Em artigo recentemente publicado pelo deputado Tiago Mitraud (NOVO-MG) no Nexo Jornal, o parlamentar vem à público defender que é preciso quebrar o que ele considera ser um “tabu” de que a educação pública precisa, necessariamente, ser estatal. Segundo Mitraud, fora do Brasil já seria uma realidade a educação pública oferecida pela rede privada, citando a Holanda como exemplo dessa opção de financiamento da educação básica. Para reforçar sua argumentação, menciona nas entrelinhas de seu artigo o ranking Pisa – um estudo realizado pela OCDE em diferentes países para medir o rendimento dos alunos em matemática, ciência e interpretação de texto – para afirmar que o Brasil investe mal os altos recursos públicos destinados à educação, concluindo, em seguida, se tratar de uma “ilusão” acreditar que o “Estado tem margem orçamentária” para aumentar o volume de recursos investido na educação básica.
Ora, para começarmos a discussão, devemos considerar que, ao contrário do que afirma o Mitraud, dentre os países no topo do ranking Pisa, a Finlândia, campeã do ranking há vários anos, tem seu financiamento todo bancado pelo Estado; já a Coréia do Sul, vice colocada, tem feito vultuosos investimentos estatais há mais de uma década, chegando a destinar 5% do PIB (mais de US$ 45 bilhões) na formação de professores, investimento em material de apoio e melhoria da estrutura, exatamente na contramão do que defende o deputado Tiago Mitraud.
Já no Canadá, terceiro colocado no ranking Pisa, seu sistema altamente descentralizado apresenta províncias nas quais 94% dos alunos estão matriculados em escolas públicas. Este é o caso de Ontário, por exemplo, que concentra 40% da população canadense. Segundo reportagem do El País, o orçamento destinado à educação infantil (primária e secundária) pelo Ministério da Educação de Ontário em 2018 foi equivalente a R$ 77,8 bilhões. Na província de Manitoba, por exemplo, as escolas públicas operam diretamente sob a tutela do Ministro da Educação da província e são financiadas por uma combinação de financiamento provincial direto e tributos especiais.
No Japão, país que aparece em quarto lugar na relação do Pisa, os recursos investidos pelo Estado no ensino público passam por uma gestão mais rigorosa. O volume de investimento é menor do que dos outros países citados acima (3,3% do PIB), mas a infraestrutura educacional é mais enxuta, o que permite maiores salários para os profissionais da educação. Lá os salários são pagos pelo governo federal em conjunto com a administração de cada província.
Portanto, trata-se de uma premissa falsa aquela utilizada pelo nobre deputado para defender a entrada da iniciativa privada no financiamento da educação pública básica brasileira. Falsa, pois nos países referenciais quanto à qualidade da educação pública, a maioria adota um sistema de financiamento público, gerido pelo Estado, quer em sua esfera federal, quer na estadual ou ambas. Ao contrário do que defendeu Mitraud, esses países referenciais investem pesadamente na estrutura escolar (professores, materiais de apoio, escolas, água, luz, etc.), entendendo os gastos na educação como investimento, e não como custo do Estado.
Aliás, é na parte final de seu artigo que o deputado Mitraud mostra claramente suas ideias de financiamento da educação pública e a quem ela serve. Segundo o parlamentar, a abertura do financiamento da educação pública à iniciativa privada permitirá que recursos como o do Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica e Valorização dos Profissionais de Educação) poderão financiar bolsas de estudo em escolas da rede privada (vouchers) e contratar escolas conveniadas para atender alunos da rede pública (charter schools). Ora, tal projeto visa transferir, diretamente, recursos públicos para instituições privadas e enriquecer um punhado de empresários ligados ao ramo da educação. (Nunca é demais lembrar, a propósito, que a família do atual ministro da economia, Paulo Guedes, possui investimentos no ensino privado). Na tentativa de justificar/legitimar sua proposta, Mitraud cita como exemplo de parceria público privada na educação o Prouni (Programa Universidade Para Todos), criado em 2005 durante a gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva. O deputado se esquece que, no campo progressista, essa tem sido uma das fortes críticas feitas à opção de financiamento do ensino superior adotado durante as gestões petistas. O principal descontentamento é, justamente, que o governo passou a enriquecer pequenos grupos de empresários ligados ao ensino privado, transformando a educação superior em um negócio altamente lucrativo em detrimento da qualidade dos cursos. Os governos Lula/Dilma, nesse sentido, teriam impulsionado a criação de universidades nas quais os títulos são comprados em suaves prestações em três ou quatro anos.
Pior que o uso indevido do Prouni para justificar sua proposta é a exposição clara que o deputado tem do financiamento da escola pública pelo Estado. Aqui não há pudores em expor o liberalismo. Para Mitraud,
“Quando investimos na construção de mais estrutura estatal, estamos aumentando nossos gastos com custeio para as próximas décadas […] mais escolas estatais significam mais professores na folha de pagamento, mais contas de água e luz, e, consequentemente, mais custeio no orçamento do Estado. Considerando a queda na taxa de natalidade no país, seria investir bilhões em uma estrutura permanente que ficaria em desuso rapidamente”.
Fica evidente a visão do deputado da escola pública como um “custo” que onera o Estado, sendo os principais gargalos aqueles qualificados como estruturais, tais como a folha de pagamento dos professores, água e luz. Percebam, tudo isso vem exatamente na contramão do que os países referenciais no que tange a qualidade da educação básica têm feito. Como vimos, Finlândia, Coréia do Sul, Canadá e Japão estão, justamente, aumentando os investimentos em estrutura, investindo na formação dos professores e gerindo, eles mesmos, os recursos destinados à educação.
Percebe-se, então, que a proposta de educação pública defendida por Tiago Mitraud visa atender a grupos específicos, isto é, grupos de investidores e empresários ligados ao ramo da educação privada que querem entrar no negócio da educação. Não basta mais as universidades ou os materiais didáticos. Querem abocanhar um público que, segundo o próprio parlamentar, seria de 40 milhões de estudantes de ensino básico matriculados nas escolas públicas. É disso que se trata toda essa discussão, e não da melhoria da qualidade de ensino de nossas crianças e jovens, como o deputado quer fazer parecer.