Arquivo do mês: dezembro 2013

[HOMOFOBIA] Bancada Evangélica sepulta a PLC 122

O portal Pragmatismo Político publicou nessa última quarta-feira (18) notícia dando conta de que o Senado acabou de sepultar a PLC 122 ao aprovar o apensamento do referido projeto ao do Novo Código Penal.

Para quem não se lembra, o Projeto de Lei visa alterar a redação do Art. 140 do Código penal na caracterização do crime de Injúria. Atualmente a redação é assim:

“Injúria

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
§ 3: Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:”

Atualmente, se você cometer injúria e esse ato consistir de elementos de raça, cor, etnia, religião, origem, idoso, portador de necessidade, a pena é agravada.

Com a proposta da PL 122, a redação do § 3 iria para:

“Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:” 

Assim, o Projeto de Lei tem por objetivo incluir nos atuais agravantes de injúria o sexo/orientação sexual/identidade de gênero. Percebe-se, portanto, que o referido projeto não tem caráter discriminatório, não concede um tratamento diferenciado ao preconceito por orientação sexual (como no caso da homofobia) e ao preconceito por religião (como preconceito contra religiões de origens africanas), por exemplo.

Com o sepultamento da PL 122, lideranças evangélicas como o pastor Silas Malafaia, comemoraram abertamente o resultado nas redes sociais, chamando atenção para o que ele chamou de “força do povo de deus”.

Fico triste com a notícia que vem do Senado e, a única alegria disso tudo, é que o meu representante eleito, senador Eduardo Suplicy, votou contra o apensamento da PL 122 ao projeto do Novo Código Penal.

Abaixo, a notícia tal como foi veiculada no portal do Pragmatismo Político.

SILAS MALAFAIA CELEBRA SEPULTAMENTO DO PLC 122
por Pragmatismo Político | publicado originalmente em 18/dez/2013

Após o apensamento do projeto de lei 122/2006 ao projeto do Novo Código Penal por parte dos senadores, o consenso geral entre favoráveis e contrários é de que a proposta da deputada federal Iara Bernardi (PT) foi “sepultada”.

Através do Twitter, o pastor Silas Malafaia – um dos líderes evangélicos que mais se opôs ao PL 122 – comemorou abertamente a conquista e agradeceu o empenho dos parlamentares da bancada evangélica, como o senador Magno Malta (PR-ES), que influenciou a tomada de decisões dos demais parlamentares.

“PLC 122 acaba de ser enterrado no Senado. A Deus seja a glória. Parabéns aos senadores Renan Calheiros, Magno Malta, Lindberg Farias e outros. Não adianta chorar ou xingar o PLC 122 foi para o ‘espaço’. Nada de privilégios para ninguém. Homo, hetero, religioso ou não, lei é pra todos […] Vitória do povo de Deus que esta aprendendo a usar os direitos da cidadania.Valeu o bombardeio de emails para os senadores. Ainda tem mais […] 7 anos de lutas incluindo processos, calúnias, difamação e etc. Vitória da família, bons costumes e da criação pela qual Deus fez o homem. Ainda tem muita coisa que precisamos estar atentos. São mais de 800 projetos no Congresso para destruir os valores cristãos. Não vão nos calar”, escreveu o pastor em seu perfil.

O “sepultamento” do PL 122 se deu através de um requerimento apresentado pelo senador Eduardo Lopes (PRB-RJ), que diante da falta de consenso a respeito do projeto, propôs que o debate sobre as propostas do texto fossem incluídas nas discussões do Novo Código Penal, que o Senado vem elaborando com a consultoria de juristas renomados.

Entretanto, as propostas mais radicais do PL 122, que eram consideradas privilégios aos ativistas gays – tiveram um destino definitivo com a aprovação de um requerimento de Magno Malta que exclui os termos “gênero”, “identidade de gênero”, “identidade sexual” ou “orientação sexual” do Novo Código Penal e dos parágrafos relativos ao preconceito.

No Twitter, o ativista gay e deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) queixou-se do final que o PL 122 teve no Senado, e atacou as lideranças evangélicas que lutaram pela reprovação do projeto enquanto ele tramitou. “Lamento a aprovação do requerimento do senador Eduardo Lopes (PRB-RJ) que apensa o PLC 122 ao projeto de reforma do Código Penal. Apesar do pedido de votação nominal feito pelos senadores Suplicy e Randolfe, não foi suficiente para superar os votos favoráveis. Na prática, isto significa o enterro definitivo de uma luta de 12 anos desde que o PLC 122 começou a tramitar no Congresso. As minhas críticas e questionamentos ao PLC são públicas, mas sempre defendi sua aprovação, mesmo achando necessário um debate mais amplo. Defendo porque a derrota desse projeto seria uma vitória do preconceito e dos discursos de ódio. Contudo, infelizmente, o que aconteceu hoje é o final de uma ‘crônica de uma morte anunciada’. Longe de promover um debate sério, a bancada governista cedeu à chantagem dos fundamentalistas, como o gov. Dilma tem feito desde o início. Cada novo substitutivo do projeto, cada nova alteração, cada novo adiamento significou um retrocesso. Foi tanto o que cederam (para garantir o ‘direito’ dos fundamentalistas a pregar o ódio) que do PLC-122 original só restava o título. E foi esse título que enterraram hoje!”, disse Wyllys.

silas malafaia plc122 twitter
Silas Malafaia comemora sepultamento do PLC 122 (Reprodução – Twitter)

O deputado afirmou que, na Câmara, tentará mudar o texto do Novo Código Penal para incluir novamente as propostas “sepultadas” com o PL 122 e com o requerimento de Magno Malta: “A comissão responsável pelo projeto do Código Penal aprovou o relatório do senador Pedro Tarques, relatório que exclui as referências a “gênero”, “identidade de gênero”, “identidade sexual” ou “orientação sexual”, acatando as emendas de Magno Malta, senador publicamente conhecido por se opor ao reconhecimento da cidadania para a população LGBT. Estamos atentos e alertas para quando o projeto do Código Penal chegar à Câmara, já estudamos a apresentação de uma proposta mais ampla. Proposta esta que enfrente de maneira sistêmica os crimes discriminatórios! Proposta esta que garanta políticas públicas e ferramentas legais de proteção contra todas as formas de discriminação! Proposta esta que também promova a educação para o respeito à diversidade!”, escreveu o deputado federal.

A lista

O apensamento do PL 122 ao projeto do Novo Código Penal não foi aprovado por unanimidade. O então relator do projeto na Comissão de Direitos Humanos do Senado, Paulo Paim (PT-RS) emitiu parecer contrário à proposta de Eduardo Lopes, e pediu votação nominal como forma de pressionar os colegas a votarem contra.

No entanto, a proposta do senador Eduardo Lopes foi aprovada por 29 votos favoráveis, 12 contrários e 2 abstenções – entre elas, a do senador Walter Pinheiro (PT-BA), evangélico, e apontado por Jean Wyllys como um dos que mobilizaram grande influência contra o PL 122.

Veja abaixo, a lista dos senadores que votaram contra e A FAVOR DO FIM DO PROJETO e os que votaram CONTRA O FIM DO PROJETO:

VOTARAM A FAVOR

ESTADO/PARTIDO

VOTARAM CONTRA

ESTADO/PARTIDO

Alfredo Nascimento AM/PR Ana Rita ES/PT
Aloysio Nunes SP/PSDB Antônio Carlos Rodrigues SP/PR
Álvaro Dias PR/PSDB Antônio Carlos Valadares SE/PSB
Ana Amélia RS/PP Eduardo Suplicy SP/PT
Blairo Maggi MT/PR João Capiberibe AP/PSB
Cassio Cunha Lima PB/PSDB Jorge Viana AC/PT
Cícero Lucena PB/PSDB Lídice da Mata BA/PSB
Cristovam Buarque DF/DF Paulo Davim RN/PV
Cyro Miranda GO/PSDB Paulo Paim RS/PT
Eduardo Lopes RJ/PRB Pedro Simon RS/PMDB
Eunício Oliveira CE/PMDB Randolfe Rodrigues AP/PSOL
Flexa Ribeiro PA/PSDB Roberto Requião PR/PMDB
Jader Barbalho PA/PMDB
João Durval BA/PDT

ABSTENÇÃO

João Vicente Claudino PI/PTB José Pimentel CE/PT
José Agripino RN/DEM Vanessa Grazziotin AM/PCdoB
Lindberg Farias RJ/PT
Magno Malta ES/PR
Mozarildo Cavalcanti RR/PTB
Paulo Bauer SC/PSDB
Pedro Taques MT/PDT
Ricardo Ferraço ES/PMDB
Rodrigo Rollemberg DF/PSB
Ruben Figueiró MS/PSDB
Sérgio Petecão AC/PSD
Sérgio Souza PR/PR
Vital do Rêgo PB/PMDB
Waldemir Moka MS/PMDB
Wilder Morais GO/DEM

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Obrigada por tentar me matar

Vítima da covardia de Luís Henrique Nogueira, Suzane Jardim publicou no perfil de uma rede social uma nota de desabafo contra seu algoz, ainda foragido da justiça, ironicamente agradecendo por todo o sofrimento que ele a está fazendo passar após tê-la arremessado pela janela de um apartamento localizado no quarto andar de um edifício na Vila Mariana, em São Paulo.

Após ter sofrido fraturas em dez costelas, na pélvis, na perna direita, além de ter deslocado a clavícula, Suzane clama por força para superar as dificuldades impostas pelo violento ataque machista de Luís Henrique Nogueira que, com seu ato, privou-a de conduzir sua vida da maneira como ela sempre o fez: com alegria e muito prazer em cada atividade.

Eu, através do Hum Historiador, faço questão de expressar todo meu repudio a qualquer ato de machismo, em particular os que acabam descambando para violência física e atentando contra a vida de mulheres como Suzane Jardim. Infelizmente, casos de homens que não conseguem aceitar um NÃO ou serem contrariados sem partir para a violência não são exceção, mas regra em nossa sociedade machista.

À Suzane, gostaria de enviar e desejar toda a força que ela certamente irá precisar para passar por tudo o que ela aponta em sua nota de desabafo. FORÇA SEMPRE, Suzane!!!

Abaixo, a íntegra da nota divulgada por Suzane Jardim.

OBRIGADA

Suzane JardimSoube hoje por meio do ortopedista que, após me recuperar da cirurgia e voltar pra casa, caso siga uma fisioterapia rigorosa por todo o tempo indicado, levarei cerca de 2 a 3 meses para voltar a me sentar e 6 meses para poder firmar meus pés no chão. Agradeço por, em seu ato de ódio e demonstração de superioridade, ter me privado de minhas liberdades, mesmo que provisoriamente, desse modo cruel, cara.

Obrigada por me privar de brincar de ninja ou de apostar corrida com o Théo quando o busco da escola; me impedir de ir cantar Black com a Lilian e me lotar de cerveja no karaokê das travestis; me deixar sem poder pegar sessões de filmes bizarros com o Salomão no Cinusp.

Obrigada por eu não poder mais propor almoços de última hora ou passeios noturnos duvidosos ao Vinícius, meu bebê, tudo no intuito infantil de “quem sabe durante essa conversa livre, ele não se solta, pega na minha mão por cinco segundos e eu sinto o arrepio que isso me causará pela noite toda”; por fazer eu perder ao menos duas edições da Um Abajur Cor de Carne na Mansão Deangelo; tirar meu prazer em sentar em um canto para tiriçar e fazer um super trunfo da decadência com a Jullyana; Valeu pelo tempo insuportável que passarei sem participar e ver de perto a dança sensualizante de um passo só da Grazi nas festas da USP.

Obrigada por não mais ficar na frente do Fecha Nunca criticando roupas alheias com o Lolô ou esbanjando minha negritude punk com o Cesinha; pela falta louca que sentirei de arrasar na pista do Street com o Fê Borsato em dias em que levo a Sueni para beber umas sem que ninguém peça a ela o RG; grata por não poder mais fazer meu café perfeito durante as visitas do Ricardo, quando fazemos dancinhas pra qualquer bobagem e fumamos nossos cigarros observando a proliferação absurda dos coelhos de casa; mas principalmente, agradeço por me manter metade de um ano sem completa capacidade de me locomover, banhar, usar o banheiro e outras coisas que você fará normalmente – ainda mais se permanecer foragido, seu covarde – enquanto serei incapaz de fazer sozinha.

Um dia pararei de chorar. Nesse dia espero que todos ainda estejam do meu lado, os que citei e tantos outros que estarão ausentes do meu dia a dia durante esse tempo. Até lá, por favor, não me esqueçam. E que eu seja forte… E que eu seja forte…

LEIA MAIS SOBRE O QUE OCORREU COM SUZANE JARDIM

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Nós vamos invadir seu shopping

por José Guilherme Zago especialmente para o Hum Historiador

Jovens marcam encontro pelas redes sociais e invadem o Shopping Itaquera no último sábado (7)

Uma semana após uma massa de adolescentes uniformizados de Hollister e oakley ocuparem o shopping Itaquera, desta vez foi o Shopping Internacional de Guarulhos que recebeu neste sábado  (14/12) o evento intitulado nas redes sociais de “rolezinho”, ou seja, um encontro de adolescentes  que propõem um “fleneur” pelos centros de consumo paulistanos.

“QUEM FAZ O FLUXO SOMOS NÓS” diz o evento do Shopping Itaquera, atordoando o público tradicional dos shoppings que ficam incrédulos ao ver  os protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) cantando seu “tchu-tcha”.  Não, não se trata do “grito dos excluídos” que há dez anos respirava o ar da Anti-globalização e levava o MST a almoçar pão com mortadela na frente de vitrines de Rollex.  Por mais que tais eventos ainda existam os membros deste “fluxo” estão incluídos no ethos do consumo e ostentação caminhando e cantando ao som do funk paulistano. Só que desta vez trata de um “occupy” de um território onde impera o liberalismo por excelência: Um território sem conflitos, homogêneo onde a relação primordial não é entre humanos, mas entre cartões de crédito e mercadorias.

Não é de hoje que o medo que a “plebe” invada os espaços restritos a uma parcela da população paira sobre mundo burguês,  o hoje reacionário Roger do Ultraje a Rigor fazia sucesso ao narrar no hit “Nós vamos invadir sua praia” a descida ao litoral da plebe farofeira. Danuza Leão que o diga: “Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?”.

Qual é a lição disso tudo? Estes jovens nascidos em 1998 entraram para a vida de consumo no exato momento que esta se tornou a alavanca de crescimento do governo de Lula em 2008, aprendendo muito bem que uma pessoa de “status”, uma pessoa de sucesso é alguém que se enquadra na estética do consumo, entretanto eles cobram maior participação nos espaços onde os mesmos são tradicionalmente excluídos.

Ironicamente, o final do “rolezinho” encerra com a participação do braço tradicional do Estado que mais se relaciona com a plebe, a polícia é chamada para proteger os antigos frequentadores e coibir arrastões nem sempre confirmados.

Em tempo: Essa disputa pelo espaço urbano ainda vai longe: o “rolezinho de Itaquera” começou após a proibição dos bailes Funk’s na região. http://www.cbnfoz.com.br/editorial/brasil/15122013-60789-rolezinho-do-shopping-traz-medo-e-panico-a-sociedade


José Guilherme Zago é historiador e leciona História em escolas da rede pública e privada de São Paulo.

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[THE GUARDIAN] Uruguai merece o prêmio Nobel da paz por legalizar a maconha

Nessa última quinta-feira (12), o jornalista e escritor Simon Jenkins publicou um texto no jornal britânico The Guardian, no qual sugere que o presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica e os legisladores daquele país merecem o prêmio Nobel da paz pela coragem de lutar a única guerra mundial que realmente importa, que é a guerra contra a guerra às drogas.

Abaixo, o Hum Historiador repercute o texto de Simon Jenkins e traz uma tradução livre da matéria tal como ela foi publicado nessa última quinta-feira (12), no The Guardian.

Uruguai heroico merece o prêmio Nobel da paz por legalizar a maconha
por Simon Jenkins para o The Guardian | publicado originalmente em 12/12/2013

A guerra contra a guerra às drogas é a única guerra que importa. Posição do Uruguai deixa os Estados Unidos e as Nações Unidas em situação de vergonha.

satoshi cannabis

“O Uruguai vai legalizar não apenas o consumo da maconhaa mas, crucialmente, sua produção e venda”. Ilustração de Satoshi Kambayashi

Eu costumava pensar que as Nações Unidas era uma loja de conversa fiada com empregos isentos de impostos para burocratas desempregados. Agora percebo que é uma força do mal. Sua resposta a uma tentativa verdadeiramente significante ao combate de uma ameaça global – o novo regime de drogas do Uruguai – foi declarar que ela “viola as leis internacionais”.

Ver a maré virar no caso das drogas é como tentar detectar movimentos glaciais. Mas está se movimentando. A estátua de quarta feira foi inaugurada pelo presidente uruguaio, José Mujica, “para libertar gerações futuras dessa praga”. A praga não era a droga como tal, mas a “guerra” contra elas, que deixa a juventude do mundo a mercê de criminosos traficantes e aprisionamentos aleatórios. Mujica declara a si mesmo como um legalizador relutante mas também determinado “a tirar os usuários dos negócios clandestinos. Nós não defendemos a adição a maconha ou a qualquer outra droga, mas pior do que qualquer droga é o tráfico.”

O Uruguai vai legalizar não apenas o consumo da maconha mas, fundamentalmente, sua produção e venda. Usuários precisam ter mais do que 18 anos de idade e uruguaios registrados. Enquanto pequenas quantidades podem ser cultivadas privadamente, empresas irão produzir maconha sob licença do estado e os preços serão estipulados para minar os traficantes. O país não tem um problema na escala da Colômbia ou México – apenas 10% dos adultos admitem usar maconha – e enfatizam que a medida é experimental.

Essa abordagem comedida é ainda um avanço frente as medidas de estados estadunidenses tais como Colorado e Washington, que legalizara o consumo recreacional da maconha, assim como o médico, mas não a produção. Enquanto as leis uruguaias não cobrem outras drogas, privando os traficantes de aproximadamente 90% do seu mercado, a esperança é tanto minar a maior parte do mercado criminoso e diminuir o efeito de porta de entrada de traficantes tentando empurrar drogas mais pesadas aos usuários.

A coragem de Mujica não deve ser subestimada. Seu país é levemente antiquado, e dois terços dos entrevistados se opõem à medida, embora este número esteja 3% maior do que há dez anos atrás. Além disso, alguns lobbies pró-legalização fazem objeção a essa nacionalização “de facto”.  Uma questão aberta é quando um cartel estatal será tão efetivo quanto um mercado livremente regulado. Mas o chefe de drogas, Julio Calzada, é direto: Por 50 anos, nós tentamos resolver o problema das drogas com apenas uma ferramenta – penalização – e isso falhou. Como resultado, agora nós temos mais consumidores, organizações criminosas maiores,  lavagem de dinheiro, tráfico de armas e danos colaterais.”

A resposta do Conselho de Controle Internacional de Narcótico das Nações Unidas foi o de soltar declarações que visam acalmar a população, mas que não são efetivas ou, pior, são fúteis. Para o chefe do Conshelho das Nações Unidas, Raymond Yans, a medida adotada pelo Uruguai irá “colocar a juventude em perigo e contribuir para o início mais precoce da dependência”. Também seria a violação de um “tratado universalmente aceito e internacionalmente reconhecido”. No entanto as Nações Unidas admitem que meio século de repressão às drogas levaram a 162 milhões de usuários de maconha ao redor do mundo, ou 4% do total da população adulta.

Aos 78 anos de idade, Mujica percebe a ironia com a qual muitos de seus contemporâneos da América do Sul estão de acordo, mas apenas depois de sair do escritório da presidência. Entre eles estão Fernando Cardoso, do Brasil, Ernesto Zedillo, do México e César Gaviria, da Colômbia, os quais conclamam pela descriminalização do mercado de drogas para que se possa começar a regular um comércio cujas rixas entre os operadores está matando milhares de pessoas a cada ano. O valor do comércio das drogas perde apenas para o comércio de armas. Enquanto os Estados Unidos resistem à descriminalização, eles continuam a lutar contra a produção da cocaína e do ópio na América Latina e no Afeganistão, evitando o confronto com o inimigo real: o consumo doméstico que está fora de controle.

Por tudo isso, a futilidade da repressão está levando ao desmoronamento da legislação em todo o ocidente. Vinte estados dos Estados Unidos legalizaram a maconha para uso médico. Nesse ano a California rejeitou por pouco a tributação do consumo (por baixo uma estimativa de $1,3 bilhões de dólares de receita anual) e pode ainda ceder. O uso de drogas é aceito na maior parto da América Latina e, de fato, Europa. Até mesmo na Grã Bretanha, onde porte pode ser punido com até cinco anos de prisão, apenas 0,2% dos casos processados resultou em tal sentença. Dizem que aqueles que fazem o uso mais intenso de drogas estão atrás das grades de seu próprio estado. A legislação entrou efetivamente em colapso.

A dificuldade agora é resolver a inconsistência entre “fechar os olhos” para o consumo e deixar o fornecimento (e com ele o marketing) isento de imposto e desregulado nas mãos dos traficantes de drogas. Isso é pouco menos do que um subsídio estatal ao crime organizado. Indulgência pode salvar a polícia e os tribunais do custo e execução, mas deixa cada rua aberta ao enorme risco cruzado de partir do consumo da maconha para o uso de drogas mais pesadas.

Acabar com essa inconsistência requer medidas dos legisladores. No entanto, eles permanecem aprisionados por uma mistura letal de tabu, tribalismo e medo da mídia. A política britânica quanto a todos os intoxicantes e narcóticos (de álcool a benzodiazepínicos) é caótica e perigosa. Na quinta-feira o governo admitiu sua inabilidade em controlar “drogas legais”, as mais novas sendo inventados toda semana.  Estão desbaratando laboratórios nos fundos das ruas, sacudindo proibições e mandados de prisão como faziam os Keystone Cops.

A catástrofe de morte e anarquia que a política fracassada de repressão às drogas trouxe ao México e a outros narco-estados faz com que a obsessiva gerra ao terror dos Estados Unidos pareça um espetáculo tolo. O caminho de saída dessa escuridão está agora sendo mapeado não no velho mundo, mas no novo, cujos legisladores heroicos merecem ser premiados com um prêmio Nobel da paz. São eles que assumiram o desafio de lutar a única guerra mundial que realmente importa – a guerra contra a guerra às drogas. É significativo que os países mais corajosos são também os menores. Graças aos céus pelos estados pequenos.

Simon Jenkins é jornalista e escritor. Ele escreve para o The Guardian, bem como para a rede de TV britânica BBC.

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Como é ser menina no país do futebol

por Liana Machado especialmente para o Hum Historiador

Brasileiras comemoram gol contra o Chile no Torneio Internacional de Futebol Feminino. Foto: André Borges/Com Copa

Ontem zapeando a TV descobri que o time brasileiro de futebol feminino realizava um jogo contra o Chile. O jogo faz parte do Torneio Internacional de Futebol, no qual o Brasil tentará o tetracampeonato. O jogo aconteceu em Brasília diante de arquibancadas praticamente vazias e uns poucos torcedores apáticos. Não vi o jogo, mas vi o primeiro gol de Marta. Eu não entendo de futebol, mas a calma com que ela planejou o ataque demonstra além de talento, muita experiência. Em uma pesquisa rápida na internet, descobri que a Copa do Mundo feminino é realizada desde 1991, e que apesar de nunca ter ganhado o título a Marta foi eleita a melhor jogadora do mundo por cinco vezes consecutivas. Nenhum homem conseguiu a mesma proeza. Será que um dia vai?

Mas no Brasil não existe machismo!

Iniciemos pelo início. Sabe o que Pelé disse sobre a atuação de Marta no Pan de 2007? “Ela é o Pelé de saias”, ou seja, ela é um homem, ou tem atitude de homem, ou é tão bom quanto um homem, só que ela não tem pênis. Ótimo! Então, podemos dizer que Neymar é uma Marta de calças? Claro que não. A referência é o homem, a mulher é o outro. Mas continuemos com a Copa.

Quanto alarde fazemos com a Copa do Mundo, heim? Fosse aqui ou não. Copa essa, aliás, que nem precisa dizer que é masculina. Mas a Copa é aqui. Quanta preocupação com os estádios! Vão ficar prontos, ou não vão? Precisamos cobrar as autoridades, gastar dinheiro, desapropriar barracos (não, nem vou entrar no mérito de como eu acho que a Copa do Mundo é um evento elitista para o qual não fui convidada, o assunto é outro). Milhares de turistas virão para ver os homens jogando. Paga-se caro por passagens aéreas, hospedagens, alimentação. O evento é grande e reúne muita gente.

E na semana passada a TV transmitiu o sorteio das chaves (acho que é assim que chamam). E ficou-se uma hora dizendo coisas do tipo E2, B4, C1. Importante, né? Depois do sorteio, enquanto eu jogava paciência no PC a Rede Globo ficou fazendo milhões de prognósticos: quem vai pra final com quem, quem vai para as oitavas, quem joga com o Brasil nas quartas de final. Uma hora da programação da maior rede de transmissão brasileira para pura futorologia. Incrível. O mundo realmente dá muita atenção a esse torneio. O masculino, claro.

O feminino não merece a mesma atenção, o mesmo respeito, o mesmo incentivo. Não provoca a mesma alegria. Ninguém falta às aulas para assistir a copa do mundo feminino (com letra minúscula mesmo). Ninguém sai do trabalho. Ninguém vai para o bar ver o jogo com a galera, ninguém compra fogos de artifício. A coca-cola não envia 100 amigos para ver o jogo, o cabelo de Formiga (jogadora da seleção, caso você não saiba) não faz a cabeça de ninguém. O número 10 de Marta não faz o mesmo sucesso. Não! Mulheres e homens vão torcer pelos homens. Não pelas mulheres. Que ridículo seria um estádio como o Maracanã lotado de gente, as ruas vazias, todo o Brasil na frente da TV para ver Marta jogando!  Você leitor, se imagina viajando ao Canadá em 2015 para ver a copa do mundo?

Mas aqui não existe machismo.

Só pra terminar, o narrador do jogo de ontem fez muito elogios às jogadoras brasileiras. Elogios do tipo “como ela é bonita”, “mas que sorriso lindo ela tem”. Elogios certos para as mulheres. Porque mulher que é mulher prefere ser apreciada pelos seus atributos físicos. Mesmo que ela seja a melhor jogadora de futebol do mundo.

Abaixo, os dois gols da seleção no jogo contra o Chile.


Liana Machado é historiadora e está concluindo seu mestrado, também em História, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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Com base em História Oral, Guaranis pesquisam e reapresentam temas da História do Brasil

Escritora e jornalista Rosana Bond publica notícia no Jornal A Nova Democracia (AND) dando conta de que um grupo de índios guaranis está realizando pesquisas históricas com o objetivo de reapresentar ao povo brasileiro alguns dos temas que acreditam terem sido falseados por parte da historiografia.

Um dos temas reapresentados por pesquisas realizadas pelos guaranis é a história de Sepé Tiarajú, liderança guarani no desenrolar do episódio que ficou conhecido como Guerra Guaranítica.

Abaixo, o Hum Historiador repercute na íntegra a notícia divulgada no jornal A Nova Democracia.

GUARANIS DESMENTEM LIVROS E CONTAM NOVA HISTÓRIA
por Rosana Bond | para o jornal A Nova Democracia

Os guaranis, que por muito tempo observaram o passado de seu povo ser escrito e deturpado pela ideologia das classes dominantes, decidiram dar um basta e tomar nas mãos a tarefa de desmentir os livros e contar sua própria História.

Chegou a hora de a sociedade não-indígena do Brasil conhecer a verdade, ninguém pode continuar pensando que perdemos a memória — afirma Werá Tupã (Leonardo), da aldeia do Morro dos Cavalos, SC, tido como um dos mais destacados intelectuais indígenas do sul do país.

Ele faz parte de um grupo de guaranis que vem pesquisando fatos históricos e episódios lendários com o objetivo de reapresentá-los ao povo brasileiro de um modo diferente daquele com que foi narrado pelo pensamento reacionário. Um dos temas, cujo estudo demorou anos e ainda não está totalmente concluído, é a verdadeira história de Sepé Tiarajú.

Sepé foi um dos maiores guerreiros indígenas do sul do país, líder da resistência dos Sete Povos das Missões (RS) contra tropas espanholas e portuguesas, na chamada Guerra Guaranítica, de 1753 a 1756. Essa guerra foi abordada (de maneira fantasiosa e truncada) no filme A Missão, com Robert de Niro e Jeremy Irons, em 1986. Tal rebelião foi consequência do Tratado de Madri, pelo qual Portugal e Espanha trocaram entre si os Sete Povos das Missões, sob domínio espanhol, pela Colônia do Sacramento, sob domínio lusitano. O acordo obrigava os 30 mil guaranis e os jesuítas das sete reduções a abandonarem o Rio Grande do Sul e passarem ao território castelhano, no outro lado do rio Uruguai.

A Companhia de Jesus, chefia jesuíta na Europa, ordenou a mudança, mas os guaranis não aceitaram. Sepé liderou a resistência e em carta à Coroa de Espanha deu o famoso aviso: “Esta terra tem dono!”.

ARMAS DE CANA BRAVA

Sepé articulou uma espécie de Confederação Guaranítica, criando inovadoras táticas militares para a época, nas quais priorizava a guerrilha e evitava grandes batalhas. Chegou a idealizar e construir quatro peças de artilharia, confeccionadas com cana brava. Foi assassinado numa emboscada, por soldados espanhóis e portugueses, nos campos de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, em 7 de fevereiro de 1756.

O bravo e exemplar Sepé Tiarajú transformou-se num símbolo para os gaúchos. Há um rio e um município com seu nome e, em Santo Ângelo, uma estátua no centro da cidade. Os guaranis não vêem problema nisso, mas há uma questão de fundo que parece lhes desgostar e incomodar há muito tempo. Que é a “desindianização” de Sepé.
A História escrita pela cartilha das classes exploradoras e da igreja católica apossou-se da figura heróica, metamorfoseando-a quase num branco que era índio por acaso.

Os livros falam que ele “abraçou a doutrina cristã” e foi “o mais ardoroso defensor da obra dos jesuítas”; que “seus mestres foram os padres”; que ele lutou “sugestionado pelos religiosos”; que “era índio missioneiro, provavelmente já cristão de terceira geração”; que alguns padres foram “os principais estrategistas da resistência”; que, órfão de pai e mãe, “foi criado pelos jesuítas”; Werá Tupã discorda de tudo isso. Os livros erram até numa informação básica, sobre sua origem. Numa revelação inédita e surpreendente, Werá diz que Sepé não era guarani. E sim pertencia a “um outro povo indígena que não conseguimos identificar. Ele foi adotado pelos guaranis e criado como um dos nossos”.

A pesquisa a respeito de Sepé baseou-se na história oral, preservada na memória de índios centenários que viveram no Rio Grande do Sul, entre eles a velha xamã Tatãty Yva Rete (Maria Candelária Garay), apontada por antropólogos da Universidade Federal de Santa Catarina (UF SC) e PUC de São Paulo como uma das lideranças femininas mais importantes e respeitadas da tribo. Nascida aproximadamente em 1874, Tatãty foi avó adotiva de Werá Tupã.

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE SEPÉ TIARAJÚ

[Ele] não era um cristão mesmo, como dizem, porque na verdade ele respeitava mais a religião do avô, a religião do nosso povo. Karaí Djekupé foi e continua sendo um grande herói dos guaranis.

O AND foi escolhido pelos guaranis para ser o primeiro órgão de comunicação dos djuruá (não-índios) a tomar conhecimento do conteúdo do estudo, que poderá se transformar em breve num livro. Eis um resumo, contado por Werá Tupã:

“Ao contrário do que se diz, Sepé não era guarani. Ele nasceu em outro povo indígena, que não conseguimos identificar. Quando ele tinha dois anos de idade, sua aldeia, que ficava no Rio Grande do Sul, foi atacada por portugueses ou espanhóis. Os guaranis correram para ajudar, mas o lugar já tinha sido invadido e quase todos tinham sido massacrados.

Os guaranis salvaram o menino e o levaram para uma aldeia nossa, perto da missão de São Miguel. Um casal adotou ele. O avô da família era um pajé muito poderoso e o menino adorava ele. Uma coisa que quase ninguém sabe é que o nome certo dele não era Sepé Tiarajú. Esse era o jeito que os padres das missões entenderam e escreveram.

Seu nome era Djekupé A Djú, que significava “Guardião de Cabelo Amarelo”. “Guardião” porque era um guerreiro e “cabelo amarelo” porque não tinha o cabelo bem preto como os guaranis, era meio castanho. Mas era índio mesmo, não mestiço.

Quando o menino começou a crescer, pensaram que ia ser um pajé, um religioso, e ele começou a ser preparado para isso. Mas seu outro lado, de guerreiro, foi mais forte e aí mudou o seu destino. Recebeu nome de guerreiro, Djekupé A Djú. E também era chamado pelos guaranis de Karaí Djekupé, “Senhor Guardião”.

O destino de guerreiro foi porque ele era revoltado com os brancos e tinha gratidão pelos guaranis. Queria lutar pelos guaranis. É que, na aldeia, nunca esconderam dele a sua história, tudo que tinha acontecido no ataque. 

Os jesuítas não criaram ele, mas ia sempre nas missões porque os padres davam apoio na defesa e ele ficava uns tempos lá. Foi assim que aprendeu a língua espanhola.

Os padres não treinaram ele, foi preparado sim pelo grande exército guarani, os “kereymba” [pronuncia-se “krimbá”]. Era um ótimo guerreiro. 

Além do mais, tinha facilidade para conversar com os homens brancos, uma coisa que os outros guerreiros não tinham aptidão para fazer. Djekupé A Djú lutava, fazia de tudo para que as aldeias guaranis não fossem perturbadas. Principalmente porque ele pensava no seu avô, não queria que nada atrapalhasse a preparação espiritual do seu avô [Werá não entrou em detalhes, mas é possível supor que, de acordo com a tradição, o velho pajé se preparava espiritualmente para “viajar” à Terra Sem Mal, a Yvy Mara Ey, uma espécie de paraíso, que segundo o mito pode ser alcançado em vida ou após a morte].

Por aí se vê que Djekupé A Djú podia se relacionar com os jesuítas, mas não era um cristão mesmo, como dizem, porque na verdade ele respeitava mais a religião do avô, a religião do nosso povo. Karaí Djekupé foi e continua sendo um grande herói dos guaranis e esta é a sua verdadeira história”.

Estudos históricos e antropológicos vêm indicando, cada vez mais, que a falada conversão dos guaranis ao cristianismo, nas reduções jesuíticas, foi talvez mais aparente que real. Esses indígenas não se recusavam ao batismo e às missas, muitas vezes por apreciarem a estética dos rituais e para não desgostarem os padres. 

Um sinal disso pode ser a não permanência da religião. O número de guaranis católicos, hoje, é ínfimo. Tem havido “ataques” de seitas protestantes às aldeias e muitos frequentam os cultos. Mas ainda não se pode avaliar a verdadeira dimensão do prejuízo cultural, pois os guaranis parecem possuir uma auto-defesa eficiente, baseada no ato de “desviar-se”, com extrema diplomacia, que ilude inteligentemente os desavisados.

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[RACISMO] Aluno de 8 anos é impedido de fazer rematrícula em escola de Guarulhos

E no dia em que morre Nelson Mandela, somos informados pelo site do Geledés – Instituto da Mulher Negra, de uma escola em Guarulhos (grande São Paulo) que impediu um aluno de 8 anos de se rematricular, pois a mãe recusou a cortar o cabelo em estilo “Black Power” do filho.

Segundo a escola, COLÉGIO CIDADE JARDIM CUMBICA, “a professora havia orientado a mãe a cortar o cabelo do menino porque a franja estava atrapalhando a visão dele”. Não satisfeita com o absurdo, a escola ainda tenta culpar a mãe pela perda da rematrícula, alegando que “a mãe perdeu o prazo da rematrícula e que foi orientada a colocar o nome do filho na lista de espera”. A mãe do menino ainda tentou alegar que o cabelo não atrapalha em nada o filho e que o mesmo só fica na frente do olho se eles puxarem, mas a professora da criança teria dito à mãe que o cabelo do menino ‘Atrapalha os colegas a enxergar a lousa. É crespo e é cheio. Não é adequado esse cabelo. Venhamos e convenhamos mãe’.

Para quem ainda questiona se existe racismo no Brasil, está aí mais um exemplo da prática do RACISMO hediondo e detestável com o qual convivemos diariamente.

Abaixo, a notícia tal como veiculada no site do Geledés:

A TAL CONSCIÊNCIA HUMANA: ALUNO DE 8 ANOS COM CABELO BLACK POWER É IMPEDIDO DE FAZER REMATRÍCULA EM ESCOLA

A polícia abriu inquérito para investigar um caso de racismo em uma escola particular em Guarulhos, na Grande São Paulo. A escola mandou um recado para a mãe de um aluno dizendo que ele devia cortar o cabelo – estilo black power – que usava. A mãe se recusou a mudar o corte e quando ela foi rematricular o filho, a escola não aceitou.Uma faixa colocada na entrada da escola anuncia que estão abertas as matrículas para o ano que vem. Mas o aviso não vale para Lucas Neiva de Oliveira, de 8 anos, que já estudava no colégio Cidade Jardim Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Aluno da terceira série, ele passou de ano com notas altas. Mesmo assim, não pode continuar na escola.

Os desentendimentos começaram em agosto, quando Maria Izabel Neiva recebeu um bilhete da professora do filho: ela pedia que Lucas usasse um corte de cabelo mais adequado porque o garoto reclamava do comprimento. “O cabelo não atrapalha. O único jeito de chegar no olho é se eu puxar. Não tem como”, conta o menino.

Maria Izabel decidiu não cortar. Mandou um bilhete para a diretora, que respondeu: “É que realmente esse cabelo não é usado aqui no colégio pelos alunos”.

“Vim conversar com ela pessoalmente, passei umas duas ou três horas na sala com ela porque eu falei para ela assim: ‘Não atrapalha em nada o cabelo dele. Ele enxerga normalmente, o cabelo não está no olho, não atrapalha em nada’. E ela disse assim: ‘Atrapalha os colegas a enxergar a lousa. É crespo e é cheio. Não é adequado esse cabelo. Venhamos e convenhamos mãe’”, conta a mãe.

A mãe de Lucas disse que nesse fim de ano não recebeu nenhum aviso sobre a rematrícula do filho. Ficou preocupada e telefonou para o colégio perguntando sobre os prazos. Nessa semana, ela foi na última reunião de pais e foi à secretaria, onde foi informada que já não havia mais vaga para o garoto.

Outra mãe, que prestou depoimento à polícia como testemunha do caso, foi até a secretaria da escola depois de Maria Izabel e conseguiu rematricular a filha, que estuda na mesma classe de Lucas.

“Eu só quero os direitos dele estudar, entendeu? Eu pago a mensalidade tudo adiantado, a melhor educação para o meu filho. Eu já passei preconceito quando era criança e agora o meu filho passando por isso”, lamenta.

Após a queixa da mãe de Lucas, o delegado já instaurou um inquérito para apurar o caso. “Toda vez que a pessoa é impedida ou é tolida de entrar em algum estabelecimento, inclusive estabelecimento de ensino, que tenha a conotação que é por causa da cor ou do cabelo está caracterizado dentro da lei que apura os crimes raciais”, diz Jorge Vidal Pereira .

Em nota, a direção do Colégio Cidade Jardim Cumbica disse que a mãe perdeu o prazo da rematrícula e que foi orientada a colocar o nome do filho na lista de espera.

Afirmou ainda que o inquérito policial é absurdo e que a professora havia orientado a mãe a cortar o cabelo do menino porque a franja estava atrapalhando a visão dele, mas que isso não tem relação com o fato de Lucas não poder ser rematriculado.

De acordo com a polícia, a diretora da escola já foi notificada do inquérito e deve comparecer segunda-feira na delegacia para prestar depoimento.

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Ataques ao Bolsa-Família resultam do preconceito e cultura de desprezo pelos mais pobres

Walquíria Leão Rego, socióloga e professora de Teoria da Cidadania na Unicamp, acaba de lançar o livro Vozes do Bolsa-Família, juntamente com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, no qual afirmam categoricamente que “o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns setores não têm razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais pobres”.

Para a socióloga, embora o programa Bolsa-Família seja barato, incomoda profundamente a classe-média por puro preconceito. Segundo Walquíria Rego, o Bolsa-Família foi “uma das coisas mais importantes que aconteceram no Brasil nos últimos anos”. Sua maior conquista foi tornar “visíveis cerca de 50 milhões de pessoas, tornou-os mais cidadãos”.

Abaixo, entrevista na íntegra que a socióloga concedeu a Isadora Peron e que foi veiculada no Blog do Roldão Arruda, do Estadão, em outubro deste ano.

“PRECONCEITO CONTRA BOLSA-FAMÍLIA É FRUTO DA IMENSA CULTURA DO DESPREZO”, DIZ PESQUISADORA.
do Blog do Roldão Arruda com Isadora Peron | publicado originalmente em 22.out.2013

O Programa Bolsa Família fez 10 anos no domingo, dia 20. Quando foi lançado, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, atendia 3,6 milhões de famílias, com cerca de R$ 74 mensais, em média. Hoje se estende a 13,8 milhões de famílias e o valor médio do benefício é de R$ 152. No conjunto, beneficia cerca de 50 milhões de brasileiros e é considerado barato por especialistas: custa menos de 0,5% do PIB.

Para avaliar os impactos desse programa a socióloga Walquiria Leão Rego e o filósofo italiano Alessandro Pinzani realizaram um exaustivo trabalho de pesquisa, que se estendeu de 2006 a 2011. Ouviram mais de 150 mulheres beneficiadas pelo programa, localizadas em lugares remotos e frequentemente esquecidos, como o Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas.

O resultado da pesquisa está no livro Vozes do Bolsa Família, lançado há pouco. Segundo as conclusões de seus autores, o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns setores não têm razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais pobres.

Os pesquisadores também rebatem a ideia de que o benefício acomoda as pessoas. “O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida como qualquer pessoa”, diz Walquiria, que é professora de Teoria da Cidadania na Unicamp.

Na entrevista abaixo – concedida à repórter Isadora Peron – ela fala desta e de outras conclusões do trabalho.

Como surgiu a ideia da pesquisa?

Quando vimos a dimensão que o programa estava tomando, atendendo milhões de famílias, percebemos que teria impacto na sociedade. Nosso objetivo foi avaliar esse impacto. Uma vez que o programa determina que a titularidade do benefício cabe às mulheres, era preciso conhecê-las. Então resolvemos ouvir mulheres muito pobres, que continuam muito pobres, em regiões tradicionalmente desassistidas pelo Estado, como o Vale do Jequitinhonha, o interior do Maranhão, do Piauí…

E quais foram os impactos que perceberam?

Toda a sociologia do dinheiro mostra que sempre houve muita resistência, inclusive das associações de caridade, em dar dinheiro aos pobres. É mais ou menos aquele discurso: “Eles não sabem gastar, vão comprar bobagem.” Então é melhor que nós, os esclarecidos, façamos uma cesta básica, onde vamos colocar a quantidade certa de proteínas, de carboidratos… Essa resistência em dar dinheiro ao pobres acontecia porque as autoridades intuíam que o dinheiro proporcionaria uma experiência de maior liberdade pessoal. Nós pudemos constatar na prática, a partir das falas das mulheres. Uma ou duas delas até usaram a palavra liberdade. “Eu acho que o Bolsa Família me deu mais liberdade”, disseram. E isso é tão óbvio. Quando você dá uma cesta básica, ou um vale, como gostavam de fazer as instituições de caridade do século 19, você está determinando o que as pessoas vão comer. Não dá chance de pessoas experimentarem coisas. Nenhuma autonomia.

Está dizendo que essas pessoas ganharam liberdade?

Estamos tratando de pessoas muito pobres, muito destituídas, secularmente abandonadas pelo Estado. Quando falamos em mais autonomia, liberdade, independência, estamos nos referindo à situação anterior delas, que era de passar fome. O que significa dizer de uma pessoa que está na linha extrema de pobreza e que continua pobre ganhou mais liberdade? Significa que ganhou espaços maiores de liberdade ao receber o benefício em dinheiro. É muito forte dizer que ganhou independência financeira. Independência financeira temos nós – e olhe lá.

O que essa liberdade significou na prática, no cotidiano das pessoas?

Proporcionou a possibilidade de escolher. Essa gente não conhecia essa experiência. Escolher é um dos fundamentos de qualquer sociedade democrática. Que escolhas elas fazem? Elas descobriram, por exemplo, que podem substituir arroz por macarrão. No Nordeste, em 2006 e 2007, estava na moda o macarrão de pacote. Antes, havia macarrão vendido avulso. O empacotamento dava um outro caráter para o macarrão. Mais valor. Elas puderam experimentar outros sabores, descobriram a salsicha, o iogurte. E aprenderam a fazer cálculos. Uma delas me disse: “Ixe, no começo, gastei tudo na primeira semana”. Depois aprendeu que não podia gastar tudo de uma vez.

A que atribui a resistência de determinados setores da sociedade ao pagamento do benefício?

O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média (ela ri). Esse incômodo vem do preconceito.

Fala-se que acomoda os pobres.

Como acomoda? O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida, como qualquer pessoa. Quem diz isso falsifica a história. Não há acomodação alguma. Os maridos dessas mulheres normalmente estavam desempregados. Ao perguntar a um deles quando tinha sido a última vez que tinha trabalhado, ele respondeu: “Faz uns dois meses, eu colhi feijão”. Perguntei quanto ele ganhava colhendo feijão. Disse que dependia, que às vezes ganhava 20, 15, 10 reais. Fizemos as contas e vimos que ganhava menos num mês do que o Bolsa Família pagava. Por que ele tem que se sujeitar a isso, praticamente à semiescravidão? Esses estereótipos tem que ser desfeitos no Brasil, para que se tenha uma sociedade mais solidária, mais democrática. É preciso desfazer essa imensa cultura do desprezo.

No livro a senhora diz que essas mulheres veem o benefício como um favor do governo.

Sim, de 70% a 80% ainda veem o Bolsa Família como um favor. Encontramos poucas mulheres que achavam que é um direito. Isso se explica porque temos uma jovem democracia. A cultura dos direitos chegou muito tarde ao Brasil. Imagino que daqui para a frente a ideia de que elas têm direito vai ser mais reforçada. Para isso precisamos, porém, de políticas públicas específicas. Seriam um segundo, um terceiro passo… Os desafios a partir de agora são muito grandes.

Qual é a sua avaliação geral do programa?

Acho que o Bolsa Família foi uma das coisas mais importantes que aconteceram no Brasil nos últimos anos. Tornou visíveis cerca de 50 milhões de pessoas, tornou-os mais cidadãos. Essa talvez seja a maior conquista.

Entre as mulheres que ouviu, alguma foi mais marcante para a senhora?

Uma das mais marcantes foi uma jovem no sertão do Piauí. Ela me disse: “Essa foi a primeira vez que a minha pessoa foi enxergada”. Tinha uma outra, do Vale do Jequitinhonha, que morava num casebre, sozinha com três filhos. Quando começou a contar a história dela, perguntei qual era a sua idade, porque parecia que já tinha vivido muita coisa. Ela respondeu: “29 anos”. E eu: “Mas só 29?” Ela: “Mas, dona, a minha vida é comprida, muito comprida.” Percebi que falar que “a minha vida é muito comprida” é quase sinônimo de “é muito sofrida”.

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[DCM] Classe média faz papel histórico de bobo da corte

Para o jornalista e bacharel em direito (USP), Ricardo Whiteman Muniz, ser feito  de bobo da corte parece ser um papel histórico desempenhado pela classe média brasileira que, apesar disso, pode sair dessa situação e perceber a tempo que está fazendo o jogo do inimigo.

Whiteman Muniz trabalha no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e, ao orientar para que a classe média tome consciência de determinados fenômenos, chama a atenção dos integrantes desse grupo para…

“a compra de jornais ditos independentes por políticos que tentam tapear você manchete após manchete vendendo como notícia o que é manobra de blindagem; a chantagem de promotores que ameaçam com denúncias para amealhar fortunas; o financiamento privado de campanhas eleitorais, que torna os representantes no parlamento marionetes dos mais diversos interesses empresarias ou de máfias. É óbvio, mas repare que (quase) ninguém defende uma correção radical dessa anomalia”.

Abaixo, a íntegra do texto de Whiteman Muniz publicado no portal Diário do Centro do Mundo.

SER FEITO DE BOBO DA CORTE PARECE SER UM PAPEL HISTÓRICO DA CLASSE MÉDIA QUE VOCÊ PODE ROMPER, PARA SEU PRÓPRIO BENEFÍCIO
por Ricardo Whiteman Muniz | para o Diário do Centro do Mundo

Bobo da CorteUm alerta para você perceber a tempo que pode estar fazendo o jogo do (seu) inimigo

Você que é classe média, seja a favor da redução de impostos, sim: menos impostos para a classe média e imposto zero para famílias pobres, para periferias. Defenda mais imposto para ricos. Essa agenda, a da tributação progressiva, a da justiça tributária – paga mais quem tem mais –, é sua. Assim é que vai se financiar a melhoria dos serviços públicos. Não caia na conversa fiada de que imposto para rico, banco, fazenda e empresa é um fardo que inviabiliza a competitividade econômica – na verdade, eles nunca serão a favor de abrir mão de qualquer parte de seus ganhos e lucros, evidentemente, e se pudessem não pagariam nada. Repare como os jornais, a TV, nunca debatem esse tema. Ou melhor, até debatem, mas quando o fazem é sempre do ponto de vista do andar de cima. É um sinal, não acha?

Você que é classe média, seja sim a favor do combate à corrupção: a compra de jornais ditos independentes por políticos que tentam tapear você manchete após manchete vendendo como notícia o que é manobra de blindagem; a chantagem de promotores que ameaçam com denúncias para amealhar fortunas; o financiamento privado de campanhas eleitorais, que torna os representantes no parlamento marionetes dos mais diversos interesses empresarias ou de máfias. É óbvio, mas repare que (quase) ninguém defende uma correção radical dessa anomalia.

Classe média, não seja complexado(a). A síndrome de vira-lata em relação ao Brasil é sistematicamente alimentada no contexto de uma estratégia geopolítica. Claro, seja crítico. Mas não seja derrotista, envergonhado. Você nasceu aqui, ou veio viver aqui: defenda seu lugar. Repare que muitas vezes o noticiário que você lê, ouve ou vê, embora seja veiculado em português, parece ter sido produzido fora daqui. Não é curioso?

Você que é classe média, seja conservador. Conserve o que vale a pena ser conservado: a Constituição, por exemplo, ou a política de distribuição de renda, ou a excelente concepção do SUS. Lembre que certos tribunos da República de hoje promoveram há pouco tempo a compra de votos para aprovar a reeleição presidencial no curso do primeiro mandato do maior interessado na mudança. Isso que é subversão! Note que forçar condenações sem provas e espernear contra o direito de recorrer é inconstitucional. Isso é subversão. Entenda que educação e saúde públicas, universais e de qualidade liberariam seu orçamento de classe média de um grande fardo. Lembre quem derrubou a CPMF, que financiaria a saúde pública. Pense em quem nunca investiu na expansão das universidades federais. Faça esse esforço e você vai perceber que estão tentando fazer você de bobo. Ser feito de bobo da corte parece ser um papel histórico da classe média que você pode romper, para seu próprio benefício.

Ricardo Whiteman Muniz é jornalista, bacharel em Direito (USP) e trabalha no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.

 

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