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Turistas se hospedam em hotel de luxo que se parece com uma favela para oferecer uma “experiência de pobreza” a seus clientes

Publicada originalmente no portal Pragmatismo Político em novembro/2013, esta notícia merece repercussão e comentário por aqui no Hum Historiador. No entanto, no momento não estou com tempo para fazer um comentário maior em razão de meus compromissos com o mestrado. Deixo, porém, um breve comentário de um amigo historiador no facebook, Eduardo Peruzzo, que entendo ser muito pertinente para a discussão:

“Lembra quando falava da necessidade da Esquerda Universitária de debater o fenômeno da “Folclorização da Pobreza” em vez de endossa-lo desde baixo? Pois bem, anda cada vez pior!”

Abaixo segue a repercussão da notícia tal como publicada no portal Pragmatismo Político em 29.nov.2013.

O hotel de luxo que se parece com uma favela para os turistas “mais extravagantes” que querem uma “experiência de pobreza”

hotel luxo favela áfrica
O Emoya Luxury Hotel and Spa, na África do Sul, tem uma atração especial para os seus hóspedes: a Shanty Town. Trata-se da reprodução de uma favela feita no resort de luxo para acomodar clientes “mais extravagantes”.
Com diária de R$ 192 (barraco para quatro pessoas), o cliente pode ter a experiência “autêntica” de viver em uma favela. O barraco é feito com os mesmos materiais das moradias originais da região.
hotel luxo favela
Mas, ao contrário de um barraco tradicional – sem energia elétrica e aquecimento -, cada unidade da favela do resort tem sistema de aquecimento sob o chão e acesso à internet.

A favela de luxo recebe até 52 pessoas.

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A farsesca ressureição do ARENA

É célebre a frase do filósofo alemão Karl Marx na sua crítica feita a Hegel acerca da essência da história. Segundo Hegel, os grandes eventos históricos tendem a repetir-se duas vezes, ideia que Marx completa de forma irônica logo no primeiro parágrafo de sua obra O Dezoito Brumário. Marx acrescenta que seu colega esqueceu-se de assinalar que estes tais eventos ocorrem a princípio como tragédia, para depois ocorrerem como farsa.

No contexto em que Marx escreve, os eventos históricos que ele tem em mente são bem específicos: O Golpe Napoleônico em 1799 e o Golpe de Luis Bonaparte em 1851. Para ilustrar bem a diferença existente entre estes dois eventos históricos e principalmente entre os sujeitos que os protagonizaram, basta lembrar que a França atribuía a Napoleão a tarefa de levar os ventos da liberdade por toda a Europa através de suas conquistas, mesmo que, sob muitos aspectos, contrariasse os ideais da Revolução Francesa. No caso do Bonaparte do meio do século XIX, este tinha sobre si o desdém da maioria dos franceses, expresso na alcunha que o genial Victor Hugo então lhe atribuiu: Napoleão, o pequeno.

A ironia de Marx, busca mostrar justamente a inexorabilidade do específico no devir histórico. Não há repetição dos feitos históricos engendrados pela humanidade, o que pode haver de mais próximo a isto é apenas uma caricatura do evento original, mas que tem em si sua própria especificidade, sendo, portanto, outro evento, fruto das necessidades imperiosas do século que o permite nascer e não daquele que o inspirou no passado. Desta forma, independente do juízo de valor que possa se atribuir ao evento (categorias como bom ou ruim para o desenvolvimento da humanidade de algum modo), ele não vai se repetir novamente, uma vez que os homens ao fazerem a história não a fazem como querem.

Posto isto, cabe fazer uma análise etimológica dos termos utilizados por Marx para ironizar a percepção de historia hegeliana. Neste sentido, a busca pela carga semântica que cada palavra carrega consigo, nos ajudará a compreender a crítica feita por Marx.

De acordo com alguns dicionários etimológicos em língua portuguesa, a palavra tragédia, do grego tragikós, nos remete ao que seria uma peça de teatro em versos, e que termina, em regra, por acontecimentos fatais. Nos mesmos dicionários consultados a palavra farsa, de origem latina, farsus se refere também a uma peça teatral, sendo, porém, esta de caráter cômico, vivaz, irreverente e burlesca, que ao invés de terminar com fatalidades, termina sob o signo da mentira ridícula. Uma peça que ao invés de levar à dor devido à inexorabilidade dos fatos, leva ao riso devido a sua carga marcadamente leviana e superficial. Eis, portanto, a definição de cada uma das coisas das quais se falará aqui. Pois assim como queria Cícero, “que tudo aquilo sobre o que vai se falar seja antes definido na sua essência”.

* * * * *

A justificativa para uma definição apurada de conceitos seja no que concerne a etimologia, seja no que tange a definição de conceitos históricos, é que vamos falar sobre um exemplo típico do que Marx chamaria de farsa histórica. Tentaremos entender aqui do que se trata realmente o desejo de “refundação” de um partido político, fruto do AI-2, portanto do limiar do episódio mais antidemocrático de que se teve notícia nesta república, a Ditadura Militar oriunda do Golpe de 1964.

Trata-se da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que naquela ocasião reunia os partidários do golpe. Não senhores. Não estamos falando da reconstrução histórica de um produto do engenho humano, o que seria perfeitamente salutar e necessário para um entendimento mais apurado daquele momento e das necessidades que o fizeram nascer. Estamos falando da utilização da história como ressuscitadora de um cadáver que jaz há muito em estado de putrefação avançado, e que mesmo assim se pretende que se levante exalando o odor insuportável de matéria morta em um mundo de vivos. Uma imagem horripilante de um monstro desfigurado pela ação do tempo que já não age mais por si, mas como uma marionete dantesca que molesta o passado, entristece o presente e faz perder a fé no futuro. Estamos diante de uma mutilação da história.

A alegoria dicotômica feita por Marx imediatamente nos vem a mente. Em um primeiro plano, a fundação do ARENA por  homens que acreditavam em ameaças vindas do leste, que tinham pesadelos com as ideias comunistas e que viviam em um mundo bipolar, cuja ameaça de guerra era algo permanente. Um mundo onde não se permitia ser neutro e no qual as possibilidades de escolha eram extremamente limitadas. Estes homens, diante das necessidades imperiosas daquele tempo se reúnem e fundam este partido.

O ARENA, em 1964, é filho de seu tempo, assim como as mentes que o engendraram. Eis, portanto, na alegoria de Marx, o evento em si, dotado da sua especificidade, forjado pelas circunstâncias e contingências de um mundo que precisa dele tal como é. Independente do juízo de valor que venhamos a atribuir a ele, nunca poderemos dizer que o nascimento deste partido, naquelas circunstâncias, não se justificava historicamente. Assim como Napoleão levava consigo o corolário contra o Antigo Regime enquanto marchava pela Europa mudando o curso da história, o ARENA reunia guerreiros em torno de si para resistir ao demônio do comunismo, garantido a ordem através da força: A democracia não sobreviveria naquele mundo inóspito da Guerra Fria. O povo sempre precisa de líderes em momentos cruciais como este para salvaguardar os valores da nação e, em momentos mais brandos, devolvê-los ao povo novamente. Há que se perder fatalmente as liberdades, há que se perder muita coisa em nome do bem comum. O ARENA foi uma necessidade histórica que traz consigo algumas fatalidades como o fim da democracia, da liberdade partidária, ele é, de fato, a tragédia de Marx.

E o ARENA de 2012, o que é? Nada. É algo esvaziado do seu significado original. Não há comunismo logo, qual é o inimigo? O povo não corre perigo, logo qual sua função? Qual a necessidade de um partido nos moldes do ARENA em uma republica democrática com incontáveis partidos e possibilidades infinitas de se criar outros tantos de uma hora para a outra?  Porque ressuscitar um partido oriundo de uma conjuntura política totalmente diferente da atual, sendo que é possível criar um novo de acordo com as mais variadas premissas ideológicas? Qual o lugar de um partido como este, depois da constituição de 1988? Nenhum. Eis a farsa de Marx: o ridículo, o sem propósito, a caricatura que faz rir expressando não uma volta do passado, mas sim um momento lamentável do presente no qual a juventude quando não é apática em termos de práticas políticas é absurdamente burra no que concerne às ideias políticas.

Os garotos do sul não entendem para que serve a história, não entendem como se faz a história: Não se planeja fazer a história, simplesmente se faz. Toda tentativa de calculo histórico é ridícula, porque a história, sendo a ciência do homem, não está sujeita as mesmas regras das demais ciências, dado que seu objeto é, mutatis mutandis, pautado pela contingência. Neste caso, resta apenas informar-lhes que é impossível ressuscitar o ARENA, e que ao tentá-lo estarão construindo algo novo, pois não está no humano viver no passado. Resta informar-lhes que o tempo da humanidade é o presente. Resta convidar-lhes a atuar na história como tragédia e esquecer o ridículo desta farsa.

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[Textos Clássicos] A Ideologia Alemã

Atendendo a sugestão da amiga e também historiadora Célia Regina, estou inaugurando uma nova página no blog que é a de TEXTOS. A ideia é publicar neste espaço alguns textos clássicos da historiografia cuja leitura foi recomendada pelos professores do curso de História da FFLCH-USP.

A IDEOLOGIA ALEMÃ

Em homenagem ao 129º ano do falecimento de Karl Marx, ocorrida em 14/03/1883, o texto de estréia da página é extraído da obra A ideologia alemã, escrita em parceria com seu amigo Friedrich Engels.

Filósofo alemão, Karl Marx nasceu em Trier em 5 de Maio de 1818 e morreu em Londres a 14 de março de 1883. Estudou Direito nas universidades de Bonn e Berlim, mas dedicou-se principalmente a filosofia hegeliana, tendo se formado em 1841, com a tese Sobre as diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e de Epicuro.

O livro A ideologia alemã, foi escrito nos anos de 1845-46 e, censurado, não foi publicado em uma edição completa até o ano de 1932.

Segundo o site da Boitempo Editorial, que recentemente publicou uma edição integral do livro, A ideologia alemã:

(…) é considerada por muitos estudiosos a obra de filosofia mais importante de Marx e Engels. Representa a primeira exposição estruturada da concepção materialista da história e é o texto central dos autores acerca da religião. Nela eles concluem um acerto de contas com a filosofia de seu tempo – tanto com a obra de Hegel como com os chamados “hegelianos de esquerda”, entre os quais Ludwig Feuerbach. Esse ajuste passou antes pelos Manuscritos econômico-filosóficos, por A sagrada família, por A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, para alcançar em A Ideologia Alemã sua primeira formulação articulada como método próprio de análise. 

A crítica – quase toda em tom sarcástico – dos dois filósofos ridiculariza o idealismo alemão e articula as categorias essenciais da dialética marxista (como trabalho, modo de produção, forças produtivas, alienação, consciência), constituindo assim um novo corpo teórico.  

FONTE: Boitempo Editorial

O trecho selecionado é apenas um aperitivo, já que tratam-se apenas de algumas poucas páginas do primeiro capítulo no qual Marx & Engels  fazem a crítica ao filósofo alemão Feuerbach, estabelecendo uma oposição entre as concepções materialista e idealista.

Como não poderia deixar de ser, como se pode supor pelo nome deste blog, destaco aqui um pequeno trecho, que foi riscado no manuscrito original, no qual Marx fala da história como ciência:

1. A ideologia em geral, e a filosofia alemã em especial

Conhecemos apenas uma ciência, a ciência da história. A história pode ser examinada sob dois aspectos. Pode ser dividida em história da natureza e história dos homens. Os dois aspectos, entretanto, são inseparáveis; enquanto existirem os homens, sua história e a da natureza se condicionaram reciprocamente. A história da natureza, que designamos como ciência da natureza, não nos interessa aqui; em compensação, teremos que nos ocupar pormenorizadamente da história dos homens; com efeito, quase toda a ideologia ou se reduz a uma concepção falsa dessa história, ou procura fazer dela total abstracção. A própria ideologia não passa de um dos aspectos dessa história.

Espero que gostem desta novidade e que os textos ali disponíveis possam ser de proveito não apenas para quem estuda História, mas para todos que se interessem por boa leitura.

DOWNLOAD DO TEXTO

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