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Obrigada por tentar me matar

Vítima da covardia de Luís Henrique Nogueira, Suzane Jardim publicou no perfil de uma rede social uma nota de desabafo contra seu algoz, ainda foragido da justiça, ironicamente agradecendo por todo o sofrimento que ele a está fazendo passar após tê-la arremessado pela janela de um apartamento localizado no quarto andar de um edifício na Vila Mariana, em São Paulo.

Após ter sofrido fraturas em dez costelas, na pélvis, na perna direita, além de ter deslocado a clavícula, Suzane clama por força para superar as dificuldades impostas pelo violento ataque machista de Luís Henrique Nogueira que, com seu ato, privou-a de conduzir sua vida da maneira como ela sempre o fez: com alegria e muito prazer em cada atividade.

Eu, através do Hum Historiador, faço questão de expressar todo meu repudio a qualquer ato de machismo, em particular os que acabam descambando para violência física e atentando contra a vida de mulheres como Suzane Jardim. Infelizmente, casos de homens que não conseguem aceitar um NÃO ou serem contrariados sem partir para a violência não são exceção, mas regra em nossa sociedade machista.

À Suzane, gostaria de enviar e desejar toda a força que ela certamente irá precisar para passar por tudo o que ela aponta em sua nota de desabafo. FORÇA SEMPRE, Suzane!!!

Abaixo, a íntegra da nota divulgada por Suzane Jardim.

OBRIGADA

Suzane JardimSoube hoje por meio do ortopedista que, após me recuperar da cirurgia e voltar pra casa, caso siga uma fisioterapia rigorosa por todo o tempo indicado, levarei cerca de 2 a 3 meses para voltar a me sentar e 6 meses para poder firmar meus pés no chão. Agradeço por, em seu ato de ódio e demonstração de superioridade, ter me privado de minhas liberdades, mesmo que provisoriamente, desse modo cruel, cara.

Obrigada por me privar de brincar de ninja ou de apostar corrida com o Théo quando o busco da escola; me impedir de ir cantar Black com a Lilian e me lotar de cerveja no karaokê das travestis; me deixar sem poder pegar sessões de filmes bizarros com o Salomão no Cinusp.

Obrigada por eu não poder mais propor almoços de última hora ou passeios noturnos duvidosos ao Vinícius, meu bebê, tudo no intuito infantil de “quem sabe durante essa conversa livre, ele não se solta, pega na minha mão por cinco segundos e eu sinto o arrepio que isso me causará pela noite toda”; por fazer eu perder ao menos duas edições da Um Abajur Cor de Carne na Mansão Deangelo; tirar meu prazer em sentar em um canto para tiriçar e fazer um super trunfo da decadência com a Jullyana; Valeu pelo tempo insuportável que passarei sem participar e ver de perto a dança sensualizante de um passo só da Grazi nas festas da USP.

Obrigada por não mais ficar na frente do Fecha Nunca criticando roupas alheias com o Lolô ou esbanjando minha negritude punk com o Cesinha; pela falta louca que sentirei de arrasar na pista do Street com o Fê Borsato em dias em que levo a Sueni para beber umas sem que ninguém peça a ela o RG; grata por não poder mais fazer meu café perfeito durante as visitas do Ricardo, quando fazemos dancinhas pra qualquer bobagem e fumamos nossos cigarros observando a proliferação absurda dos coelhos de casa; mas principalmente, agradeço por me manter metade de um ano sem completa capacidade de me locomover, banhar, usar o banheiro e outras coisas que você fará normalmente – ainda mais se permanecer foragido, seu covarde – enquanto serei incapaz de fazer sozinha.

Um dia pararei de chorar. Nesse dia espero que todos ainda estejam do meu lado, os que citei e tantos outros que estarão ausentes do meu dia a dia durante esse tempo. Até lá, por favor, não me esqueçam. E que eu seja forte… E que eu seja forte…

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Cultura do estupro

por Liana Machado especialmente para o Hum Historiador

Ainda em estado de náusea, escrevo esse texto. Acabo de ver na TV uma cena de estupro grupal, cometido por jovens contra uma menina de 13 anos. Os criminosos? Estudante de um colégio de classe média no Rio de Janeiro.  Obviamente, não se tratam de doentes mentais, que viveram em sua infância algum tipo de violência sexual. Trata-se da boa e velha cultura do estupro.

Em 1890 a República recém-instaurada, promulga seu característico código penal. O artigo 231 dizia que era crime o crime de estupro, mas diferenciava bastante as possíveis vítimas: “Ter cópula carnal por meio de violência, ou ameaça com qualquer mulher honesta: Penas – de prisão por três à doze anos, e de dotar a ofendida. Se a violentada for prostituta: Penas- de prisão por um mês à dois anos” (CP 1890). A brecha agigantava-se para os criminosos. Bastava provar que a vítima era prostituta, e sua situação podia se resolver facilmente. Diferentemente, o código penal promulgado em 1940, não fazia nenhuma distinção entre vítimas. Entretanto, a titulação a que o conhecido artigo 213, repetido no código pós-ditadura de 1988, estava circunscrito, explicava muita coisa, pois os crimes sexuais, longe de serem crimes cometidos contra a pessoa, eram crimes contra os costumes (CP 1940 e 1988). Ou seja, se a mulher não fosse cumpridora de seus papéis sociais pré-designados, preservando o bem maior “costumes”, que crime se cometia então ao estuprar alguém “que não se dava o respeito”?

Do código penal isso desapareceu em 2009. Mas e de nós? Observando a cena grotesca, transmitida pela televisão é fácil perceber. Garotos de 13 à 16 anos estupram uma menina de 13 e postam na internet,  tão grande é a certeza da impunidade. Não achavam estar cometendo um crime. Fico pensando no tipo de pais que essas criaturas têm. Agora lhes passaram a mão nas cabeças de seus pobres meninos, seduzidos por uma devassa, putona? Tivessem tido uma boa criação não fariam isso para começar.

Começará agora um longo julgamento. Não o deles. Pois como menores, nada lhes acontecerá. Nem mesmo serão presos os três meses máximos no caso de infração de menores, nas “fundações casa” da vida. São ricos. O julgamento que se inicia é o dela. Da verdadeira culpada. Da mulher, moça, menina, criança. Se farão listas de todos os meninos que ela ficou, falarão de suas roupas, de seu comportamento. Os amigos, e principalmente as amigas acharão bem feito. Não tivesse falado isso, não tivesse feito aquilo, isso não teria acontecido. A culpa é dela!

A escola não se pronunciou, nem vai. Resistirá a discussão que isso poderia provocar. Em época de vestibular, isso é caso menor.  Ficará restrita a uma sala de professores, defensores da boa moral e dos bons costumes, e contarão casos da dita cuja, pessoa sobre quem tinham certeza que algo assim aconteceria. Não prestava. A diretoria se cala, os professores se calam, a sociedade pasma.

Pasma mesmo. Imagine. Os pais dos culpados defenderão seus rebentos até o fim. Sabem que são bons meninos que apenas se deixaram levar pelo entusiasmo. E obviamente a moça lhes provocou seus instintos mais animalescos. E tudo segue como se nada tivesse acontecido. Vestibular, trabalho, casamento, filhos. E logo, ninguém mais se lembrará disso. Tudo segue igual.

Menos para uma pessoa. Apenas para uma pessoa a vida nunca mais será a mesma. Teve seu corpo e sua alma devastada. Sua intimidade coberta de vergonha. A violência sofrida publicizada. Sairá da escola, quem sabe até mudar de bairro, de cidade. Será que seus pais a confortarão? Ou também a culparão? E como se não bastasse toda essa violência, ela ainda terá de lidar com a culpa. Pois foi ela quem fez.

Escrevo tudo isso com muita vergonha do meu país machista. Quero eu que tudo que disse aqui ocorra exatamente em seu contrário. Que a justiça seja feita, que a escola, professores e alunos, vejam nisso uma ótima oportunidade para discutir a cultura do estupro, e que a condenem. Que os pais dessas criaturas repensem nos valores em que estão criando em seus filhos. Que nossa sociedade repense. E espero, sobretudo, sinceramente, que essa criança de 13 anos, consiga um dia se recuperar.

Mas eu sei onde vivo. E aqui, em certos casos, estupro é justificável. Aqui tem mulher para foder e para casar. E as para foder que se fodam. Por se tratarem de ricos até mesmo a TV será proibida de mostrar. E encontrando a verdadeira culpada, a sociedade se alivia. Pois aqui ninguém entende quando pessoa rica comete crime. Será bem mais reconfortante para todos nós, assumir que a garota deixou. Será reconfortante para todos nós? Não para mim!


Liana Machado é historiadora e está concluindo seu mestrado, também em História, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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“Trucidamento da família Kubitzky”, grilagem e especulação imobiliária

Que o twitter e o Facebook são ferramentas incríveis de divulgação, ninguém mais duvida. Eu muito menos.

Acabei de receber via @celioturino um link com notícia da Folha de S. Paulo de 01 de julho de 1969, onde fui informado do misterioso “trucidamento da família Kubitzky”, ex-proprietária do terreno onde anos mais tarde acabou sendo instalada a ocupação do Pinheirinho. O caso nunca foi solucionado e, como a família não tinha parentes ou herdeiros, o Estado acabou incorporando a fortuna dos Kubitzky, inclusive imóveis, é claro.

Abaixo trecho da reportagem retirada da edição digitalizada do Acervo Folha:

Seria interessante buscar uma compreensão de como foi que, depois de o Estado ter herdado o terreno, ele foi cair nas mãos do Naji Nahas e do Grupo Selecta. Nas redes sociais já circula uma explicação, que deveria ser investigada pelas autoridades competentes, da possibilidade de estarmos diante de um caso de GRILAGEM DE TERRA. ALÔ MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, vocês poderiam dar uma posição sobre o caso????

Já através do Facebook, a amiga Ana Paula me passou link de um vídeo gravado no Rio de Janeiro em uma das muitas manifestações de apoio ao Pinheirinho ocorridas ao redor do Brasil no dia de hoje, 23/01/2012. Em um certo momento, uma professora de São José dos Campos, em férias no RJ, pediu a palavra. Em sua fala ela não só levantou as mesmas suspeitas sobre a possível grilagem do terreno ao questionar como uma propriedade de família alemã poderia ter sido herdada pelo libanês Naji Nahas, como também mencionou o fato de um condomínio empresarial de luxo ter se instalado na frente do Pinheirinho, há aproximadamente cinco anos e, em decorrência disso, exercer forte pressão para que a ocupação fosse removida dali e no local pudesse ser construída uma extensão do dito centro empresarial. Vejam o depoimento:

Por enquanto o que se pode afirmar é que, desde o princípio, em 1969, até o caso mais recente da violentíssima reintegração de posse do Pinheirinho, este terreno está manchado de sangue e muito mistério. As autoridades deveriam vir a público e se pronunciarem quanto as dúvidas que foram levantadas e, se for o caso, investigar para dar uma satisfação aos contribuintes.

VEJA A REPORTAGEM COMPLETA – ACERVO FOLHA 

CONVERSA AFIADA – PM e Justiça de São Paulo devolvem a Nahas posse ilegal

Neste outro vídeo, alguns flagrantes da extrema violência com que foi feita a ação de reintegração de posse de Pinheirinho. Assustam as imagens de pessoas sendo marcadas com pulseiras azuis de identificação, a informação de que a prefeitura está concedendo passagens para os moradores irem para outros estados da federação e o flagrande de um policial sacando uma arma de fogo e ameaçando os moradores.

O Massacre de Pinheirinho: A verdade não mora ao lado from Passa Palavra on Vimeo.

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