ para homenagear Hitler”, diz.

“Zumbi e Hitler no mesmo patamar é algo que não consigo conceber na fala de qualquer pessoa, independente da cor da pele. Contextos históricos e políticos distintos. Um negro não considerar Zumbi um mártir, tudo bem, mas daí a colocá-lo no mesmo pé de igualdade com as atrocidades cometidas por Hitler, não sei se considero falta de conhecimento, ingenuidade ou má fé”, aponta Oliveira. “Existem grandes historiadores que relatam a atuação de Zumbi, um pouco de interesse leva a boas leituras.”

Já para Almeida, a afirmação do estudante tem intenção evidente. “Fica claro que o único objetivo da comparação é ofender negros e negras atacando o símbolo máximo da resistência contra o sistema escravista, que é Zumbi dos Palmares”, destaca. “Não passa, portanto, de uma formulação grosseira, mal educada e pouco inteligente, diga-se.”

Machismo

No vídeo, Holiday vai além do debate sobre racismo, cotas e o papel do negro na sociedade, do qual é protagonista. Quis tratar também sobre mulheres, desrespeitando os limites de seu lugar de fala. O resultado foi uma série de colocações misóginas e ofensivas. “Se é assim, então vamos fazer cotas para ‘gostosa’, porque existe na sociedade o preconceito de que toda ‘gostosa’ é burra. Então vamos fazer cotas para ‘gostosa’, porque tem muito lugar aí que está faltando. A FFLCH[Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP] que o diga: se fosse assim, não seria aquele zoológico, aquele pulgueiro.”

Eliane Oliveira, também feminista, vai no ponto ao analisar o discurso machista do rapaz. “Se a pessoa não problematiza o racismo, sendo o negro, não irá dimensionar a problemática do machismo. Problematizar racismo e machismo é mais que ponderar privilégios, é colocar em prática a alteridade. Colocar-se no lugar do outro só é possível quando você conhece a si mesmo. Neste caso, diante do discurso apresentado, acredito não ser possível tal exercício”, assinala.

Fórum entrou em contato com Fernando Holiday, mas não obteve resposta.

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As Cotas Raciais analisadas à luz da Constituição Cidadã

O Hum Historiador repercute o excelente texto publicado por Gabriela no portal Causas Perdidas, que faz uma importante análise das Cotas Raciais à luz da Constituição Brasileira de 1988. Diferentemente do que muito se escuta como argumentação em defesa da não adoção das cotas raciais por estas, presumivelmente, ferirem a Constituição brasileira, o texto demonstra como, através das diversas políticas de inclusão, tais como as cotas raciais e sociais, serem os caminhos que buscam promover a igualdade ao tratar de modo desigual os desiguais.

Abaixo a reprodução na íntegra do texto tal como foi publicado hoje pela manhã.

COTAS RACIAIS E A CONSTITUIÇÃO
por Gabriela | para o Causas Perdidas em 05.jan.2015

O Artigo n.5 da Constituição Brasileira é frequentemente utilizado como argumento para invalidar a importância das cotas raciais. O artigo diz:

“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade(…)”

Será que desta forma esta política afirmativa estaria ferindo a constituição? Pelo contrário.

O que muitos ignoram é o fato de o artigo citado ser um objetivo, não o caminho a ser trilhado. Os caminhos são as diversas políticas de inclusão, que visam promover a igualdade, tratando de maneira desigual os desiguais. A confusão mais comum atribuída a isto é confundirem desigualdade existente, e que vai pautar a necessidade e aplicação de cada projeto social, com discriminação.

Desigualdade, neste sentindo, se refere à situação dos diferentes grupos sociais. Desta forma, as políticas afirmativas tratam os desiguais na medida de suas desigualdades, e assim fazem valer a lei que confere aos cidadãos o direito de igualdade.

Quando grupos mais privilegiados criticam o governo por este trabalhar mais por pobres e negros, por exemplo, e dar menos atenção aos ricos, esquecem que o papel do governo é exatamente aplicar seus esforços para diminuir a desigualdade e a miséria. Sendo necessário, portanto, que as populações mais vulneráveis recebam mais atenção. Afinal, quem está mais à margem da sociedade? A população que consegue pagar uma escola particular e planos de saúde ou aqueles que moram em regiões que ainda desconhecem luz elétrica e saneamento básico?

Ainda que o governo precise zelar pelo bem estar de absolutamente todos os cidadãos, são os menos favorecidos que precisam de mais cuidado e é a eles que precisam ser dadas as oportunidades das quais a classe média já desfruta. Neste caso, o acesso ao ensino superior por pessoas negras e pobres.

Inconstitucional é que 50% da população seja declaradamente negra mas ainda distante das cadeiras universitárias e sem direito a opção sobre qual carreira seguir. Inconstitucional é que a população negra continue aceitando compulsoriamente cargos em empregos com condições péssimas de trabalho, submetendo-se a salários baixos e tendo negada a chance de crescimento.

As cotas sociais oferecem o caminho para que a população faça parte do Artigo n.5, porque a lei não se cumpre somente por existir, ela precisa de meios para ser alcançada.

Em um artigo publicado no site da Universidade Federal de Minas Gerais temos o seguinte apontamento:

“Na visão, entre outros juristas, dos ministros do STF, Marco Aurélio de Mello, Antonio Bandeira de Mello e Joaquim Barbosa Gomes, o princípio constitucional da igualdade, contido no art. 5º, refere-se a igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei. A igualdade de fato é tão somente um alvo a ser atingido, devendo ser promovida, garantindo a igualdade de oportunidades como manda o art. 3º da mesma Constituição Federal. As políticas públicas de afirmação de direitos são, portanto, constitucionais e absolutamente necessárias.”

(https://www.ufmg.br/inclusaosocial/?p=53)

Dentro da população brasileira temos muitos grupos em situação de vulnerabilidade social. Por exemplo: negros, população LGBT, população em situação de rua, população indígena, entre outros. Muitas vezes as pessoas pertencem a mais de um grupo. A elas deve ser concedido o direito de estarem mais seguras.

Assim podemos afirmar que as políticas sociais são o que fazem cumprir o Artigo n.5.

Revisado por Mario Lousada

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Regra e exceção

Em discussões sobre assuntos polêmicos ocorre, com certa frequência, que algumas pessoas utilizem a tática de transformar exceções em regras (e vice-versa) em busca de confirmarem sua argumentação. Aqui neste blog, ou em minha vida particular, sempre ocorre uma situação em que alguém faz uso deste artifício. Ocorrência mais comum se dá quando o tema em questão é a adoção das Cotas Sociais e/ou Raciais ou a diminuição da maioridade penal.

O exemplo das cotas raciais é o mais clássico e já deve ter ocorrido com qualquer um que se colocou a discutir sobre o assunto. Em um dado momento, a pessoa que está argumentando contra as cotas vai dizer que estudantes pobres e afro-descendentes, mesmo tendo tido acesso exclusivamente à educação em escolas públicas, conseguem entrar nas principais universidades do país mediante hercúleo esforço individual e que, portanto, os demais alunos da rede pública e/ou afrodescendentes não entram porque não se esforçam o tanto quanto os que conseguiram entrar se esforçaram.

Exemplo típico de transformar a exceção em regra, minimizando o esforço do que conseguiu entrar e fazendo uma generalização absurda em relação àquela maioria que fracassou no ingresso da universidade pública por uma falha de todo o sistema educacional público, transferindo a culpa exclusivamente para os alunos que, para essa pessoa, é considerada preguiçosa ou burra.

Nesta semana, enquanto estava na sala dos professores de uma escola da rede pública de São Paulo, uma de minhas colegas discutia o tema da diminuição da maioridade penal com outro professor. Ela alegava ser contra a redução, claro, mas utilizava uma argumentação toda proveniente dos setores mais reacionários da nossa sociedade. Começou a falar que o Estado não deveria pagar pelo sistema prisional e que, o custo de cada preso deveria ser pago, na verdade, pelo próprio presidiário através da prestação de serviço à empresas privadas que fizessem parcerias com o Estado, e coisas do gênero.

Ocorre que, quando questionada sobre qual razão teria levado os presos ao sistema prisional, a mesma colega logo respondeu que o fato se dera por uma opção do indivíduo que, diante de dois caminhos possíveis, optou pela vereda do mal. Indagada sobre a possibilidade de a sociedade, como um todo, haver falhado na integração de tal indivíduo na vida social, a colega prontamente negou. Mais ainda, para a professora, dificilmente os presídios teriam condições de ressocializar os presos, pois uma vez nos presídios, o mais provável é que eles saíssem de lá piores do que entraram.

Para exemplificar toda sua argumentação, de modo especial, o ponto defendido de que a culpa dos crimes cometidos pelos infratores é só deles, e não da sociedade, a colega professora citou os casos de mães que abandonam seus filhos em latas de lixo, ou em lagos e rios, matando-os. Caso típico de pessoas que optaram pelo “caminho do mal”, em uma situação que é bastante clara saber o que é “certo e errado”. Sem levar em consideração que tais casos são minorias absolutas, ou tampouco se questionar se uma pessoa que comete tal crime pode sofrer de alguma doença, a colega isenta toda a sociedade de culpa do crime cometido e, em seguida, julgou e condenou a infratora a penar nos presídios, tendo que prestar serviço análogo à escravidão a empresas privadas em parceria com o governo do Estado.

Infelizmente, até mesmo professores não percebem como o problema prisional do país está diretamente relacionado com a educação de péssima qualidade que oferecemos a nossos cidadãos. Pior ainda, em uma sociedade extremamente marcada pela desigualdade social, como a brasileira, acreditam em um sistema prisional meramente punitivo, que não busca a reinserção dos presos na sociedade e que, uma das ações dos governos, é garantir que não faltem presídios, além de que os presos não sejam um ônus para a sociedade.

Como dizia o poeta, o mundo está realmente ao contrário e ninguém reparou.

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O liberalismo racista de Thomas Sowell divulgado pelo IMB

Thomas Sowell (reprodução)

Thomas Sowell, economista estadunidense e membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford, escreveu um texto sobre racismo e cotas raciais, que foi traduzido por Leandro Roque e publicado no portal do Instituto Ludwig von Mises Brasil (IMB).

Intitulado Afinal, quem são os racistas?, Sowell não faz nada além do que utilizar o velho recurso de culpar a vítima para, de modo bastante cruel, apontar o que ele julga ser prática de racismo por parte da liderança dos movimentos negros em sua luta pela aprovação de políticas públicas com adoção de ações afirmativas. Isto é, inverte a acusação de racismo que os movimentos negros fazem à sociedade estadunidense, acusando essa mesma liderança de praticar o racismo na busca de vantagens financeiras para si e/ou para o grupo que representam.

Com uma argumentação tacanha, o autor compara a situação dos afro-descendentes estadunidenses com a de imigrantes asiáticos que, após abandonarem seus países de origem e se estabelecerem em uma cultura bastante distinta da deles, conseguem prosperar e enriquecer sem auxílio de “favores”:

“(…) em vários países ao redor do mundo, inclusive naqueles países chamados de terceiro mundo, vários imigrantes extremamente pobres, principalmente oriundos da Ásia, não apenas conseguem prosperar mesmo sendo de uma cultura totalmente distinta, como também conseguem enriquecer sem jamais recorrer a favores especiais e a políticas de ação afirmativa”.

Em seu discurso ideologizante, Sowell faz questão de ignorar as diferenças inerentes dos processos históricos que levaram os africanos à América e condicionaram a situação dos afro-descendentes nos Estados Unidos nos séculos XX e XXI; e dos fenômenos que levaram ondas de asiáticos a imigrarem para os mais diferentes países. Para o liberal da Escola de Chicago, tais experiências seriam equivalentes e, justamente por isso, faz sua comparação absurda, para não dizer mal intencionada.

Sowell não para por aí. Como se não bastasse a comparação despropositada, continua a detalhar o exemplo do imigrante asiático, descrevendo a razão do sucesso desses grupos prosperarem e enriquecerem nos países para onde imigram. A receita de Sowell é a seguinte:

“Eles [imigrantes asiáticos] frequentemente começam trabalhando em empregos de baixa remuneração.  Mas trabalham muito.  A norma é trabalharem em mais de um emprego.  Trabalham tanto que conseguem poupar e, após alguns anos, utilizam esta poupança para empreender.  Muitos abrem um pequeno comércio, no qual continuam trabalhando longas horas e ainda continuam poupando, de modo que se tornam capazes de mandar seus filhos para a escola e para a faculdade.  Seus filhos, por sua vez, sabem que seus pais não apenas esperam, como também exigem, que eles sejam igualmente disciplinados, bons alunos e trabalhadores”.

Ao descrever a “receita do sucesso” do imigrante asiático em terras americanas, Sowell revela dois aspectos que não estão colocados explicitamente em seu discurso:

  • O afro-descendente não prospera e enriquece nos Estados Unidos porque é preguiçoso e não quer trabalhar do mesmo modo como fazem os asiáticos que imigraram para aquele país;
  • Um indivíduo só conseguirá “prosperar ou enriquecer” nessa sociedade ideal que ele defende, se ele mesmo permitir que o mercado faça uma exploração selvagem de sua força de trabalho e, como se isso não bastasse, em seguida, depositasse no sistema financeiro todo o fruto de seu trabalho para, uma vez mais, ser brutalmente explorado.

Esta é, portanto, a visão de Sowell sobre como os afro-descendentes deveriam proceder para prosperarem e enriquecerem nos Estados Unidos. Jamais deve ser através do Estado, isto é, da organização em associações e movimentos que reivindiquem de seus representantes no legislativo a votação de políticas públicas que adotem ações afirmativas para a superação da condição de marginalidade dos afro-descendentes naquele país, decorrente do processo histórico de escravização, discriminação, racismo e segregação vivido por esses grupos e seus descendentes desde o século XVII.

Tal posicionamento fica ainda mais evidente no texto de Sowell quando ele tenta explicar a razão dos asiáticos serem tão bem sucedidos:

“(…) seu sucesso pode ser atribuído a algo que eles não têm: “líderes” e autoproclamados porta-vozes lhes dizendo diariamente que são incapazes de prosperar por conta própria, que o sistema está contra eles, que eles não têm chance de ascender socialmente caso não sigam os slogans repetidos mecanicamente por estes líderes e sociólogos, e que por isso devem se juntar sob o rótulo de “vítimas do sistema” e exigir políticas especiais e tratamento diferenciado (…) infelizmente, é exatamente esta linha de raciocínio, só que em relação aos negros, que vem sendo diariamente propagada por acadêmicos e sociólogos irresponsáveis (…) que dizem precipitadamente que determinadas pessoas não podem ascender e prosperar a menos que haja um empurrão do governo”.

É aqui que Sowell revela o que aflige sua alma liberal, aquilo que ele denominou “o empurrão do governo”. Não vou sequer deter-me no fato dele considerar políticas públicas de ações afirmativas como “empurrão do governo”. O que realmente o incomoda é o fato de tais políticas serem financiadas com recursos do contribuinte e, por isso, servirem de justificativa para o governo aplicar recursos dos impostos em políticas sociais. Vê o tal iniciativa como um custo para o Estado, não um investimento. Na cabeça de gente como Sowell, se o governo tem mesmo que cobrar impostos, que esses recursos sejam revertidos em infraestrutura ou incentivos para o empreendedorismo, não em políticas sociais. Assim, entende-se a razão de Sowell descrever aqueles que lutam pelos direitos dos afro-descendentes da seguinte maneira:

“(…) as pessoas que dizem falar em prol do “movimento negro” sofreram uma mutação de caráter: se antes possuíam uma alma nobre, hoje não passam de charlatães descarados.  Após a implantação definitiva de políticas de ação afirmativa nos EUA, esses charlatães perceberam que era muito fácil ganhar dinheiro, poder e fama ao redor do mundo ao simplesmente se dedicarem à promoção de ações e políticas raciais que são totalmente contraproducentes aos interesses das pessoas que eles próprios dizem liderar e defender”.

É a partir desse momento que Sowell partirá para a cruel estratégia de inversão de valores através da tática de culpar a própria vítima pela situação em que se encontra. É justamente aqui que ele passará a defender, como sugere o título, que racista é quem luta pelos direitos dos afro-descendentes em uma sociedade na qual os direitos civis já foram conquistados:

“Essa postura de dizer aos seus “seguidores” que eles são mais atrasados, tanto econômica quanto educacionalmente, por causa de outros grupos “opressores” — e que, portanto, eles devem odiar estas outras pessoas — tem paralelos na história recente.  Essa foi a mesma motivação utilizada pelos movimentos anti-semita no Leste Europeu no período entre-guerras, pelos movimentos anti-Ibo na Nigéria na década de 1960, e pelos movimentos anti-Tamil, que fizeram com que o Sri Lanka, outrora uma nação pacífica e famosa por sua harmonia intergrupal, se rebaixasse, por influência de intelectuais, à violência étnica e depois se degenerasse em uma guerra civil que durou décadas e produziu indescritíveis atrocidades”.

Em mais uma generalização absurda e criminosa, repleta de má fé, Sowell compara a liderança de movimentos negros que defendem a criação de políticas públicas para a adoção de ações afirmativas visando a mudança da condição de marginalidade do negro na sociedade estadunidense, à movimentos anti-semitas do Leste Europeu, movimentos anti-Ibo na Nigéria e movimentos anti-Tamil no Sri Lanka. Para Sowell é tudo a mesma coisa e, portanto, os verdadeiros racistas são essas pessoas, que ele então acusa formalmente em seu texto:

“Tais líderes possuem incentivos em demasia para promover atitudes e políticas polarizadoras que são contraproducentes para as minorias que eles juram defender e desastrosas para o país.  Eles se utilizam das minorias para proveito próprio, atribuindo a elas incapacidades crônicas que supostamente só podem ser resolvidas por políticas que eles irão criar.  Eles são os verdadeiros racistas”.

Se fizermos uma contraposição do que disse Thomas Sowell com os resultados da política estadunidense tocada nos últimos 50 anos após a legislação anti-segregacionista implementada após as lutas pelos direitos civis nas décadas de 1950 e 1960, veremos que, com muito esforço, os afro-descendentes vão conseguindo ascender socialmente cada vez mais, no entanto, ainda estão longe de terem uma situação de igualdade, além de persistir uma “segregação”, diferente da que existia na década de 60, mas muito perceptível nas principais cidades estadunidenses.

UM NOVO TIPO DE SEGREGAÇÃO ENTRE BRANCOS E NEGROS NOS ESTADOS UNIDOS 

Em matéria publicada na Folha de S. Paulo neste último dia 02 de julho, na qual Isabel Fleck comenta os 50 anos do fim do Apartheid estadunidense, um infográfico traz indicadores socioeconômicos sobre brancos e negros nos Estados Unidos na década de 1960 e atualmente. Veja abaixo um desses infográficos:

Fonte: Folha de S. Paulo (02.jul.2014)

Fonte: Folha de S. Paulo | Caderno Mundo | 02.jul.2014

Olhando para esses indicadores, vê-se claramente que mesmo depois de 50 anos, e com toda a luta travada por lideranças de diversos movimentos por direitos civis (Martin Luther King e Malcom X) e pela a adoção de ações afirmativas buscando alterar a condição do afro-descendente na sociedade estadunidense nesses últimos 50 anos (1964-2014), ainda assim, os progressos estão longe de serem os desejados, mostrando que os Estados Unidos ainda continuam segregados.

Pode-se destacar, ainda, que a diferença entre a parcela de negros e brancos desempregados, por exemplo, é maior hoje do que há 50 anos. Pior que isso, a renda média de uma família afro-descendente é dois terços menor do que a de uma família branca não hispânica. Também pode-se observar que o valor do acúmulo de bens desses brancos não hispânicos que há 30 anos era quatro vezes maior do que a dos afro-descendentes, em 2010 já era seis vezes maior. Por fim, pode-se destacar ainda que a diferença entre brancos e negros acima de 25 anos que concluíram o ensino superior nos EUA aumentou sete pontos percentuais, enquanto a população carcerária segue sendo majoritariamente negra.

Curiosamente, um colega de Sowell na Universidade de Stanford, Gavin Wright, afirmou para a reportagem da Folha:

“(…) a raça ainda é fator determinante nos EUA hoje, e isso é refletido nos indicadores econômicos. A combinação entre pobreza e isolamento racial é o que torna as expectativas de mobilidade econômica e social tão desanimadoras”.

Ainda nessa mesma reportagem, destaca-se a grande segregação existente entre brancos e negros nas grandes cidades americanas, nas quais cada grupo estão divididos em seus respectivos bairros. Segundo estudos da Brown University, destaca a reportagem, Nova York, Chicago e Miami estão entre as dez cidades mais “segregadas” entre brancos, negros e latinos dos EUA. Já outro estudo da Universidade da Califórinia demonstram que o estado de Nova York, por exemplo, apresenta as salas de aula mais “segregadas” de todo o país, sendo que apenas 8% das escolas podem ser consideradas, de fato, multirraciais.

FRUSTRAÇÃO COM O GOVERNO BARACK OBAMA

Uma análise de Carlos Eduardo Lins da Silva, também publicada na Folha, sobre os desejos de mudanças da população estadunidense em relação ao governo de Barack Obama. Nesse sentido, Lins da Silva afirma que os Republicanos, com maioria na Câmara, tem sistematicamente obstruído as iniciativas do Presidente. Segundo o texto de Lins da Silva:

“A Voting Right Acts de [Lyndon] Johnson tornou ilegais exigências que os Estados do sul faziam para obter título de eleitor, como testes de alfabetização e comprovantes de pagamentos de impostos.

Desde 2010, muitos Estados aprovaram leis com novos requisitos para o registro eleitoral, que dificultam os pobres e negros o exercício do direito do voto. Em junho de 2013, o Supremo derrubou partes da Voting Rights Act que impunha aos estados a obrigação de submeter ao governo federal quaisquer mudanças que viessem a fazer em sua legislação sobre eleições.

Com isso 22 estados passaram a restringir a inscrição de eleitores com obrigações como apresentação de documentos com fotos e/ou comprovante de residência, impedimento a condenados pela Justiça por crimes e outras.

Essas mudanças ocorrem especialmente nos Estados do sul, a maioria sob controle do Partido Republicano, que passou a dominar a região após John Kennedy e Lyndon Johnson combaterem a segregação racial”.

Se era esperado que com a administração de Barack Obama, o Congresso estadunidense aprovasse novas leis que diminuíssem a “segregação” entre brancos e negros que persiste nos Estados Unidos, ficou evidente que a oposição imposta pelo Partido Republicano, através de sua maioria na Câmara, vem aprovando leis que, ao invés de diminuir, estão aprofundando a “segregação” racial nos Estados Unidos. Liberais e/ou conservadores tais como Thomas Sowell que, ao fingirem não ver o racismo de seus posicionamentos, simplesmente impedem a ascensão social de afro-descendentes nos Estados Unidos, usando as mentiras mais absurdas para rotular grupos que lutam pela implantação de políticas públicas que adotem ações afirmativas de “racistas”, os beneficiários de tais leis de “preguiçosos” e a própria legislação de um “empurrão do Estado”.

Para concluir, entendo que talvez fosse mais apropriado que Sowell mudasse o título de seu texto para “Afinal, quem somos racistas?”. Assim, o texto estaria mais adequado ao conteúdo apresentado e, de brinde, abriria espaço para que os colegas divulgadores do IMB e, também, aqueles que apoiaram o texto nos comentários da publicação, pudessem se identificar claramente.

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Racismo institucionalizado no Brasil de Vargas

Demétrio Magnoli

Inspirados em Demétrio Magnoli e Ali Kamel, semanalmente uma série de pessoas entram neste blog para repetirem, como papagaios de pirata, que o Brasil não é um país racista e que jamais teve leis de tal natureza. O intuito, ao reproduzirem os argumentos mal intencionados dos supra-citados, é justificar posições contrárias às cotas raciais alegando que, ao criar leis que determinam as cotas raciais, o governo brasileiro estaria institucionalizando o racismo.

Pois bem, para acabar com toda essa baboseira, abaixo destaco trecho de um decreto-lei, de Agosto de 1945, no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial e em pleno governo de Getúlio Vargas. Tal decreto-lei só seria revogado EM 1980, pela lei n. 6.815.

Atenção papagaios de pirata de plantão:

DECRETO-LEI n. 7.967 DE 27 DE AGOSTO DE 1945

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição e considerando que se faz necessário, cessada a guerra mundial, imprimir á política imigratória do Brasil uma orientação racional e definitiva, que atenda à dupla finalidade de proteger os interêsses do trabalhador nacional e de desenvolver a imigração que fôr fator de progresso para o país,

DECRETA:

TÍTULO I

Da entrada de estrangeiros no Brasil

CAPÍTULO I

ADMISSÃO

Art. 1º Todo estrangeiro poderá, entrar no Brasil desde que satisfaça as condições estabelecidas por esta lei.

Art. 2º Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional.

Ora, pra quem sabe ler, o artigo segundo é cristalino ao revelar que, ao admitir-se imigrantes no Brasil, os agentes públicos devem estar atentos à necessidade de “preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características de sua ascendência européia”. De modo que, sem maiores necessidades de argumentação, está explicito o cunho racial do decreto-lei acima destacado.

Portanto, ao buscarem justificar seu posicionamento contrário às cotas raciais em argumentos falaciosos que afirmam que o Brasil não é um país racista ou que jamais teve o racismo institucionalizado, os ditos papagaios de pirata nada mais fazem do que tentarem camuflar o seu próprio preconceito nestes autores, haja vista que, frequentemente, boa parte dos contrários às cotas já se posicionavam de tal modo e davam suas opiniões antes mesmo de conhecerem o histórico da legislação brasileira sobre o assunto. Assim, buscam colar em seus preconceitos, os discursos ideológicos de intelectuais que visam manter o status-quo de dominação de uma classe sobre a outra, replicando a dita ideologia no seio das classes exploradas.

É justamente por essa razão que, não raro, vê-se entre os trabalhadores e demais pobres alijados das Universidades públicas, o discurso de serem contrários às cotas raciais por estas serem racistas. Eis a perversidade dos discursos produzidos pelos ditos intelectuais do status-quo e reproduzidos à esmo por anencéfalos cujo objetivo principal é, meramente, esconderem seu preconceito de cor condenando, com isso, milhões de brasileiros a caminhos cada vez mais dificultosos para terem uma possibilidade de ascensão social.

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Congregação da ECA-USP também se opõe ao PIMESP e carta aberta de Lilia Schwarcz e Maria Helena Machado sobre o projeto do PIMESP

Depois da congregação da Psicologia-USP posicionar-se contra a proposta do Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (PIMESP), nesta semana foi a vez da congregação da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP) também se posicionar. Segundo texto publicado na página do Departamento de Comunicação e Arte:

A Congregação da ECA, reunida no dia 25 de abril deliberou contra a proposta do Governo do Estado de estabelecer o  Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior – PIMESP como maneira de acesso à universidade.

A congregação acolheu resultado de debate coordenado pelo Prof. Ricardo Alexino Ferreira, ocorrido na segunda-feira (22) para os membros da Congregação da ECA com os especialistas sobre Direitos Fundamentais, Etnia e Inclusão. O debate está  disponível no IPTV (http://iptv.usp.br/portal/home.jsp)

De acordo com o Prof. Alexino, pesquisa feita em diferentes publicações e sites sobre o que a sociedade civil tem pensado sobre o PIMESP evidencia a rejeição ao Programa como proposta de inclusão.

Apresentamos um CLIPPING contendo  textos, imagens e som sobre o tema. De acordo com o professor,  os artigos jornalísticos e acadêmicos são enfáticos na crítica à proposta. No clipping foi inserido também entrevista (em vídeo) com os três Reitores que falam e defendem o PIMESP.

Ainda sobre esse assunto, as professoras Lilia M. Schwarcz (Departamento de Antropologia) e Maria Helena P. T. Machado (Departamento de História) divulgaram uma carta aberta a respeito do PIMESP, dizendo que foi com preocupação que tomaram conhecimento do projeto de programa de inclusão do Governo do Estado. Para Schwarcz e Machado, “o primeiro estranhamento se justifica pelo fato das Congregações e Conselho Universitário de nossa universidade terem apenas começado a discutir o assunto estratégico das cotas sociais e étnico-raciais apenas nos últimos meses”, informam as professoras.

Em nossa faculdade, a FFLCH, por exemplo, na qual se encontram os principais estudiosos da USP a respeito do problema da inclusão universitária, a Comissão de Discussão de Cotas Raciais teve oportunidade de apresentar apenas uma primeira reflexão no mês de novembro e fomos já surpreendidos por um projeto que se afirma pronto, e frente ao qual somos instados a nos posicionar no prazo máximo de 30 dias

Além disso, Schwarcz e Machado chamam atenção para o fato de o projeto não trazer autoria definida o que, segundo as professoras,  “é estranho em se tratando de uma proposta de tal envergadura, que deverá ser discutida pelos principais produtores de conhecimento, a respeito do tema da desigualdade social e racial existente em nosso estado”.

Quanto ao conteúdo do projeto analisado pelas professoras da FFLCH, destacam-se quatro problemas:

  1. O termo “Community College”, que aparece reiteradamente ao longo do PIMESP como modelo para o Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), está sendo utilizado de maneira bastante dúbia. Não parece acertado que a USP, centro de excelência de pesquisa internacional de nosso país, se aproprie de maneira inadequada de um modelo de ensino superior que em nada se coaduna com as reais necessidades de inclusão do contexto paulista, nem reflete a estrutura do ICES. Os “Community Colleges” são faculdades de cursos mais curtos, normalmente de dois anos, voltados para a capacitação profissional rápida de seus alunos, que saem formados e diplomados em carreiras tais como contador, secretária executiva, assistente jurídico (paralegal) etc… Ao contrário da formação técnica do “Community College”, o ICES do PIMESP se propõe a oferecer cursos gerais, voltados para a complementação da escolarização média e para a “formação sociocultural superior para exercício de cidadania na sociedade moderna”. Ora, se queremos de fato enfrentar as desigualdades devemos começar a tratar o jovem de baixa renda e os PPIs (Pretos, Pardos e Indígenas), provenientes da escola pública, como cidadãos que merecem e exigem, não uma extensão do ensino médio num formato paternalista, que têm como objetivo formar cidadãos. Este aluno não merece ser tratado como um indivíduo que precisa ser diferenciado para só depois poder frequentar nossos bancos universitários, em cursos generalistas, que apenas os colocam em novos espaços de exclusão. O que este

    aluno almeja é poder participar da vida universitária real de nossos campi, de

    maneira plena e cidadã. Imaginar que o aluno de escola pública e de baixa renda e os PPIs precisam de um curso intermediário como esse significa não analisar o grau de inserção dos alunos que vem entrando em outras escolas pelo sistema de cotas e que não precisaram desse tratamento desigualado. Tal postura distancia o nosso ensino público da direção tão almejada por todos nós da diminuição das desigualdades sócio-raciais.

  2. Em segundo lugar, é importante sublinhar que alunos da escola pública e os PPIs fariam este curso, em grande parte, à distância. Assim, ficariam eles, por pelo menos mais dois anos, excluídos fisicamente da frequência e da utilização de nossas instalações. Não é difícil imaginar que teríamos uma USP predominantemente branca e notavelmente elitista contraposta a uma USP virtual, onde alunos de escola pública, de baixa renda e PPIs, ficariam em espaços separados.
  3. O sistema UNIVESP de ensino à distância que surge no PIMESP como ferramenta essencial para a realização do projeto é um sistema que já foi duramente criticado pela comunidade universitária e que andava, nos últimos anos, não sem razão, escanteado. O ensino à distância pode ser eficaz e estratégico para atingir metas educacionais quando aplicado a populações de difícil acesso geográfico ou físico (população hospitalar e carcerária, por exemplo). Nada justifica a implantação, porém, desse sistema para tratar com jovens alunos, que são justamente carentes das benesses que só a convivência universitária pode trazer. Que sentido teria oferecermos um curso presencial de excelência em nossos campi quando mantemos jovens também universitários de baixa renda e PPIs segregados em bairros periféricos da cidade de São Paulo e no interior, acessando a universidade apenas ou majoritariamente pela internet?
  4. Finalmente, após um ou dois anos, o PIMESP considera a possibilidade do aluno “incluído” ingressar na universidade real, “respeitando o mérito acadêmico e de acordo com as ofertas apresentadas”. O PIMESP, portanto, não oferece nenhuma garantia de acesso desse aluno ao sistema universitário integral.

Schwarcz e Machado concluem a carta afirmando que frente aos problemas apontado, elas consideram premente a dilatação desse prazo para que ocorra uma efetiva abertura de um amplo debate público na USP – e nas universidades públicas paulistas em geral. Isso para que não sejamos alijados de um amplo e necessário processo de democratização e inclusão no ensino superior, meta que hoje o Brasil enfrenta como seu grande e mais profundo desafio.

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Congregação do Instituto de Psicologia da USP é contra o PIMESP

Instituto de Psicologia da USP (IP) divulga moção de sua congregação sobre o PIMESP, manifestando-se contra o projeto de inclusão proposto pelo Governo do Estado.

Abaixo segue íntegra da moção divulgada aos membros da Universidade de São Paulo:

Moção da Congregação do Instituto de Psicologia da USP sobre o PIMESP

IPUSPA Congregação do Instituto de Psicologia da USP instituiu, em outubro de 2012, a “Comissão Assessora da Congregação para uma Política de Inclusão na USP” com o objetivo de conduzir o processo de discussão com a sua comunidade de professores, alunos e funcionários sobre as políticas de inclusão por cotas nesta Universidade. Pressionada pela notícia veiculada, mais rapidamente pelos jornais do que pelas vias oficiais, do conteúdo do Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público de São Paulo (PIMESP), decidiu manifestar-se.

O PIMESP, concebido sem a participação da comunidade das Universidades Estaduais Paulistas, foi produzido pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP) com a participação das Secretarias Estaduais de São Paulo, Universidade Virtual do Estado de São Paulo, UNIVESP, entre outros órgãos do governo estadual. Os dirigentes das Unidades da USP foram comunicados sobre o PIMESP em ofício de 28 de janeiro de 2013 de que teriam 60 dias para se manifestar.

Em 18 de março, a Congregação do IP/USP manifestou-se favoravelmente à adoção de cotas nas universidades estaduais paulistas e contrária à implantação do PIMESP. Propôs um prazo de 90 dias para que a comunidade da USP seja incluída no debate, por meio de seus representantes, ouvido seu corpo de pesquisadores e especialistas, e discuta as várias possibilidades para um projeto de cotas que finalmente inclua os egressos das escolas publicas e os segmentos sub-representados no corpo discente de estudantes pretos, pardos e indígenas.

Recusamos a aprovação do PIMESP por diversas razões que foram apontadas no debate da proposta. O texto não faz uma avaliação dos dez anos de experiências brasileiras de implementação de cotas nas universidades federais. Segundo dados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) publicados pelo jornal O Estado de São Paulo (18/03/2013), “se a reserva de vagas para cotistas nas instituições federais de ensino já fosse de 50% (meta para 2016), a nota de corte desses estudantes teria, na média, uma queda inferior a 5%. Na concorrência ampla, em que disputam os alunos de escolas particulares, o desempenho mínimo para ingressar nas instituições teria um salto de 1%”. Não faz sentido, portanto, o Programa se autonomear como de “Inclusão com Mérito”, deixando subentendido que outros programas de inclusão não contemplam o mérito acadêmico do ingressante.

O projeto deixa de valorizar programas de inclusão já existentes na USP, tais como a Tutoria Cientifico-Acadêmica, a Pré-Iniciação Cientifica, o Programa Embaixadores da USP, que poderiam compor, com outras iniciativas, um Programa de Ações Afirmativas na USP. O PIMESP não consolida tampouco amplia ações afirmativas pois, como apontado em documento da Associação dos Juízes pela Democracia (AJD), trata-se de “forma de discriminação negativa”, já que, aos alunos das escolas públicas, negros e indígenas, será exigido que realizem, “diversamente dos demais, curso antecedente ao ingresso” aumentando seu tempo de espera para a plena convivência acadêmica e titulação o que, ainda segundo a AJD, “significa tratá-los de forma pejorativa e aumentar o nível de exclusão a que já se encontram previamente submetidos”.

Do ponto de vista acadêmico, o projeto é ambíguo e leva à confusão com relação à sua finalidade: trata-se de um curso pré-universitário, intermediário entre ensino médio e universitário (“college”), de um curso pós-médio (Darcy Ribeiro), ou mesmo de um curso de escola de ensino médio ministrado pela universidade?

Portanto, pelas razões acima expostas, a Congregação do Instituto de Psicologia manifesta-se contra o PIMESP e a favor de uma discussão mais representativa que produza propostas que versem sobre Ações Afirmativas na Universidade de São Paulo.

Congregação do Instituto de Psicologia – USP

5 de abril de 2013

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