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Sobre a naturalização da desigualdade social

Um muro separa a comunidade de Paraisópolis dos condomínios de luxo do bairro do Morumbi em São Paulo. Foto: Tuca Vieira / Reprodução

Dentre os discursos ideológicos encampados por liberais de todas as matizes um dos mais perversos é aquele que busca naturalizar a desigualdade social e, por conseguinte, a ocorrência da fome e da miséria neste mundo em que vivemos. O caso mais recente (e estarrecedor) deste discurso apareceu nas falas de uma DJ e comentarista da JP, no canal do Monark. A jovem, em questão, chama-se Pietra Bertolazzi, que foi acompanhada em sua perversão por um colega, comentarista da mesma rádio, que parece se chamar Marco Antônio, de codinome Superman. Abaixo um video contendo cortes do programa comentado pelo pessoal do Meteoro (Ana e Álvaro).

Ora, os cortes deixam claro que para Pietra e Superman a desigualdade social é algo natural, o que é prontamente aceito por Monark, que repete a sentença como se fosse um mantra ao longo de todo o vídeo. Para os três jovens, portanto, é possível encontrar, mesmo na natureza, a “desigualdade social”, o que explicaria a “diversidade de hierarquias” no mundo animal e vegetal, como pontuou Monark.

De cara, ao ovirmos os participantes do podcast, percebe-se claramente uma falha na formação de todas essas pessoas, que mal dominam conteúdos ministrados no Ensino Fundamental II e Médio da rede pública de ensino. Como professor, posso afirmar tranquilamente isso, pois já trabalhei com os currículos do 6 ao 9 ano do EF-II e dos três anos do EM.

Vejam bem, não é preciso ser nenhum gênio para saber que o termo “social” em “desigualde social” refere-se às sociedades humanas. Desde os tempos de Aristóteles, que já ensinava que o Homem é um animal social, não cabe espaço para dúvidas de que as sociedades são construções humanas, que as organizam segundo os critérios que melhor lhe convém nas distintas épocas. As sociedades, portanto, não são naturais, mas sim criaturas da humanidade. Se há desigualdade em uma sociedade, isto se dá em razão do modo como elas organizam os seus modos de produção e distribuição. A depender de como estes são organizados, haverá mais ou menos acúmulo nas mãos de algumas poucas pessoas em detrimento da grande maioria, como no caso do modo de produção capitalista. Enfim, logo se vê que bastaria essa base de conhecimento para não embarcar em toda a baboseira liberal que Bertolazzi e o Superman ficaram falando minutos a fio no programa do monarca não esclarecido.

Do lado contrário deste discurso ideológico, diversos pesquisadores no campo das Ciências Sociais, da Geografia, da Filosofia e da História vêm insistindo, desde o século XIX, em explicar a fome e a miséria como um produto do modo como nós organizamos o trabalho e, por fim, a sociedade. No documentário “Encontro com Milton Santos (Ou o mundo global do lado de cá)”, o professor afirma claramente, como se fosse uma questão de matemática, que a existência de famélicos e miseráveis neste planeta é, puramente, uma questão de escolha, uma vez que produzimos alimentos suficientes para sustentar toda a população mundial. A fome e a miséria, portanto, não vêm do céu, como castigo, e nem surge do nada. Elas são criações de uma humanidade perversa que busca, acima de tudo, o acúmulo individual de riquezas em um planeta com recursos finitos. Abaixo, trecho do documentário de Silvio Tendler, Encontro com Milton Santos (ou o mundo global visto do lado de cá), no qual ele trata do problema da fome mundial como uma questão de escolha.

Além de Milton Santos, gostaria de concluir esta postagem-desabafo relembrando o pensamento vivo de Ailton Krenak, no qual, com muita alegria, ele afirma a desigualdade social como o produto mais característico desta sociedade em que vivemos ao lembrar do exemplo vivo das muitas sociedades ao redor do planeta que se organizaram, e ainda se organizam, de modo em que simplesmente não há espaço para a fome e para a miséria entre os homens e mulheres. Bertolazzi, certamente, carece de conviver e aprender com os povos originários do Brasil e de outros lugares do mundo para, quem sabe assim, aprender uma lição de humanidade. Por enquanto ela tem dado razão ao epíteto que lhe deram de BertoNazi.

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