Arquivo do mês: maio 2012

O caminho da sustentabilidade com Washington Novaes

Voltando ao assunto da sustentabilidade e da Rio+20, conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, a ser realizada no Rio de Janeiro de 13 a 22 de junho de 2012, gostaria de divulgar por aqui a entrevista que aborda estes assuntos realizada por Elizabeth Carvalho com o jornalista Washington Novaes, exibida no programa Milênio, da Globo News, em princípio de maio deste ano.

Washington Novaes é um jornalista premiado e um dos maiores especialistas do país quando o assunto é meio ambiente. A entrevista começa com a jornalista pedindo para que Novaes definisse o conceito de sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável e o entrevistado responde a pergunta fazendo uma rápida definição, mas matizando a ideia ao questionar se podemos falar de desenvolvimento sustentável em um mundo onde a distribuição de riqueza é tão desigual. Em seguida, Novaes fala sobre os fracassos práticos dos inúmeros tratados e convenções assinados pelos países desde a Rio 92, como a convenção do clima ou a convenção sobre a diversidade biológica e outras mais, concluindo a questão afirmando que o balanço da Rio 92 é, na verdade, um balanço bastante melancólico.

A entrevista foi disponibilizada na íntegra (25 min) no site do programa e é apresentado pela Elizabeth Carvalho da seguinte maneira:

No próximo mês de junho, quando o mundo desembarcar no Rio de Janeiro para discutir se o instinto de preservação dos homens pode prevalecer sobre a compulsão para a destruição, os olhares vão estar especialmente voltados para o anfitrião desta nova rodada.

Clique sobre a imagem para assistir a entrevista disponível no site da Globo News, clique sobre a imagem.

Que estratégia de sustentabilidade o dono da casa pode defender efetivamente na Rio + 20? É o que fomos buscar com o premiado jornalista Washington Novaes, um dos maiores especialistas em meio ambiente no país. Na teoria e na prática: Washington vive numa chácara em Goiania, no coração do Brasil, campeã da resistência aos efeitos nocivos do tempo e do crescimento desordenado à sua volta. Foi aqui que ele nos falou dos grandes desafios que terão que ser enfrentados nos próximos anos.

por Elizabeth Carvalho

Se não quiserem assistir a entrevista toda, não deixem de assistir apenas os últimos cinco minutos do vídeo. Avance até o minuto 19:30 e não perca o excelente e esclarecedor depoimento de Novaes sobre como sua percepção sobre mundo foi alterada a partir do momento em que ele tomou contato com as sociedades indígenas, a partir de uma série de documentários que ele realizou sobre o Xingú e que foi intitulada Xingú, a terra mágica.

NÃO PERCAM!!!!

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Nem tudo era italiano…

Este brilhante trabalho foi apresentado originalmente em 1995 como dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em História da PUC-SP com o título : “A população pobre nacional na cidade de São Paulo – virada do século (1890-1915). Foi publicado pela Annablume/FAPESP apenas três anos depois da defesa, em 1998 e, dez anos depois, já ganhava sua terceira edição, que é esta da foto ao lado.

Carlos José Ferreira dos Santos é historiador e professor universitário da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus-BA, tendo se graduado em história pela Unesp-Franca, mestrado pelo Programa em Estudos Pós-Graduados em História pela PUC-SP e doutorado pela FAU-USP.

Nem tudo era italiano é uma pesquisa bastante original sobre as populações pobres nacionais que viviam na cidade de São Paulo na virada do século XIX para o XX.

Intrigado pela imagem da São Paulo que emergia tanto de documentos oficiais da época quanto da historiografia produzida no período posterior, Carlos José parte da pergunta-chave “Era tudo italiano em São Paulo na virada dos séculos XIX e XX” para tentar localizar onde viviam e o que faziam os brasileiros que estavam em São Paulo na virada do século. Portanto, um dos objetivos do trabalho é demonstrar que, ao contrário do que era veiculado pela elite paulistana da época, através dos censos, anuários e demais documentos oficiais produzidos pelos governos municipais e provinciais, nem tudo era italiano nesta cidade ente os anos de 1890-1915.

No decorrer de sua pesquisa, Carlos José mostra a presença de outras cores e matizes de outras experiências étnicas e culturais, como bem disse Heloísa de Faria Cruz na apresentação do livro, e complementa:

“Questionando à contrapelo à Belle Époche paulistana, desvela a construção ‘em negativo’ de outros sujeitos, os pobres, ‘todos pretos ou quase pretos de tão pobres’, os trabalhadores pobres nacionais”.

Além das fontes oficiais, Carlos José também faz bom uso de memorialistas, cronistas, periódicos e fotografias da época como fontes importantíssimas no intuito de identificar onde estavam as camadas populares nacionais na cidade de São Paulo, propositalmente suprimida e excluída do progresso da desejada metrópole. O esforço do autor é localizar, nos silêncios destes documentos ou escondidos nos cantos das fotos, como se fossem figurantes, quem eram esses sujeitos esquecidos da história, onde eles trabalhavam, como subsistiam e, de sua maneira, como resistiam às transformações impostas por uma São Paulo que crescia cada vez mais e que, através deste crescimento, buscava a substituição de toda esta camada social composta por negros, mestiços, caboclos, mulatos, índios e caipiras, dentre outros, pelos celebrados imigrantes europeus (italianos, na maioria).

No primeiro capítulo, “Os elementos indiscutíveis de nosso progresso”, o autor busca fazer uma recuperação crítica do projeto modernizante e de branqueamento para a cidade. Nesta parte inicial do trabalho suas fontes principais são as estatísticas, nas quais analisa minuciosamente os censos e anuários, buscando os silêncios, omissões e inversões, para dar visibilidade as transformações étnicas e demográficas da população paulistana num período mais alargado do que o da pesquisa (1872-1920).

O capítulo II, intitulado“Em busca da presença dos nacionais pobres”, é o mais marcante da obra, pois nele o autor busca estabelecer os espaços e modos de viver e pensar das populações nacionais pobres, relacionando suas vivências aos processos de luta que constituíam a cidade. Ainda mencionando a apresentação de Heloísa Faria Cruz:

“Através da leitura detalhada de fotos que, em geral, destacavam o progresso e a modernindade da vida urbana, em segundo plano, nos cantos, fora do foco central, o autor identifica os homens negros descalços transportando sacos, conduzindo carroças, mulheres com tabuleiros, trouxas ou embrulhos, crianças descalças em trajes caseiros.
Busca remapear socialmente o centro e outros espaços da cidade, indo além da representação elegante e europeia do Triângulo e encontra becos, ruas alagadas, quiosques, mercados, igrejas, terreiros, batuques, congadas, caipós, na Várzea do Carmo, no Largo das Casinhas, no Largo do Rosário, no sul da Sé.”
Abaixo disponibilizamos duas fotos para exemplificar o método utilizado por Carlos José para analisar as fotos da cidade em busca da presença dos nacionais pobres.

Na foto acima, cuja intenção era mostrar o melhor do comércio da cidade, é possível flagrar um carroceiro circulando na rua bem ao fundo da imagem e, um pouco mais adiante, um negro está parado observando o movimento.

Já nesta outra foto, o autor destaca as lavadeiras negras que desciam até a Várzea do Carmo para exercerem seu ofício. Como destaca Carlos José, alguns espaços da cidade, como o Carmo, eram marcados pela presença dos nacionais pobres que, poucos anos depois, foram vítimas de processos de higienização na virada do século, sob a desculpa da modernização e do progresso da cidade, que acabou expulsando-os dali para outras regiões mais periféricas da cidade.

No Capítulo III, “Serviços de Negros: na cadência de Modas indígenas e africanas”, Carlos José faz a crítica ao discurso da desqualificação dos “serviços de negros” e aponta muito bem a natureza “subversiva e inventiva das formas de sobrevivência e práticas culturais dos nacionais pobres”. Aqui seu objetivo é apontar ofícios, biscates e ocupações casuais e temporárias que pouco foram examinadas pela historiografia do trabalho e considerado como serviços de negros.

“São carroceiros autônomos, coletores de lixo, lavadores de casa, cavoqueiros, limpadores de trilhos, empregados das cocheiras, quitandeiras e quituteiras, lavadeiras e vendedores ambulantes, como os flagrados em algumas fotos publicadas em seu livro”.

Na foto acima, o detalhe de trabalhadores negros no ofício de catadores de lixo e, abaixo, um limpador de trilhos é flagrado no exercício de sua atividade por volta de 1917.

PALAVRAS FINAIS

Embora o livro tenha como tema a São Paulo da virada do século XIX para o XX, ele é bastante atual, pois mostra como se deu os processos de exclusão dos brasileiros pobres, em sua maioria negros, que viviam no centro da cidade no período pesquisado. Hoje, uma vez mais, estamos em pleno processo de higienização do centro onde as camadas mais pobres da população estão sendo retiradas com extrema violência para liberarem o espaço para os grandes especuladores imobiliários. Além disso, ainda tem a questão da posição do negro em uma sociedade pós-abolição, apontando claramente a condição em que viviam e os ofícios aos quais foram relegados, determinando sua condição de extrema pobreza e a imensa dificuldade de romperem com esse quadro por não terem acesso à educação. Tema este que viemos tratando nos últimos meses ao falarmos da necessidade da implementação do sistema de cotas raciais.

Para concluir essa breve e despretensiosa resenha, nada melhor do que as palavras da orientadora da pesquisa, a já citada Heloísa de Faria Cruz, que diz:

“Com seu trabalho, Carlos José nos propõe uma São Paulo onde nem tudo era italiano e contribui para uma compreensão dos processos de exclusão, ontem e hoje, pois joga luz nos silêncios da historiografia que tratou sobre o tema das cidades e do trabalho no período”.

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A “invasão” dos estacionamentos da USP

O caderno cotidiano da Folha de S.Paulo de hoje, 07 de maio, estampa a seguinte manchete: Usuários do metrô invadem estacionamento da USP.

De cara a manchete já incomoda por utilizar o termo “invadem”, pois de antemão o jornal assume que usuários do metrô não tem direito à utilizar o espaço público da universidade, induzindo o leitor a tomar para si esta mesma posição. Mas vamos adiante e passar a discutir o conteúdo da matéria e o posicionamento de alunos, professores e pesquisadores ouvidos pela reportagem.

BREVE SÍNTESE DA MATÉRIA

A reportagem, assinada por Reinaldo Turollo Jr., informa que tanto alunos como professores da USP reclamam que a inauguração da estação Butantã do metrô, há cerca de um ano, fez com que as ruas do campus virassem uma espécie de “garagem” da estação, onde pessoas largam seus carros para utilizar o metrô, distante um quilômetro dali. Segundo esses indivíduos, a consequência da inauguração da estação Butantã foi o aumento do trânsito e a dificuldade de achar uma vaga em certas unidades do campus universitário. Alguns teriam chegado até mesmo a pedir a proibição da entrada de veículos de fora da universidade.

Ao mencionar o depoimento de um guarda universitário, a reportagem ainda dá conta de que muitos veículos permanecem estacionados durante o dia inteiro. “É a maior cara de pau. Você só vê o pessoal parando o carro e indo correndo para o ponto de ônibus [para ir até a estação]. Tem uns que vêm todo dia no mesmo horário”, teria dito este guarda universitário, que não quis divulgar seu nome (segundo a reportagem).

AS OPINIÕES COLHIDAS PELA REPORTAGEM

O que espanta são as opiniões de um professor e uma pesquisadora colhidas pela reportagem:

“Ser um estacionamento livre a céu aberto é a última das funções da universidade”, diz o professor do departamento de engenharia de energia e automação elétricas, Eduardo Mario Dias.

“Se continuar esse movimento, talvez [exista] a possibilidade de colocar adesivos no vidro [dos carros], como em alguns condomínios”, afirma a pesquisadora do Museu da Educação e do Brinquedo da USP, Fernanda Cristina Pedrinelli, 42.

O professor de engenharia, ao invés de criticar a falta de investimento público em infraestrutura urbanística no entorno da estação do metrô, prefere fazer uma generalização esdrúxula e dizer que a universidade está se transformando em um estacionamento a céu aberto. Já a pesquisadora dá uma demonstração de ignorância vexaminosa e, em uma clara confusão entre espaço público e privado, imagina que o espaço público da universidade, mantido com impostos dos contribuintes (inclusive dos que estacionam lá dentro), se assemelha a um condomínio privado, onde se faz necessário o controle do acesso do espaço com crachás de identificação ou adesivos.

Na direção oposta das opiniões acima, um professor da Faculdade de Educação começou a tocar no assunto que deve ser discutido, embora o jornal não tenha dado espaço para que se aprofundasse melhor a questão.

“O professor aposentado da Faculdade de Educação, João Pedro da Fonseca, 68, não aprova que se tome nenhuma medida restritiva. [Restringindo o acesso] Você não vai à causa do problema, afirma. Colocar cancela eu não concordo. A USP não pode ficar isolada da cidade como um todo. Isso é um problema urbano.”

APROFUNDANDO UM POUCO A QUESTÃO

Fico um tanto irritado ao ver o posicionamento de alunos, professores e demais membros da comunidade uspiana ao lado de quem deseja fechar a universidade para a comunidade externa. Trocando em miúdos, essas pessoas defendem que o uso de um espaço público seja reservado apenas para uma pequena parcela da população. O que irrita mais nessa história é o fato destas pessoas, em especial os estudantes, preferirem lutar para garantir a sua vaga no estacionamento da USP, do que lutar para garantir que Estado/Município melhore a infraestrutura urbana ao redor da estação do metrô. E aqui nem estou falando em melhorar a qualidade do transporte coletivo, mas sim de oferecer uma alternativa barata de estacionamento nas cercanias da estação. Duvido muito que se houvesse alguma opção barata de estacionamento perto do Metrô Butantã, as pessoas iriam deixar seus carros na USP e andar um quilômetro para pegar o trem. Contudo, como é mais fácil e “aceitável” lutar contra a comunidade externa da USP do que com os governos do Estado e do Município, prefere-se aceitar a “catracalização” da universidade.

Conhecendo as [más] intenções da reitoria e dos governantes emplumados que dominam este Estado há 20 anos, uma vez “justificada” a necessidade de controle do espaço da universidade, será apenas um pulo para tentarem privatizar o espaço público e instalar estacionamentos pagos para quem não for aluno ou professor da universidade. Pior que isso, com esse escândalo todo de falta de ética no jornalismo (Veja & Cachoeira), não duvido que  a própria reportagem tenha sido “pautada” seja pela reitoria da universidade, pelo governo estadual e/ou demais interessados na privatização daquele espaço público, para já ir colocando a questão em pauta e tentar justificar, perante a opinião pública, a necessidade de se proibir o acesso livre e “gratuito” do espaço do campus universitário.

Para não ser injusto, na sequência da reportagem vem um texto assinado por José Almeida Sobrinho (presidente do conselho deliberativo do Instituto Brasileiro de Ciências do Trânsito), propondo-se a analisar a questão levantada pela reportagem. Texto muito curto, para quem se propõe a analisar o tema, e fala apenas o óbvio [criar locais junto às estações de metrô onde os usuários do transporte individual podem estacionar seus veículos a preço acessível e, a partir dali, seguir usando a malha metroviária], sem criticar quem deveria ser criticado pela falta de infraestrutura para atender a demanda de uso do metrô, isto é, governo estadual e municipal. Enfim, para Almeida Sobrinho, a responsabilidade de solucionar o problema é do Metrô:

“O Metrô deve analisar e corrigir equívocos cometidos no passado, pois a proposta é imprescindível para a migração do transporte individual para o coletivo.”

Em outra matéria sobre o assunto, vemos a informação de que “o Metrô de São Paulo disse que realiza um estudo para saber se há demanda para implantar estacionamento ao lado da estação Butantã”. Oras, realizar um estudo para saber se há demanda para implantar estacionamento é a pior das desculpas que o Metrô poderia dar. Qualquer um que tenha entrado sequer uma vez na estação Butantã sabe muito bem que há demanda para a implantação de estacionamentos na região. A concessionária que explora a Linha 4 – Amarela teve quase 6 anos para fazer este estudo e por isso me pergunto: será que a tal concessionária deixou para fazer o tal estudo de demanda apenas um ano depois que a estação foi inaugurada porque subestimou a demanda ou haverá outro interesse por trás disso?

ÚLTIMAS PALAVRAS

É paradigmático aquele depoimento dado pelo Guarda Universitário da USP à reportagem da Folha no qual ele considerava ser “a maior cara de pau (…) o pessoal parando o carro e indo correndo para o ponto de ônibus [para ir até a estação]. Tem uns que vêm todo dia no mesmo horário”. Há muitos estudantes e professores repetindo isso e demonstrando toda sua ignorância em relação a utilização de espaços públicos. Por que seria “cara de pau” se quem estaciona também é um contribuinte e tem o mesmo direito a utilizar aquele espaço do que o estudante ou professor? Então ter as portas abertas para a comunidade deixou de ser uma das funções de uma universidade pública? Vamos continuar restringindo cada vez mais o acesso do campus somente ao grupo acadêmico e lotear o espaço público a certos grupos que vão se enriquecer explorando-o? É esta a nova função da universidade: enriquecer certos grupos?

Chegamos a um ponto em que, muito em breve, será exigido que uma pessoa passe no vestibular da FUVEST para poder acessar uma vaga de estacionamento no campus Butantã. Tal como fizeram com o Bilhete Único da USP [sistema que busca limitar a circulação de pessoas de fora da universidade dentro do campus através do pagamento de tarifa de R$3,00 para utilização dos circulares], em breve teremos que mostrar o nosso cartão/adesivo VALE ESTACIONAMENTO para poder entrar com carros na universidade.

É inaceitável que sequer se discutam projetos desta natureza. Se o nosso magnífico [f]eitor empurrar uma decisão como esta goela abaixo da comunidade acadêmica, teremos que reagir com prontidão, dureza e determinação. JAMAIS PODERÃO PASSAR!!!

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Coleção História Geral da África

Depois de ter falado tanto sobre cotas raciais, o papel e a posição do negro na sociedade brasileira hoje e também sobre as particularidades do processo histórico de formação do povo brasileiro, especialmente da miscigenação deste com as populações de africanos que aqui foram introduzidos, entendo ser de grande valia a divulgação da excelente iniciativa que a Representação da UNESCO no Brasil tomou em disponibilizar gratuitamente para download a Coleção História Geral da África.


Em sua página na Internet, a Representação da UNESCO no Brasil disponibilizou links para que o usuário possa baixar a coleção completa de História Geral da África em língua portuguesa. A coleção é composta por oito volumes e além de ter sido publicada em nossa língua, ela também já havia sido vertida para o árabe, o inglês e o francês, em sua versão completa,  e para o inglês, o francês e várias outras línguas, como hausa, peul e swahili em uma versão condensada.

Segundo informações do próprio site da UNESCO, este é um dos projetos editoriais mais importantes da instituição nos últimos trinta anos, sendo um grande marco no processo de reconhecimento do patrimônio cultural da África, já que permite compreender o desenvolvimento histórico dos povos africanos e sua relação com outras civilizações a partir de uma visão panorâmica, diacrônica e objetiva, obtida de dentro do continente. A coleção foi produzida por mais de 350 especialistas das mais variadas áreas do conhecimento, sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, dos quais dois terços eram africanos.

Abaixo seguem os links para download direto do site da Representação da UNESCO no Brasil:

HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA. Brasília: UNESCO, Secad/MEC, UFSCar, 2010.

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Demétrio Magnoli e o haitianismo revisitado: a tática do terror contra as cotas

Vou voltar ao tema das cotas, pois após a histórica decisão do STF ao julgar a CONSTITUCIONALIDADE das cotas raciais, tenho visto uma discussão nas redes sociais que toma como base a argumentação de Demétrio Magnoli e sua turma (Demóstenes Torres, Ali Kamel, Roberta Kaufmann). Tal discussão tem promovido o terror na população, em especial, na imensa quantidade de pessoas que preferem não se considerar negro em nossa sociedade, que repetem essas argumentações sem refletir, apenas pelo medo de que as previsões desses intelectuais se concretizem.

Foi um amigo, que também é a favor das cotas, quem me mostrou um vídeo de uma palestra de Demétrio Magnoli que está circulando no YouTube. Neste vídeo, Magnoli e outros falam dos possíveis resultados que a implementação da política de cotas raciais podem trazer ao país. Vejam o vídeo e a argumentação de Magnoli (são só quatro minutos):

Após assistir ao vídeo, este amigo pediu que eu fizesse algumas considerações à respeito do mesmo. Achei que seria válido postá-las aqui no meu blog, para não limitá-las ao circuito restrito da minha rede social. Portanto, abaixo o que se vê foram as considerações que fiz sobre o vídeo acima, com poucas alterações para adequá-la ao conteúdo do blog.


Prefácio: antes mesmo de o Demétrio Magnoli fazer a sua fala, temos o áudio de um indivíduo não identificado discorrendo sobre a possibilidade de termos uma Guerra Civil no Brasil, caso o legislativo decida favoravelmente pela implementação do sistema de cotas raciais. Portanto, desde o princípio percebemos que a tática adotada para atacar as cotas será a do terrorismo. Tática que o Demétrio Magnoli vai recorrer em sua fala por diversas vezes, como veremos.

Tal estratégia é a mesma adotada na campanha de José Serra, na campanha presidencial contra Lula em 2002, quando o eterno candidato decidiu chamar a ex-namoradinha do Brasil, Regina Duarte, para falar do medo que ela sentia caso Lula ganhasse as eleições. Lembram?

Quando Demétrio Magnoli começa a falar,  é incrível a quantidade de besteiras em sequência que são elencadas para atacar o sistema de cotas para negros. Poucas vezes vi um intelectual falar, com tanta verve, tamanha quantidade de bobagens. Vou elencar aqui as principais:

‎1a. bobagem: Demétrio Magnoli coloca em dúvida a associação negro=pobre e pobre=negro, alegando que isso é uma fantasia do frei Davi. Sua argumentação vai pela afirmação de que existem pobres de todas as cores, mas se esquece, não por acaso, de  considerar em sua argumentação a distribuição dos pobres segundo a cor. É justamente nisso que se baseia o Frei Davi, que ele menciona, e todos aqueles que acham justo a implementação do sistema de cotas.

2a. bobagem: Demétrio Magnoli fala de uma lei que estava tramitando no senado que, se aprovada, fará com que o Estado entre em cada sala de aula de cada escola pública para traçar uma fronteira de raça.

Em primeiro lugar, essa fronteira de raça já existe hoje e, como todos devem saber, um pobre branco não é tratado pela sociedade da mesma maneira como um pobre negro. Este último carrega na pele o peso de um passado opressor que jamais foi superado no Brasil e continua oprimindo o negro ainda hoje e não há 300 anos atrás, como o Sr. Magnoli quer fazer crer.

Eu, por exemplo, sou de família pobre que sempre morou na periferia da Zona Sul, região do M’Boi Mirim (Capão Redondo, Jd. Ângela, Pq. Sto. Antônio). Sei muito bem a diferença de ser branco ou negro aqui na região onde moro. Jamais passei por situações que meus colegas de classe passaram simplesmente por serem negros ou descendentes de negros. Jamais fui agredido ou sequer parado por policial para uma revista, enquanto todos meus amigos negros do bairro passaram por isso e mais de uma vez, mesmo quando ainda eram crianças de 13 a 16 anos. Portanto, o Estado já traçou uma fronteira de raça clara na maneira como suas instituições tratam seus cidadãos. Como disse um colega no twitter, se alguém diz não saber identificar no Brasil quem é negro de quem não é, basta chamar a Polícia, pois estes sabem muito bem.

3a. bobagem (com crueldade): o Sr. Demétrio Magnoli argumenta que a implementação do sistema de cotas irá transformar as crianças brancas pobres de escolas públicas em verdadeiros representantes da elite branca, dos antigos proprietários de escravos. Esta é uma invenção doentia da cabeça de Magnoli que, através desta argumentação, encontrou uma maneira cruel de atacar não só as cotas, mas também os negros e seus descendentes.

As cotas não irão transformar as crianças brancas em representantes de senhores de escravos, assim como as cotas não transformam as crianças negras em representantes dos escravos. ISSO É UMA GRANDE BESTEIRA advogada por Demétrio Magnoli e seus colegas com o intuito de confundir a discussão, uma vez que TODA A SOCIEDADE BRASILEIRA é herdeira de um processo histórico escravista que, mesmo após a abolição, continuou excluindo os negros de diversas maneiras, dentre as quais, mantendo-os sem terra, nos piores empregos e com baixa escolaridade ou uma formação de péssima qualidade. Tal quadro faz com que uma mudança de condição social seja bastante dificultada e, se possível, conquistada somente com um esforço e custo elevado.

Os negros sofrem HOJE a opressão de um passado que ainda não se resolveu, basta olhar para o quadro da presença do negro e seus descendentes em nossa sociedade. Onde eles figuram? Cadê os negros que não aparecem na televisão e na representação identitária do brasileiro? Vamos preferir adotar a postura de Demétrio Magnoli, Ali Kamel, Arnaldo Jabor, Demóstenes Torres e Roberta Kaufmann ao dizer que não somos racistas e que o negro tem as mesmas oportunidades de chegar ao ensino superior público em nossa sociedade, mesmo que esta argumentação contrarie todas as estatísticas?

Ao usar este argumento, Demétrio Magnoli e seus colegas estão agindo com imensa crueldade, pois invertem os efeitos do racismo e transforma o negro em opressor do branco. Estes indivíduos tem a cara-de-pau de falar que as cotas farão com que o branco passará a ter a “cor errada” e o negro “a cor certa”, levando grande parte da população a acreditar que as cotas farão dos brasileiros pessoas racistas, coisa que não são. Me vêm à cabeça o livro 1984, de George Orwell, que traz afirmações como “Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”.  Qual será a intenção de Magnoli e seus colegas ao defender uma “verdade” sabendo que a mesma é uma mentira?

4a bobagem: uma vez mais, com requintes de crueldade e tal como Regina Duarte em 2002, Demétrio Magnoli adota a tática do terrorismo e afirma categoricamente que a implementação do sistema de cotas vai extrapolar as salas de aula e passar para o mercado de trabalho, para os bairros periféricos  e para os ônibus (em referência cruel à segregação nos EUA, insinuando que negros segregariam brancos nos ônibus), voltando ao discurso do infeliz que o precedeu, que falava de uma possível guerra civil no país, já que as cotas é que criariam as raças e o racismo em um país onde nada disso existe, no discurso alucinado dessas pessoas.

Oras, isso que estão fazendo Magnoli e seus colegas é uma espécie de HAITIANISMO REVISITADO. Usam a mesma argumentação que um proprietário de terras e escravista do tempo do império usaria, ao explorar o temor de uma possível revolta dos escravos para mobilizar os demais membros da sociedade a manterem os negros em sua condição servil. Não há dúvidas de que ele e os seus amigos é que agem como racistas, querendo manter a condição do negro neste vigente e velado racismo institucional que limita a um número PÍFIO a presença deles e de seus descendentes nas universidades públicas.

Falar em produzir racismo é o auge do cinismo do Sr. Magnoli. O racismo não será produzido com as cotas raciais, ele já existe no Brasil desde que se começou a traficar escravos para a América Portuguesa. Mesmo depois da abolição, o racismo persistiu da pior forma possível: velada, escamoteada e travestida de boas intenções, tal como estas que Magnoli e seus colegas dizem defender (cotas sociais no lugar de raciais).

5a. bobagem: Demétrio Magnoli demonstra de quem está à serviço ao falar que a elite não tem nada a ver com isso. Seu discurso passa a ser digno de pena, de tão absurda defesa que faz da elite.

Não por acaso, vemos por trás deste senhor quem são os patrocinadores da mesa-redonda presentes no painel de fundo (banqueiros, magnatas do aço, indústria de tabaco). A estratégia de Magnoli e seus colegas é mentir descaradamente ao dizer que a elite vai para universidades estrangeiras e cria suas próprias universidades. Para desmentí-lo, basta olhar os sobrenomes dos estudantes de medicina, arquitetura e engenharia, por exemplo, da USP, da UnB, da UFRJ, da UFMG e demais estados para vermos como seu argumento é maldosamente mentiroso. Magnoli se refere à elite da elite, isto é, aos filhos daqueles que estão financiando a sua palestra. Mas a elite brasileira é bem mais ampla do que as 15 ou 20 famílias a que ele se refere.

Seria risível, se não fosse trágico e perigoso, quando ele fala, quase aos berros, que “A ELITE NÃO ESTÁ NEM AÍ PARA AS LEIS RACIAIS. NÃO ATINGE A VERDADEIRA ELITE”, pois se de fato fosse como ele fala, a reação das elites não seria a de criar uma tropa de elite para tentar não deixar as cotas passarem no legislativo e no judiciário, como temos visto. Se fosse verdade, ele não estaria sendo pago por Itaú, Souza Cruz e Gerdau para falar esse monte de bobagens que falou em sua palestra, sendo aplaudido por uma platéia ávida para justificarem seu racismo com um discurso vindo dos bancos da universidade.

Uma vez mais sou obrigado a repetir: a população pobre não será dividida por coletividades de sangue por causa da instituição de cota nas universidades. Ela JÁ É marcada pelo racismo em função do processo histórico de constituição do povo brasileiro, quer o sr. Demétrio Magnoli queira reconhecê-lo ou não. O tempo não dissipou o racismo com o passar dos anos, como que por encanto. Isso é uma ilusão criada e utilizada por pessoas como o Sr. Magnoli, que desejam impedir a adoção de ações afirmativas pelo Estado brasileiro para mudar a condição do negro em nossa sociedade.

6a. bobagem: por fim, Demétrio Magnoli deixa de lado todo o pudor, se é que houve em algum momento, e TOCA O TERROR de vez ao dizer que com a aprovação do sistema de cotas, o Brasil terá explosões de ódio racial, correndo o risco de se transformar em uma RUANDA. Aqui, o Sr. Demétrio Magnoli se traveste de Regina Duarte e praticamente repete, com a carinha mais cínica do mundo, as palavras da atriz que dizia ter medo, como há muito tempo não tinha medo.

Conclusão: Infelizmente, trata-se de um verdadeiro disparate que um acadêmico se preste a este serviço e esteja profundamente alinhado com o racismo vigente em nossa sociedade, ao ponto de defendê-la de forma tão vil e ao mesmo tempo tão clara.

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VINÍCIUS: um filme singular de um homem plural

Escrevi este texto logo após ter visto a cinebiografia do Vinícius de Moraes no cinema, em 2006. Recentemente revi o filme em casa e fiquei procurando estas humildes linhas para publicá-las por aqui, pois sei que muitas pessoas ainda não viram o filme e que tantas outras sequer sabem da existência do mesmo.

Enfim, o objetivo aqui é aconselhar a quem ainda não viu ou não conhece o filme para NÃO DEIXAREM DE ASSISTIR. Aos que já viram ASSISTAM NOVAMENTE é sempre bom e uma alegria ver a cultura brasileira no auge do seu esplendor.


Como descrever a emoção de um filme que fala sobre a vida e obra de Vinícius de Moraes se não com a poesia do próprio Vinícius?

“Quem pagará o enterro
e as flores
se eu me morrer de amores?”

Ou então:

“De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo”

E da mesma forma como comecei este texto, começa o filme de Miguel Faria Jr., que conseguiu nada menos do que fazer com que uma cinebiografia transbordasse emoção em cada milímetro de sua película. Aquele que prestar atenção à platéia, poderá constatar o que digo ao vê-la chorar, com a bela interpretação do Soneto de Fidelidade por uma emocionada Camila Morgado, ou rir às gargalhadas das fantásticas histórias contadas no filme por Chico Buarque ou Tom Jobim, ou simplesmente o Tom do Vinícius.

Um filme simples, sem efeitos especiais, tiroteios ou cenas de sexo explícito, que atrai e deixa o público atento e com as emoções à flor da pele. São daqueles filmes que deixam o espectador louco de vontade de pegar a fila novamente, comprar novo ingresso para assisti-lo novamente, só pra prestar atenção nos detalhes perdidos. É como um gol de placa! Conseguir isso nos dias de hoje, sem apelar pro trinômio sexo, violência e efeitos especiais, não é nada fácil.

Vinícius não é apenas uma cinebiografia, transcende a simples narração da vida e obra de um poeta, como aquelas biografias chatas das TV’s fechadas. Também é muito mais do que um documentário. Vinícius vai muito além disso tudo. Miguel Faria Jr. conseguiu transpor para sua película a mesma emoção que uma pessoa sente ao ler um poema de Vinícius e é justamente por isso que não podemos limitá-lo a um desses formatos cinematográficos. No fundo, ele transita entre todos esses formatos, sendo apresentado através de maneira bastante simples e já bem conhecida, uma vez que sua beleza não está na forma como é apresentado, mas muito mais em seu conteúdo.

Tal como Vinícius em sua poesia, Miguel partiu em busca da simplicidade e a encontrou através dos depoimentos de amigos, parentes e parceiros do poeta; através de convidados especiais que cantavam, muitas vezes emocionados, as músicas de Vinícius e, sobretudo, através das excelentes interpretações de Camila Morgado e Ricardo Blat que, simulando um show de Vinícius em um cabaré, recitam seus poemas e conduzem o filme magnificamente fazendo uma perfeita ligação entre depoimentos, imagens do Rio de Janeiro e do Brasil nas diferentes épocas da vida de Vinícius e das participações especiais.

Em uma pessoa plural, como Vinícius, a seleção do que colocar no filme e o que ia ficar de fora deve ter sido um desafio enorme, que foi muito bem enfrentado por Miguel Faria Jr. que pinçou o conteúdo do filme com maestria, selecionando pérolas da vasta obra literária e musical de Vinícius. Também é de se destacar a maneira como ele relacionou a obra do autor, com o espaço e o tempo em que o poeta vivia. Justamente aí está o mérito de Miguel Faria, que soube como poucos captar os momentos cruciais da vida de Vinícius num Brasil que, durante este tempo, passou da Belle Époque da década de 10, quando nasceu o poetinha, passando pelo grande milagre desenvolvimentista de JK, da Tropicália e da Bossa Nova nas décadas de ouro de 50 e 60 e culminando no Brasil que tomou outra direção após o golpe militar de 64 e do AI 5. Direção da qual Vinícius jamais voltaria a ver sua pátria retornar.

Voltar àquele Brasil da cultura efervescente, onde o povo abria as portas de suas casas para se reunir e fazer música, onde Ipanema era o modelo de um Brasil viável, multicolorido e que tinha um futuro promissor diante de si, mas que acabou por mergulhar no abismo da ditadura militar e seguir com muito mais do mesmo de sempre empurrado por essas elites monocromáticas. Eis o que o filme proporciona e nos faz pensar nas razões do êxito cultural vivido pelo Brasil no período pré-ditadura, seja na música, no cinema, nas artes ou, até mesmo, nas academias, mesmo quando nossa economia não vicejava como hoje.


FICHA TÉCNICA:

VINÍCIUS DE MORAES
Direção:
Miguel Faria Jr
Roteiro: Miguel Faria Jr e Diana Vasconcellos
Com colaboração de: Eucanaã Ferraz
Texto Final: Eric Nepomuceno
Fotografia: Lauro Escorel (A.B.C.).
Direção Musical: Luiz Claudio Ramos
Direção de Arte: Marcos Flaksman (A.B.C.).
Figurinista: Marília Carneiro
Montagem: Diana Vasconcellos (A. B. C).
Som Direto: Bruno Fernandes
Edição de Som Miriam Bidderman (A.B.C.).
Produção: Miguel Faria Jr. e Susana Moraes.
Pós-produção: Marcelo Pedrazzi
Produção Executiva: Tereza Gonzalez
Apresentação: Camila Morgado e Ricardo Blat


Para mais informações sobre filme, visite a página do diretor Miguel Faria Jr. Abaixo deixo o trailler:

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