Histórias Apócrifas

Que boa surpresa esse Histórias Apócrifas de Karel Capek. Recomendo-o fortemente para qualquer um que queira ter enorme prazer e diversão na leitura. Logo no começo, o conto “Sobre a decadência dos tempos”, já nos faz dar boas risadas ao imaginarmos um velho casal da idade das pedras lamentando a decadência das novas gerações e a falta de perspectiva da humanidade; pouco depois, vem Tersites, conto que destaca os comentários maldosos de soldados gregos durante o cerco de Troia; mais adiante ainda, tem o conto “Sobre cinco pães”, que narra a opinião de um esforçado padeiro sobre os milagres de multiplacação de pães de Jesus. Há outros bastante interessantes e que são igualmente recomendáveis. Estou me divertindo muito com essa leitura.

Abaixo, um pequeno trecho extraído das páginas 26-27 do conto Tersites, que é uma ótima sacada do Capek. Neste conto, Capek narra o descontentamento de soldados gregos, acampados em frente a Tróia, antes de nova onda de ataque. Tersites é um dos soldados que reclamam e lamentam a sorte dos gregos nos dez anos de guerra contra Tróia, dando suas explicações das possíveis razões porque ainda a guerra não foi liquidada.

Curtam o trechinho que selecionei.


(…) Dizem que Aquiles se ofendeu  terrivelmente, porque Agamêmnon devolveu aos pais aquela escrava, como é mesmo o nome dela? Briseis, Kriseis, uma coisa assim… Ele tomou isso como uma afronta, mas parece que estava mesmo apaixonado pela moça… Olha, rapaz, que isso não é nenhuma comédia.

– Para mim vens dizer isso? – Perguntou Tersites. – Sei muito bem como tudo aconteceu! Agamêmnon simplesmente tomou-lhe a escrava, entendes? Mas para ele isso não é problema, porque se apossou de tantas jóias que nem sabe o que fazer com elas, e não pode ver um rabo de saia, que… Mas chega de mulheres! Afinal, foi por causa daquela tal de Helena que a coisa toda começou, e agora essa outra… Não ouvistes? Parece que a Helena agora está arrastando a asa para o Heitor. Essa aí já foi possuída por tod mundo em Troia, até pelo Príamo, que está com um pé na cova. E nós, agora, vamos passar pela necessidade e lutar por causa de uma fulaninha dessas? Muito obrigado, mas para mim chega!

– Dizem – observou Laomedon, meio envergonhado – que Helena é muito bonita.

– Dizem, dizem – respondeu Tersites, com desprezo. – Mas já está meio passada, e além disso é uma rameira de marca. Eu não daria por ela nem um prato de feijão. Sabeis rapazes, que é que eu desejo para o tonto do Menelau? Que ganhemos esta guerra de uma vez para ele receber a mulher de volta. A beleza de Helena não passa de lenda, impostura e um pouco de pó de arroz.

– Então nós, gregos, estamos lutando por uma simples lenda? É isso, Tersites?! – perguntou Hipodamos.

– Meu caro Hipodamos – respondeu Tersites -, percebo que não enxergas a essência das coisas. Nós, gregos, lutamos, primeiro, para que a raposa velha do Agamêmnon possa encher as burras com nosso butim; segundo, para que o janotinha do Aquiles possa saciar sua imensa sede de glória; terceiro, para que o vigarista do Odisseu possa nos escorchar fornecendo o armamento; por fim, lutamos para que um bardo vulgar e corrupto, o tal de Homero, ou lá como se chame, possa glorificar, por uns trocados sujos, os maiores traidores da nação grega e, ao mesmo tempo, vilipendiar ou ignorar os verdadeiros, modestos e abnegados heróis da Acaia, heróis como vós. É isso, Hipodamos. (…)

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