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Publicidade infantil: a formação de consumidores precoces e a antecipação do fim da infância

Mestre em psicologia clínica pela PUC-RIO, Laís Fontenelle Pereira acaba de publicar um texto interessantíssimo tratando sobre a problemática formação de consumidores precoces através da publicidade infantil que, com o bombardeio de comerciais feitos sob medida a este público, acaba por inibir outras maneiras de socialização, contribuindo para que as crianças, historicamente vistas e tratadas como um vir a ser que precisavam ser preparadas para o mundo adulto, fossem elevadas pelo mercado ao status de consumidoras – antes mesmo de poderem exercer plenamente sua cidadania.

Abaixo, o Hum Historiador repercute a íntegra desse texto que, originalmente, foi publicado no portal Outras Palavras nessa última segunda-feira, dia 17 de março de 2014.

SOBRE CRIANÇAS E MENTES COLONIZADAS
por Laís Fontenelle | para o portal Outras Palavras

No dia 15 de março comemorou-se o Dia Internacional dos Direitos do Consumidor. Nessa mesma data, em 1962, o então presidente dos EUA, John F. Kennedy, enviou uma mensagem ao congresso norte-americano chamando atenção da sociedade para garantias básicas, até então pouco conhecidas e negligenciadas como o direito de proteção contra propagandas e embalagens fraudulentas, o direito de escolha e informação frente aos produtos e o direito de ser ouvido.

A mensagem deixava evidente a urgência da questão. Porém, a primeira comemoração da data se deu em 1983, e foi somente dois anos depois que a ONU reconheceu os direitos dos consumidores, legitimando internacionalmente a causa. Já no Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, um dos mais completos e ousados do mundo, entrou em vigência em 1990, dois anos após a promulgação da atual Constituição Federal, e pode ser visto como resposta do poder público aos anseios da sociedade civil em relação aos avanços desgovernados da sociedade de consumo.

Curiosamente, é também dos anos 90 que muitos autores datam a crise conceitual da infância, pois foi quando as crianças, historicamente vistas e tratadas como um vir a ser que precisavam ser preparadas para o mundo adulto, foram elevadas pelo mercado ao status de consumidoras – antes mesmo de poderem exercer plenamente sua cidadania. Tidas até então como filhas de cliente, as crianças passaram a ser consideradas como consumidoras finais, tornando-se um alvo importante do mercado de consumo de produtos e serviços – um potencial nicho comercial.

Foi nesse contexto que a publicidade dirigida às crianças entrou em cena com grande força. Passou a endereçar ao público infantil mensagens de apelo ao consumo, que se aproveitam da vulnerabilidade infantil para vender. Tornou-se, segundo pesquisa da Intersciense, de 2003, a principal influência de compras dos produtos infantis com embalagens e personagens famosos. Hoje, contudo, a publicidade não endereça às crianças somente mensagens de produtos infantis, mas também de objetos adultos. Isso deve-se ao fato deste público estar sendo encarado pelo mercado como porta de entrada para a influência nos hábitos de consumo de toda a família.

Dados mundiais a esse respeito apontam que a influência das crianças nas compras realizadas pela família chega a 80% em relação a tudo o que é consumido, inclusive em relação a bens e serviços de interesse exclusivo dos adultos, como, por exemplo, marcas de automóvel, imóveis, produtos de limpeza etc. No Brasil, só a moda infanto-juvenil movimenta a soma anual de R$10 bilhões, o que corresponde a um terço de toda a roupa consumida no país.

A partir desses dados podemos dizer que o mercado enxergou nas crianças uma rentável fonte de lucros, já que quanto mais cedo você fideliza a criança a uma marca, mais chances tem dela ser fiel à mesma do berço ao túmulo, como dizem os publicitários. Assim, aproveitando-se da fragilidade e vulnerabilidade infantil, o mercado passou, então, não somente a atrair os olhares das crianças, como a dirigir-se diretamente a elas com peças publicitárias feitas “sob medida”.

Não foi à toa, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro previu proteger as crianças de apelos de consumo, instituindo no Art. 37: “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva (…)”, e explicando no seu parágrafo§2º que “É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (…)”.

As crianças são convidadas pela publicidade – que lhes é ilegalmente dirigida – a ingressar cada vez mais cedo no complexo mundo adulto do consumo. A lógica do consumo domina as relações infantis e acaba restringindo a criatividade e as trocas afetivas das crianças, além de queimar etapas importantíssimas do seu desenvolvimento.

A criança será, em função do tempo em que vivemos, uma consumidora no futuro. Logo, além de protegê-la legalmente da comunicação mercadológica, como já fizeram 28 países do mundo, incluindo os dez com melhor qualidade de vida –,precisamos prepará-la para que seja uma cidadã e consumidora consciente e responsável. Isso é feito com Educação, principal ferramenta no processo de transformação social. Lembre-se: educar, assim como consumir, é um ato político.

Precisamos começar a educar nossas crianças para que tenham responsabilidade ao comprar. O direito à educação para um consumo consciente é não só um desafio, como também a solução para os problemas morais e ambientais de nossos tempos.

O principal direito das crianças é o direito à infância. Pensemos no direito de escolha e de proteção de nossas crianças frente ao bombardeio publicitário que as convida a tornar-se adultas antes do tempo. Elas são o prefácio para um mundo mais ético e sustentável, e têm nas mãos o poder de reinventar as relações de consumo. Tudo depende de vontade política e atuação conjunta em duas frentes: regulação e educação.


Laís Fontenelle Pereira é mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio e autora de livros infantis e especialista no tema Criança, Consumo e Mídia. Ativista pelos direitos da criança frente às relações de consumo, é consultora do Instituto Alana, onde coordenou durante 6 anos as áreas de Educação e Pesquisa do Projeto Criança e Consumo.

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A Palestina nos livros escolares israelenses: ideologia e propaganda na educação

Nurit Peled-Elhanan é professora de língua e educação na Universidade Hebraica de Jerusalém e, após a morte de sua filha em um atentado suicida em 1997, se transformou em uma crítica ferrenha da ocupação israelense nos territórios palestinos. Em novembro de 2011 lançou um livro intitulado “Palestine in israeli schoolbooks” (A Palestina nos livros escolares israelenses: a ideologia e a propaganda na educação), no qual argumenta que os livros didáticos utilizados no sistema educacional de Israel marginalizam os palestinos e são idealizados para preparar as crianças israelenses para o serviço militar.

Em seu livro, Peled-Elhanan analisa os livros didáticos israelenses, estudando seu uso de imagens, mapas e linguagem, especialmente nos assuntos voltado a história, geografia e estudos cívicos e o vídeo abaixo é o fruto de uma entrevista que a Alternate Focus fez com a professora Elhanan sobre sua pesquisa.

Durante a entrevista, Nurit Peled-Elhanan expõe em detalhes como os livros didáticos israelenses são elaborados com o objetivo de desumanizar o povo palestino e fomentar nos jovens estudantes israelenses a base de preconceitos que lhes permitirá atuar de forma cruel e insensível com o mesmo durante o serviço militar. Esta, aliás, foi um dos problemas que motivou a pesquisadora e realizar seu trabalho, isto é, entender como as crianças israelenses que são supostamente educados com base em valores muito ilustrados e humanistas, acabam se tornando “monstros horrorosos” no exército.

Segundo a pesquisadora, as construções de mundo feitas a partir dos livros didáticos, por serem as primeiras a se sedimentarem na mente das crianças, são muito difíceis de serem erradicadas. Daí a importância que o establishment israelense dedica à ideologia a ser transmitida nos livros didáticos. Neles, os palestinos nunca são apresentados como seres humanos comuns. Nunca aparecem em condições que possam ser consideradas normais. Para Nurit Peled-Elhanan, não há nesses livros nem sequer uma fotografia de um palestino que mostre seu rosto. Eles são sempre apresentados como constituindo uma ameaça para os judeus.

Há uma parte da entrevista onde a pesquisadora explora a representação da Palestina em mapas sobre o Estado de Israel presentes nos livros escolares israelenses.

Nesta parte da entrevista Nurit Peled-Elhanan deixa claro que a maioria dos livros didáticos israelenses, quando mostram o mapa de Israel, não mostram as fronteiras reais daquele Estado, mas sim o que é chamado de “Grande Terra de Israel”, o que inclui a Palestina dentro dessa concepção de território. Tal concepção confunde os estudantes que, como diz a pesquisadora, a três gerações não sabem direito quais são as fronteiras reais de Israel, uma vez que conhecem apenas a Grande Terra de Israel. Por fim, fala da outra estratégia adotada pelos livros didáticos que é não representar os palestinos de modo algum nos mapas de Israel, deixando um espaço em branco onde deveria aparecer a Palestina, trabalhando com a ideia de que se aquela região está em branco, ela não foi ocupada, isto é, uma região que não possui habitantes e está a espera de ser habitada.

De fato uma pesquisa bastante reveladora das estratégias de Israel para aniquilar qualquer possibilidade de existência de um Estado Palestino. Vale a pena conferir a entrevista inteira e saber mais sobre o assunto a partir de um ponto de vista que normalmente não chega até nós. Deixo aqui minha recomendação.

MAIS VIDEOS DE NURIT PELED-ELHANAN

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